CSM/SP: Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura pública – Certidão Negativa de Débito (CND) – Afastamento do óbice.


  
 

Apelação n° 1002325-23.2024.8.26.0152

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002325-23.2024.8.26.0152
Comarca: COTIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1002325-23.2024.8.26.0152

Registro: 2025.0000059092

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002325-23.2024.8.26.0152, da Comarca de Cotia, em que é apelante MARIO DE OLIVEIRA E SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE COTIA – SP.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve  a participação  dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002325-23.2024.8.26.0152

APELANTE: Mario de Oliveira e Silva

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Cotia – SP

VOTO Nº 43.670

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura pública – Certidão Negativa de Débito (CND) – Afastamento do óbice.

I. Caso em Exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve recusa ao registro de escritura pública de alienação de imóvel em virtude da não apresentação de Certidão Negativa de Débito (CND) em nome da vendedora.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em avaliar a pertinência da exigência de apresentação de CND para o registro de escritura pública de alienação de imóvel.

III. Razões de Decidir

3. Aplicação do subitem 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que dispensa a apresentação de CND para registro de títulos.

4. Jurisprudência consolidada do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça afasta a exigência de CND para atos registrais, considerando-a exercício abusivo de cobrança de tributos. No mesmo sentido, o posicionamento do STF.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: “A exigência de CND para registro de alienação de direitos sobre imóvel não subsiste”.

Legislação e Jurisprudência relevantes citadas:

– Lei nº 8.212/91, art. 47, “b”, inciso I; subitem 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

– CSM/SP, Apelação nº 1003559-67.2022.8.26.0198, rel. Des. Torres Garcia, j. 28/11/2023; Apelação Cível n. 1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018, DJe 17.7.2018; Apelação Cível nº 0014803-69.2014.8.26.0269, rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j RE 666405/RS, Rel. Min. Celso de Mello.

Trata-se de apelação interposta por Mário de Oliveira e Silva contra a r. sentença de fl. 48, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Cotia, que manteve recusa ao registro de escritura pública lavrada pelo 2º Tabelião de Notas de São Paulo no Livro n. 3660, fls. 123/126, por meio do qual a proprietária, Crismoe Serviços de Apoio Administrativo Ltda alienou o imóvel objeto da matrícula de n. 17.335 ao recorrente (prenotação n. 378.649 – fl. 08).

O óbice está na necessidade de apresentação de Certidão Negativa de Débito a ser emitida pela Receita Federal em nome da outorgante vendedora, na forma prevista pelo artigo 47, “b”, inciso I, da Lei n. 8.212/91 (fls. 01/07; nota devolutiva de fl. 26).

A parte recorrente sustenta que a exigência de apresentação de CND para que o título possa ter acesso ao folio real é inconstitucional e contraria jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, pelo que deve ser afastada (fls. 53/56).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 75/77).

É o relatório.

De acordo com a nota devolutiva de fl. 26, a escritura pública de venda e compra foi desqualificada em virtude da não apresentação de certidão negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União (CND), a ser emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em nome da empresa vendedora.

O afastamento da exigência se impõe, pois aplicável o subitem

117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que preceitua:

“117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.

A jurisprudência consolidada deste Conselho também é no sentido de que a exigência de certidões negativas de tributos federais e contribuições previdenciárias para a prática de ato registral caracteriza exercício abusivo de cobrar tributos:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – INSTRUMENTO PARTICULAR DE CESSÃO DE DIREITOS – CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO –  CND  – EXIGÊNCIA AFASTADA, SEGUNDO  ATUAL ORIENTAÇÃO DESTE CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA SUBITEM 117.1, CAPÍTULO XX, TOMO II, DAS NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA – APELO PROVIDO” (CSM/SP – Apelação nº 1003559-67.2022.8.26.0198, Rel. Des. Torres Garcia, j. Em 28/11/2023).

“Registro de Imóveis Carta de Adjudicação Desqualificação do título judicial, exigindo-se certidão negativa de débitos (CND) expedida conjuntamente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional Impossibilidade Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado Dúvida improcedente Apelação provida” (Apelação Cível n. 1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018, DJe 17.7.2018).”

No mesmo sentido, Apelação Cível nº 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. em 17.1.2013; Apelação Cível nº 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. em 17.1.2013; Apelação Cível nº 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. em 18.4.2013; Apelação Cível nº 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. em 26.9.2013; Apelação Cível nº 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. em 26.8.2014; Apelação Cível nº 0014803-69.2014.8.26.0269, rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 30.6.2016.

No último precedente mencionado (Apelação nº 0014803-69.2014.8.26.0269, relatada pelo Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças), esclareceu-se que:

“Não se justifica, igualmente, a exibição de CND (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários), seja porque originária a aquisição da propriedade, seja diante da contemporânea compreensão do C. CSM, iluminada por diretriz estabelecida pela Corte Suprema, a dispensá-la, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política.

Em atenção a esse último fundamento, a confirmação da exigência importaria, na situação em apreço, uma restrição indevida ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua, instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos.

Caracterizaria, em síntese, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, a qual se alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado.

Conforme Humberto Ávila, “a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que – e isto é essencial – não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário”.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já se manifestou nos mesmos termos: “o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso” (STF, RE 666405/RS, Rel. Min. Celso de Mello).

A falta de reconhecimento judicial da inconstitucionalidade da norma que exige a CND ou o veto ao afastamento de tal exigência por ocasião da sanção da Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, não levam a conclusão diversa.

Isso porque as diversas decisões judiciais e administrativas mencionadas, que resultaram no afastamento da exigência das certidões e na inserção do item 117.1 no Capítulo XX das NSCGJ, foram proferidas enquanto vigentes os artigos 47 e 48 da Lei nº 8.212/91.

Não houve, assim, alteração no panorama legislativo da matéria.

Em outras palavras: o artigo 47 da Lei nº 8.212/91 permanece em vigor, assim como já ocorria quando a tese que dispensou a apresentação de CND passou a prevalecer.

O óbice, portanto, não pode subsistir.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

São Paulo, data registrada no sistema.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.