Processo 1182120-48.2024.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Guilherme Lopes Nakamoto – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: LUIS GUSTAVO BITTENCOURT MASIERO (OAB 284945/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1182120-48.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 11º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Guilherme Lopes Nakamoto
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 11º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Guilherme Lopes Nakamoto, diante de negativa em se proceder ao registro de “opção de compra e venda” do imóvel objeto da matrícula n. 376.117 daquela serventia.
O Oficial informa que foi apresentado para registro um instrumento particular denominado “Opção de Compra e Venda – Pessoa Jurídica” firmado entre Sefili Negócios, Representações e Participações Ltda, como vendedora, e Carolina Cristine Colombo Bermudez e Guilherme Lopes Nakamoto, como compradores, bem assim, um documento intitulado “Confirmação de Valores da Operação de Saque” endereçado à Cobansa Companhia Hipotecária; que o título foi qualificado negativamente com exigência para apresentação de título hábil a registro, tendo em vista que o documento (“Opção de Compra e Venda – Pessoa Jurídica”) não é título admitido a registro para formalizar transmissão de imóvel; que, irresignado, o interessado requereu a suscitação de dúvida; que o óbice deve ser mantido, já que a opção de compra não é suscetível de registro em sentido estrito, sendo, por sua natureza, um título desprovido de vocação para a constituição de direito real, e, por conseguinte, não é um título hábil à constituição de um direito real de aquisição, ao contrário do compromisso irretratável de venda e compra de bem imóvel; que, assim, não se mostra possível a superação da nota devolutiva do título, sendo imprescindível a apresentação do contrato formal, integrante do rol dos itens dos incisos I e II do artigo 167 da Lei n. 6.015/73 (fls. 01/07).
Documentos vieram às fls. 08/42.
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação nos autos, a parte suscitada aduz que o óbice deve ser afastado, pois a mera nomenclatura do documento como “opção de compra” não se mostra suficiente para qualificá-lo como tal, devendo-se analisar os requisitos nele contidos; que o título apresentado a registro, ainda que denominado como opção de compra, se caracteriza como verdadeiro compromisso de compra e venda, passível de registro em sentido estrito; que os artigos 427 e 431 do Código Civil dispõem que a proposta de contrato obriga o proponente; que é possível verificar intensa negociação das partes para a fixação do preço da venda, sendo certo que o valor final foi decidido pela promissária vendedora do imóvel, após a definição do preço e condições de pagamento; que o impugnante concordou com a proposta ofertada, passando as partes, a partir daí, a prosseguirem na negociação da venda e compra, pelo preço fixado pelo representante legal da promitente vendedora; que, a partir do momento em que houve a aceitação da proposta do proponente pelo ora impugnante, por força do artigo 427 do Código Civil, não poderia mais desistir da negociação, constituindo-se verdadeiro direito real de aquisição ao impugnante; condomínio e inclusive aluguéis, enquanto não concretizada a negociação; que já houve a emissão e pagamento da guia do ITBI, o que reforça a vontade das partes em celebrar a negociação constante do título; menciona julgado pelo Conselho Superior da Magistratura (fls. 43/53). Juntou documentos (fls. 54/110).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 114/116).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que prevê o item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, a dúvida é procedente.
A parte busca o registro de “Opção de Compra e Venda – Pessoa Jurídica” formalizada por meio de instrumento particular subscrito por Sefili – Negócios, Representações e Participações Ltda, proprietária do imóvel, e Carolina Cristine Colombo Bermudez e Guilherme Lopes Nakamoto, sendo esse o suscitado que pretende, com a inscrição, constituir, em seu favor, um direito real de aquisição.
A Lei n. 6.015/1973 disciplina os títulos registráveis, em regra, no artigo 167 que concerne ao título sob o aspecto material como causa ou fundamento de um direito ou obrigação passível de ingresso no fólio real, e no artigo 221, que cuida do rol dos títulos, em sentido formal, como instrumentos que traduzem os títulos elencados no artigo 167.
O rol do artigo 167, inciso I, da Lei de Registros Públicos elenca os direitos que ingressam no fólio real por ato de registro em sentido estrito:
“Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
I – o registro:
(…)
9) dos contratos de compromisso de compra e venda de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações”
O registro do compromisso irretratável de compra e venda configura o direito real de aquisição ao compromissário comprador (art. 1.225, VII, CC), haja vista que o objetivo desse compromisso é a outorga da escritura definitiva para transmissão da propriedade imobiliária.
Em outras palavras, o contrato de compromisso de compra e venda, que não contenha cláusula de arrependimento e seja registrado no Registro de Imóveis competente, converte-se de direito de crédito em direito real, nos termos dos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil.
“Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”
Segundo lição do eminente Desembargador Francisco Eduardo Loureiro:
“No contrato de compromisso de compra e venda, segundo doutrina majoritária, o objeto seria a celebração do contrato definitivo. Logo, manifestar consentimento no contrato definitivo consistiria na prestação principal. Já as prestações secundárias ou acidentais consistiriam nos deveres de pagar o preço, fornecer documentação relativa ao imóvel, certidões pessoais dos promitentes vendedores, certidões fiscais e previdenciárias, autorizações e alvarás administrativos, enfim, tudo aquilo que possa interessar à perfeição da prestação principal.
(…)
Na função de mero contrato preparatório, sem dúvida a prestação principal de ambas as partes no compromisso de compra e venda será a de prestar consentimento no contrato definitivo. Cuida-se de obrigação de fazer, juridicamente fungível, passível de substituição por sentença,
(…).
O contrato de compromisso de compra e venda, na frequente função de instrumento de garantia do recebimento do preço, ou de contrato preliminar impróprio, desloca a prestação principal do promitente comprador, de consentir na celebração da escritura definitiva, para o pagamento do preço.” (Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso, Ed. Manole, 2024, págs. 1423/1425)
Assim, o objeto e a prestação principal no contrato de compromisso de compra e venda seriam manifestar consentimento no contrato definitivo.
Para efeito de registro, além da ausência de cláusula de arrependimento, o contrato de compromisso de compra e venda, porque inserido na categoria de contrato preliminar (arts. 462 e 463 do CC), também deve conter, salvo quanto à forma, todos os requisitos do contrato principal de compra e venda: partes, objeto e preço.
Sucede que, no caso concreto, o título apresentado não estipula as obrigações das partes contratuais típicas de um compromisso de compra e venda (contrato preliminar), não há vinculação à futura celebração de contrato definitivo de compra e venda, tampouco em caráter irretratável, havendo apenas a singela menção aos dados do imóvel (sem menção à matrícula) e à forma de pagamento, de modo que carece de elementos essenciais à configuração de um compromisso de compra e venda.
De fato, a opção de compra de bem imóvel não se qualifica como título apto para a constituição de um direito real de aquisição, como já decidiu o C. Conselho Superior da Magistratura, por ocasião do julgamento da apelação cível n. 0010226-63.2014.8.26.0361, sob a relatoria do então D. Corregedor Geral da Justiça Manoel de Queiroz Pereira Calças (destaques nossos):
“A opção de compra ou de venda, negócio jurídico, em sua formação, bilateral, é considerada, sob a perspectiva de seus efeitos, contrato unilateral. E isso porque, para uma das partes, há apenas vantagens, a constituição de direito formativo, enquanto, para a outra, estabelece-se uma situação de sujeição.
(…)
A opção não se confunde, portanto, com as tratativas e negociações preliminares, tampouco se qualifica, na justa advertência de Orlando Gomes, como um contrato “pendente da condictio juris da aceitação”, pois aí não seria verdadeiramente um contrato, mas simples oferta, malgrado irrevogável.
Em outras palavras, é um contrato preliminar que, sob o ângulo de seus efeitos, a distingui-lo da promessa (compromisso) de venda e compra, gera obrigações para somente um dos contratantes: o outro, esclarece Caio Mário, a quem então se atribui, mediante ajuste, a preferência para realizar o contrato definitivo, tem liberdade de efetuálo ou não, de acordo com suas conveniências.
De todo modo, ainda que irrevogável e integrada pelos elementos essenciais da compra e venda de bem imóvel, a opção de compra não é suscetível de registro em sentido estrito. E não porque privada de sua eficácia, já que, ao reverso, subsiste operante enquanto não vencido seu prazo; tampouco porque estaria (o que não é verdade, acima se destacou) subordinada a uma condição legal (conditio iuris), presente que se encontra a manifestação de vontade do optante, que participa da formação desse negócio jurídico; mas sim porque, a par da falta de previsão legal, supõe, para fins de constituição do direito real, opção a ser feita, o exercício do direito potestativo de preferência, nela, por sua essência, não contemplado.
Vale dizer: a opção de compra de bem imóvel é, por si, por sua natureza, um título desprovido de vocação para a constituição de direito real; não é, assim, título hábil à constituição de um direito real de aquisição, então ao contrário do compromisso irretratável de venda e compra de bem imóvel.
Na realidade, a opção de compra de imóvel seria, em tese, somente averbável, e aí com respaldo na abertura positivada no art. 246 da Lei nº 6.015/1973, a indicar que o rol dos títulos passíveis de averbação (art. 167, II) é meramente exemplificativo. E justificar-se-ia, à vista do direito de preferência nela previsto e para atribuir-lhe mais extensa eficácia, pois, conforme oportuno escólio de Francisco Loureiro, “hoje corretamente se admite a averbação de situações jurídicas que necessitam ganhar realidade ou eficácia contra terceiros, como eficiente mecanismo de prevenção e publicidade de tudo aquilo que diz respeito diretamente ao imóvel.” (CSMSP – Apelação Cível: 0010226-63.2014.8.26.0361; Localidade: Mogi das Cruzes; Data de Julgamento: 24/05/2016; Data DJ: 08/07/2016; Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças)
Destarte, subsiste o óbice apontado pelo Oficial.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 07 de janeiro de 2025.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 09.01.2025 – SP).
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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