Direito civil – Apelação – Registro de imóveis – Permuta de imóveis – Recolhimento de ITBI – Inexigência de ITCMD, por inexistir negócio gratuito – Apelação provida.

Apelação n° 1016128-54.2023.8.26.0590

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1016128-54.2023.8.26.0590
Comarca: SÃO VICENTE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1016128-54.2023.8.26.0590

Registro: 2025.0000059105

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1016128-54.2023.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é apelante MIRIAN MARIA PESSOA CRETELLA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARRCA DE SÃO VICENTE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para afastar a exigência da comprovação do recolhimento do ITCMD, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1016128-54.2023.8.26.0590

APELANTE: Mirian Maria Pessoa Cretella

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Vicente

VOTO Nº 43.684

Direito civil – Apelação – Registro de imóveis – Permuta de imóveis – Recolhimento de ITBI – Inexigência de ITCMD, por inexistir negócio gratuito – Apelação provida.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa da escritura pública de permuta de ¾ da nua propriedade do imóvel, devido à falta de comprovação do recolhimento do ITCMD. A apelante argumenta que o ITBI foi devidamente recolhido e que não há variação patrimonial que justifique a cobrança do ITCMD.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a permuta de imóveis com valores venais distintos, mas sem torna, configura fato gerador do ITCMD.

III. Razões de Decidir

3. A permuta de imóveis com valores venais distintos, mas convencionados de igual valor, sem torna e outra contraprestação, não caracteriza doação, não havendo liberalidade que justifique a incidência do ITCMD.

4. A exigência de ITCMD extrapola a qualificação registral, pois não há previsão legal para tal incidência sem evidência de simulação ou fraude, que não pode ser presumida.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: 1. Na permuta de imóveis com valores fiscais diferentes, aos quais foi atribuído valor idêntico pelas partes, sem torna, não caracteriza ato de liberalidade, a afastar a incidência de ITCMD, desde que não haja evidência de simulação ou fraude.

Legislação Citada:

CF/1988, art. 155, I; art. 156, II. CC, art. 538.

Lei Estadual 10.705/2000, art. 2º, II.

Cuida-se de apelação interposta por MIRIAN MARIA PESSOA CRETELLA contra a r.sentença de fls. 224/227, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis de São Vicente, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa da escritura pública lavrada em 22 de dezembro de 2014, visando o registro da permuta de ¾ da nua propriedade do imóvel da matrícula 160.117 da Serventia, uma vez desatendida a exigência de comprovação do recolhimento do ITCMD.

O recurso visa a reforma da sentença, sustentando que o ato jurídico oneroso representado no título é passível de incidência do ITBI, devidamente recolhido ao cofre público municipal, e não ITCMD. A escritura pública de permuta envolve outros sete imóveis, em diferentes municípios e todas as demais Serventias registraram o título regularmente, sem qualquer objeção, especialmente quanto à questão do recolhimento do ITCMD. No título foi estabelecido o valor do negócio jurídico, certo e determinado, levando em conta diversos fatores, sobretudo subjetivos, coincidente com o valor de aquisição, de modo que não há que se falar em variação patrimonial e caracterização de doação. Ressaltou que os precedentes do Conselho Superior da Magistratura tratam de casos diferentes, nos quais as partes declararam na escritura pública de permuta valores diversos aos bens permutados e silenciaram sobre a torna. No presente caso, os valores atribuídos pelas partes permutantes foram rigorosamente iguais e respeitou o custo de aquisição de cada imóvel para fins de incidência do imposto de renda, de modo que não há variação patrimonial tributável. Deste modo, recolher adicionalmente o ITCMD configuraria flagrante bitributação (fls. 235/246).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 289/290).

É o relatório.

A apelação merece ser provida, afastando-se a exigência de recolhimento do ITCMD para registro do título.

De acordo com os autos, o apelante apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis de São Vicente a escritura pública de permuta de ¾ da nua propriedade do imóvel objeto da matrícula 160.117, lavrada em 22 de dezembro de 2014 perante o 1º Tabelião de Notas e Protesto de Letras e Títulos de Bauru, Livro 1355, fls. 289/296 (fls. 30/37).

O título recebeu a prenotação nº 523.235 e a seguinte nota devolutiva:

“Trata-se de escritura pública que visa ao registro da permuta de ¾ da nua propriedade do imóvel da matrícula 160.117, deste Registro de Imóveis.

No entanto, prevalece a exigência contida na Nota de Exigência anterior, que, inclusive já foi objeto de apreciação em sede de Procedimento de Dúvida Registral, que, por sua vez, foi julgada procedente a fim de negar o ingresso do título no fólio real. Abaixo, transcrevo a Nota supra citada:

Examinando a referida escritura, verificou-se que as partes da nua propriedade dos imóveis, apesar de terem sido avaliadas com valores iguais com intuito de equipará-los, possuem, na realidade, valores venais distintos.

Logo, como os referidos valores são diferentes e não houve torna do valor excedente recebido por JOAQUIM GERALDO CRETELLA FILHO, configurou-se aqui um acréscimo patrimonial não oneroso por parte desta.

Assim, deverá ser apresentada a(s) guia(s) e a(s) declaração(s) do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação ITCMD, devidamente recolhido perante a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, relativa à doação operada pela presente permuta, ou a declaração na qual conste a isenção do referido tributo neste caso.”

Idêntica dúvida já havia sido analisada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de São Vicente, conforme sentença de fls. 45/47. Da sentença foi interposto recurso de apelação a este E. Conselho Superior da Magistratura, mas a dúvida foi julgada prejudicada porque o recurso foi interposto em nome do Advogado e se concluiu pela ausência de interesse jurídico na ação administrativa (acórdão de fls. 49/51).

Logo, o mérito propriamente dito não foi analisado por este C. Conselho Superior da Magistratura.

Em síntese, entendeu o Oficial que incide o ITCMD no presente caso, de acordo com a interpretação do art. 538 do Código Civil e art. 2º, inciso II, da Lei Estadual 10.705/2000, e, neste caso, esclareceu que a parte deveria buscar o afastamento da incidência ou declaração de isenção do ITCMD nas vias ordinárias ou perante o Fisco Paulista.

A despeito da controvérsia que envolve o tema da permuta de imóveis com valores venais distintos e sem torna, os pormenores trazidos pela apelante apontam que não há razão para a exigência de recolhimento de ITCMD para o caso em exame, uma vez já recolhido o ITBI, devendo prevalecer o posicionamento do interessado que se insere no limite da razoabilidade interpretativa, a semelhança do entendimento de outros Oficiais de Registro, que promoveram o registro do mesmo título nas respectivas Serventias (1º RI de Bauru, 2º RI e 15º RI de São Paulo, conforme certidões imobiliárias de fls. 132/188) em relação aos demais imóveis que integraram o negócio jurídico da permuta.

Vejamos.

De acordo com a leitura da escritura pública de permuta (fls. 30/37), inegável que os valores venais dos imóveis integrantes do negócio jurídico são diferentes, mas as partes atribuíram valores e preços idênticos, de modo que não houve torna, ou seja, pagamento de resíduo de uma parte a outra em dinheiro.

A escritura pública de permuta descreve 7 imóveis: 1) Prédio residencial descrito na matrícula nº 21.643 do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Bauru, consistente no lote 07 da quadra J do Loteamento Samambaia Parque Residencial, com 396,35 m2 de área construída, com valor venal de R$ 1.326.415,50, ao qual foi atribuído o valor R$ 498.150,65; 2) prédio descrito na matrícula nº 4.377 do 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, consistente no lote 46 da quadra 64 do Loteamento Jardim Leonor, com valor venal de R$ 1.958.120,00, ao qual foi atribuído o valor de R$ 498.150,65; 3) Apartamento nº 21 no Edifício Icaraí em São Vicente, com 106 metros quadrados, descrito na transcrição 3.376 do Oficial de Registro de Imóveis de São Vicente, com valor venal de R$ 195.439,68; ao qual foi atribuído o valor de R$ 100.000,00; 4) Apartamento no 8º andar do Edifício Rio Araguaia em Perdizes, São Paulo, com 158,688 metros quadrados, descrito na matrícula 53.262 do 2º Registro Imobiliário da Capital, com valor venal de R$ 512.437,00, ao qual foi atribuído o valor de R$ 120.000,00; 5) Prédio Residencial com 164,98 metros quadrados de área construída e seu respectivo terreno identificado como lote 17, quadra M do Loteamento Samambaia Parque Residencial, com área de 840 metros quadrados, descrito na matrícula 27.134 do 1º RI de Bauru, com valor venal de R$ 678.680,50, ao qual foi atribuído o valor de R$ 139.075,32; 6) Prédio e respectivo terreno nesta Capital, descrito na matrícula 4.376 do 15º RI da Capital, com 870 metros quadrados a Rua Enrico de Martino, Jardim Leonor, com valor venal de R$ 1.938.709,00, ao qual foi atribuído o valor de R$ 300.000,00; 7) Apartamento no 7º Andar do Edifício Mondrian, com 94,68 metros quadrados, descrito na matrícula 64.831 do 10º RI da Capital, com valor venal de R$ 432.392,00, ao qual foi atribuído o valor de R$ 198.150,65.

Pelo negócio jurídico da permuta descrito no título, estabeleceu-se a seguinte configuração: 1) À Carlos Eduardo Cretella foi atribuída a totalidade da nua propriedade do imóvel da matrícula 21.643 do 1º RI de Bauru; 2) À Joaquim Geraldo Cretella Filho atribuída a totalidade da nua propriedade do imóvel da matrícula 4.377 do 15º RI da Capital; 3) À Mirian Maria Pessoa Cretella atribuída a totalidade da nua propriedade dos imóveis objeto da transcrição 3.376 do RI de São Vicente, das matrículas nºs 53.262 e 11.766, do 2º RI da Capital e da matrícula 27.134 do 1º RI de Bauru; 4) À Gloria Maria Crettela Lazzari a totalidade da nua propriedade dos imóveis da matrícula 4.376 do 15º RI da Capital e da matrícula 64.831 do 10º RI da Capital.

Para efeitos tributários, as partes igualaram os valores dos bens, atribuindo aos montantes permutados o valor de R$ 498.150,65, declarando expressamente que não houve torna ou reposição de nenhuma espécie. Repita-se: não houve torna ou qualquer contraprestação pecuniária entre os negociantes.

Sendo assim, a permuta de bens não deixa dúvida sobre o caráter oneroso do negócio a atrair a incidência do Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos” de bens imóveis ITBI, já recolhido pela parte interessada, segundo os valores apresentados pelos respectivos municípios.

Por outro lado, poder-se-ia sustentar a ocorrência de uma doação disfarçada, a justificar a exigência do ITCMD defendida pelo Oficial, em razão da discrepância entre o valor atribuído aos bens permutados e o seu valor venal, a descaracterizar a onerosidade do contrato e qualificando o negócio como doação, o que configuraria a hipótese de incidência do imposto sobre a Transmissão “causa Mortis” e Doações ITCMD, prevista no art. 2º, II da Lei Estadual 10.705, de 28 de dezembro de 2000.

Segundo a Constituição Federal, é da competência dos estados e do Distrito Federal exigir o ITCMD:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;”

A Constituição diz ainda ser da competência dos municípios a cobrança do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI):

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) II – transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;”

Quanto à definição legal da permuta e da doação de acordo com o que preceitua o artigo 538 do Código Civil, entende-se por doação “o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”

Portanto, para que se esteja diante de doação, é preciso que haja ato de mera liberalidade, não oneroso.

Na hipótese em exame, ao que tudo indica, o Oficial extrapolou o poder qualificador do título, transformando indevidamente uma permuta sem torna, convencionada de maneira legítima e regular, em doação, o que, à toda evidência, desborda dos limites da qualificação registraria, que deve se limitar estritamente à legalidade na questão tributária, sob pena de se admitir, por interpretação do Registrador, a criação de hipótese de incidência do ITCMD sem a respectiva previsão legal.

Muito embora vigore, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994), a questão não é trivial e há várias nuances possíveis no exame do negócio jurídico da permuta em questão.

O primeiro ponto diz respeito à impossibilidade de consideração do valor venal do IPTU como parâmetro exclusivo para controle da igualdade entre os bens permutados. Caso analisado dentro de um mesmo município, poderia se afirmar certa isonomia, na medida em que os valores estabelecidos coadunam com a mesma fórmula aritmética de elementos (potencial construtivo, zoneamento, etc). No entanto, em caso de municípios diferentes, inquestionável que sempre haverá uma discrepância porque os parâmetros utilizados por cada município são distintos.

O segundo ponto está no fato de que o contrato de permuta encerra uma relação jurídica simbiótica, isto é, a vontade de trocar um bem pelo outro, com objetivos subjetivos únicos e diferenciados, inerentes de cada negócio jurídico.

Segundo a doutrina:

“Cuida-se de um contrato bilateral oneroso, pelo qual as partes transferem, reciprocamente, quaisquer objetos diversos do dinheiro de sua propriedade para a outra. Assumem, pois, os permutantes ou tradentes, obrigações recíprocas, com sacrifícios e vantagens comuns, mesmo que, eventualmente, os bens tenham valores diversos (o que, aliás, acontecerá no mais das vezes).” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 14ª ed., São Paulo: Manole, 2020, p. 573)

No caso, como afirmado pela apelante, o valor de mercado dos imóveis pouco influenciou no encontro de vontade dos permutantes, vez que pesaram outros interesses práticos. Os interessados são irmãos, com laços de parentesco e que desejaram colocar fim ao estado de inconveniência do condomínio em todos os imóveis integrantes da permuta, em diferentes cidades do Estado (Bauru, São Paulo e São Vicente) e com diferentes características, sendo inegável reconhecer as preferências individuais, por diferentes razões, até mesmo de foro íntimo.

Adicionalmente, o negócio jurídico envolveu várias partes e 7 imóveis, o que exige a mensuração do proveito econômico com maior cuidado.

É nesse contexto que, sob o aspecto das relações privadas, o preço dos bens envolvidos em um contrato de permuta pode não ser integrativo do negócio jurídico.

Assim sendo, pode-se concluir que nas permutas em que não há torna, em que os valores atribuídos são idênticos, ainda que com valores fiscais diferentes, não incide o ITCMD, uma vez que não há, em princípio, qualquer negócio jurídico sendo celebrado que não a simples permuta, não ocorrendo qualquer tipo de liberalidade entre as partes e a exigência de ITCMD só está justificada se houver evidências concretas de simulação ou fraude do ato.

No caso, como a permuta foi convencionada tendo por objeto imóveis por valores iguais, sem qualquer reposição pecuniária, não se admitindo a presunção de situação de simulação ou fraude, não há como condicionar a inscrição do título ao recolhimento deste tributo.

Daí o provimento da apelação.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para afastar a exigência da comprovação do recolhimento do ITCMD.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

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CSM/SP: Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura pública – Certidão Negativa de Débito (CND) – Afastamento do óbice.

Apelação n° 1002325-23.2024.8.26.0152

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002325-23.2024.8.26.0152
Comarca: COTIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1002325-23.2024.8.26.0152

Registro: 2025.0000059092

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002325-23.2024.8.26.0152, da Comarca de Cotia, em que é apelante MARIO DE OLIVEIRA E SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE COTIA – SP.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve  a participação  dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002325-23.2024.8.26.0152

APELANTE: Mario de Oliveira e Silva

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Cotia – SP

VOTO Nº 43.670

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura pública – Certidão Negativa de Débito (CND) – Afastamento do óbice.

I. Caso em Exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve recusa ao registro de escritura pública de alienação de imóvel em virtude da não apresentação de Certidão Negativa de Débito (CND) em nome da vendedora.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em avaliar a pertinência da exigência de apresentação de CND para o registro de escritura pública de alienação de imóvel.

III. Razões de Decidir

3. Aplicação do subitem 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que dispensa a apresentação de CND para registro de títulos.

4. Jurisprudência consolidada do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça afasta a exigência de CND para atos registrais, considerando-a exercício abusivo de cobrança de tributos. No mesmo sentido, o posicionamento do STF.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: “A exigência de CND para registro de alienação de direitos sobre imóvel não subsiste”.

Legislação e Jurisprudência relevantes citadas:

– Lei nº 8.212/91, art. 47, “b”, inciso I; subitem 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

– CSM/SP, Apelação nº 1003559-67.2022.8.26.0198, rel. Des. Torres Garcia, j. 28/11/2023; Apelação Cível n. 1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018, DJe 17.7.2018; Apelação Cível nº 0014803-69.2014.8.26.0269, rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j RE 666405/RS, Rel. Min. Celso de Mello.

Trata-se de apelação interposta por Mário de Oliveira e Silva contra a r. sentença de fl. 48, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Cotia, que manteve recusa ao registro de escritura pública lavrada pelo 2º Tabelião de Notas de São Paulo no Livro n. 3660, fls. 123/126, por meio do qual a proprietária, Crismoe Serviços de Apoio Administrativo Ltda alienou o imóvel objeto da matrícula de n. 17.335 ao recorrente (prenotação n. 378.649 – fl. 08).

O óbice está na necessidade de apresentação de Certidão Negativa de Débito a ser emitida pela Receita Federal em nome da outorgante vendedora, na forma prevista pelo artigo 47, “b”, inciso I, da Lei n. 8.212/91 (fls. 01/07; nota devolutiva de fl. 26).

A parte recorrente sustenta que a exigência de apresentação de CND para que o título possa ter acesso ao folio real é inconstitucional e contraria jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, pelo que deve ser afastada (fls. 53/56).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 75/77).

É o relatório.

De acordo com a nota devolutiva de fl. 26, a escritura pública de venda e compra foi desqualificada em virtude da não apresentação de certidão negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União (CND), a ser emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em nome da empresa vendedora.

O afastamento da exigência se impõe, pois aplicável o subitem

117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que preceitua:

“117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.

A jurisprudência consolidada deste Conselho também é no sentido de que a exigência de certidões negativas de tributos federais e contribuições previdenciárias para a prática de ato registral caracteriza exercício abusivo de cobrar tributos:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – INSTRUMENTO PARTICULAR DE CESSÃO DE DIREITOS – CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO –  CND  – EXIGÊNCIA AFASTADA, SEGUNDO  ATUAL ORIENTAÇÃO DESTE CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA SUBITEM 117.1, CAPÍTULO XX, TOMO II, DAS NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA – APELO PROVIDO” (CSM/SP – Apelação nº 1003559-67.2022.8.26.0198, Rel. Des. Torres Garcia, j. Em 28/11/2023).

“Registro de Imóveis Carta de Adjudicação Desqualificação do título judicial, exigindo-se certidão negativa de débitos (CND) expedida conjuntamente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional Impossibilidade Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado Dúvida improcedente Apelação provida” (Apelação Cível n. 1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018, DJe 17.7.2018).”

No mesmo sentido, Apelação Cível nº 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. em 17.1.2013; Apelação Cível nº 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. em 17.1.2013; Apelação Cível nº 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. em 18.4.2013; Apelação Cível nº 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. em 26.9.2013; Apelação Cível nº 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. em 26.8.2014; Apelação Cível nº 0014803-69.2014.8.26.0269, rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 30.6.2016.

No último precedente mencionado (Apelação nº 0014803-69.2014.8.26.0269, relatada pelo Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças), esclareceu-se que:

“Não se justifica, igualmente, a exibição de CND (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários), seja porque originária a aquisição da propriedade, seja diante da contemporânea compreensão do C. CSM, iluminada por diretriz estabelecida pela Corte Suprema, a dispensá-la, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política.

Em atenção a esse último fundamento, a confirmação da exigência importaria, na situação em apreço, uma restrição indevida ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua, instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos.

Caracterizaria, em síntese, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, a qual se alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado.

Conforme Humberto Ávila, “a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que – e isto é essencial – não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário”.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já se manifestou nos mesmos termos: “o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso” (STF, RE 666405/RS, Rel. Min. Celso de Mello).

A falta de reconhecimento judicial da inconstitucionalidade da norma que exige a CND ou o veto ao afastamento de tal exigência por ocasião da sanção da Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, não levam a conclusão diversa.

Isso porque as diversas decisões judiciais e administrativas mencionadas, que resultaram no afastamento da exigência das certidões e na inserção do item 117.1 no Capítulo XX das NSCGJ, foram proferidas enquanto vigentes os artigos 47 e 48 da Lei nº 8.212/91.

Não houve, assim, alteração no panorama legislativo da matéria.

Em outras palavras: o artigo 47 da Lei nº 8.212/91 permanece em vigor, assim como já ocorria quando a tese que dispensou a apresentação de CND passou a prevalecer.

O óbice, portanto, não pode subsistir.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

São Paulo, data registrada no sistema.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

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CSM/SP: Direito registral – Dúvida – Apelação – Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Quinhões supostamente desiguais – Base de cálculo do ITCMD – Afastamento do óbice.

Apelação n° 1010180-39.2024.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1010180-39.2024.8.26.0577
Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1010180-39.2024.8.26.0577

Registro: 2025.0000059097

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010180-39.2024.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante VALDIR CHICHINELLI JUNIOR, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010180-39.2024.8.26.0577

APELANTE: Valdir Chichinelli Junior

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 43.669

Direito registral – Dúvida – Apelação – Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Quinhões supostamente desiguais – Base de cálculo do ITCMD – Afastamento do óbice.

I. Caso em Exame

Apelação interposta contra sentença que manteve recusa ao registro de escritura pública de inventário e partilha de imóvel sob o fundamento de excesso de herança, a caracterizar doação, pelo que se exigiu declaração e recolhimento complementar de tributo.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a exigência de recolhimento complementar de tributo pelo Oficial de Registro é válida, considerando a partilha de bens aos quais se atribuíram valores superiores aos venais.

III. Razões de Decidir

3. A fiscalização do recolhimento de tributos pelo Oficial de Registro limita-se à verificação da existência do recolhimento, não abrangendo a exatidão do valor, salvo em casos de flagrante irregularidade.

4. A base de cálculo do ITCMD deve considerar o valor de mercado, desde que não inferior ao valor venal, conforme legislação vigente. Nada impede as partes de atribuírem valores distintos dos valores venais para fins de partilha, em homenagem ao princípio da autonomia privada. A desigualdade de quinhões deve ser examinada à luz dos valores atribuídos pelas partes no negócio de partilha e não nos valores fiscais para fins de lançamento de tributos.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido para se determinar o registro do título.

Tese de julgamento: “1. A fiscalização do Oficial de Registro limita-se à verificação da existência do recolhimento do tributo. 2. A base de cálculo do ITCMD deve considerar o valor de mercado, desde que não inferior ao valor venal, conforme legislação vigente”.

Legislação e Jurisprudência citadas:

Lei n. 6.015/73, art. 289; CTN, art. 134, VI; Lei n. 8.935/1994, art. 30, XI; Lei n. 10.705/00, arts. 9º, 11, 13; Portaria CAT n. 89/2020, art. 12, III. CSMSP, Apelação Cível 20522-0/9, Rel. Antônio Carlos Alves Braga, j. 19.04.1995; CSMSP, Apelação Cível 996-6/6, Rel. Ruy Camilo, j. 09.12.2008; CSMSP, Apelação Cível 0009480-97.2013.8.26.0114, Rel. Elliot Akel, j. 02.09.2014.

Trata-se de apelação interposta por Valdir Chichineli Junior contra a r. sentença de fls. 111/113, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de São José dos Campos, que manteve recusa ao registro de escritura pública de inventário e partilha tendo por objeto o imóvel matriculado sob o número 231.811 perante aquela serventia (prenotação n. 759.551 – fl. 09).

Tendo em vista que, quando considerados os valores venais dos bens relacionados, há excesso de herança em favor de um dos herdeiros, o que caracteriza doação, o Oficial exigiu declaração e recolhimento complementar de tributo (fls. 01/08; nota devolutiva de fls. 47/50).

A parte recorrente sustenta que não houve partilha desigual, tanto que o título teve ingresso perante o Registro de Imóveis de Piracicaba; que a partilha considerou o valor de mercado dos bens, o qual é superior ao valor venal, com recolhimento do imposto de transmissão após cálculo na forma determinada pela lei; que a partilha, a declaração e o recolhimento do imposto de transmissão seguem os parâmetros fixados pelo fisco, de modo que não se pode falar em ganho de capital, recolhimento a menor do imposto de transmissão, reflexos tributários no âmbito da Receita Federal decorrentes da Lei n. 8.981/95 ou crime de sonegação fiscal; que a exigência parte de transação que inexiste, impõe gasto excessivo e desnecessário ao registro e extrapola o âmbito de competência do Registrador (fls. 120/137).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 150/153).

É o relatório.

No mérito, a apelação comporta provimento. Vejamos os motivos.

Sabe-se que vigora, para os Registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art. 134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994).

Por outro lado, o C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo):

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

Não há determinação, na lei competente, para recolhimento do imposto de transmissão com base no valor venal. Na verdade, a expressão valor venal – de venda – equivale, na prática, ao valor fiscal lançado pela prefeitura para fins de incidência de IPTU.

De fato, a Lei n. 10.705/00, acompanhando o artigo 38 do Código Tributário Nacional, dispõe que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem indicado pelo valor de mercado, desde que não inferior àquele fixado para lançamento do IPTU:

“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação. (…)

Artigo 11 – Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar- se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugná-lo. (…)

Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:

I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”.

O artigo 12, inciso III, da Portaria CAT n. 89, de 26 de outubro de 2020, por sua vez, determina que, quando do registro de alterações na propriedade de imóvel, ocorridas em virtude de transmissão causa mortis realizada por meio de inventário extrajudicial, os Cartórios de Registro de Imóveis deverão exigir cópia da Declaração de ITCMD em que constem os imóveis objetos da transmissão, avaliados conforme o capítulo IV da Lei n. 10.705/2000.

É neste contexto normativo que se aplica o dever de fiscalização imposto aos Registradores, pois a correta declaração é providência essencial para que a Fazenda tenha conhecimento da transmissão e dos valores envolvidos para apurar corretamente a incidência do imposto e exercitar sua pretensão tributária.

No caso concreto, não há controvérsia de que os valores dos bens partilhados foram atribuídos em patamar superior ao valor venal e, também, aos valores lançados pelo falecido em seu imposto de renda, com a devida comunicação ao fisco e recolhimento do imposto de transmissão.

De fato, nos moldes da nota devolutiva de fls. 47/50, a escritura pública de inventário e partilha foi desqualificada em virtude da configuração de quinhões desiguais, mas isto apenas quando se consideram os valores venais dos bens relacionados.

Quando tal consideração é feita com base nos valores atribuídos no título, superiores aos venais, a partilha é equânime e não se constata irregularidade na declaração ou no recolhimento do imposto de transmissão (fls. 01/08 e 47/50).

Vê-se, portanto, que não há qualquer óbice à regularização da propriedade do imóvel pelo ingresso da escritura.

É preciso entender o seguinte: os valores venais lançados pela prefeitura para fins de recolhimento mínimo de IPTU nem sempre coincidem com os valores reais de mercado.

Nada impede que as partes, no negócio jurídico de partilha e em pleno exercício da autonomia privada, atribuam valores distintos aos bens.

Caso a Fazenda Pública observe, em momento oportuno, a irregularidade do lançamento, poderá, por meios próprios, buscar pagamento, sem que isto signifique obstáculo à regularização no registro da propriedade transmitida pela sucessão.

Isso não significa, porém, possa o registrador devolver o título partindo do falso pressuposto de o fato de os valores atribuídos aos bens na partilha não coincidirem com os valores fiscais (venais) implique fraude ou a incidência de nova tributação sobre torna ou doação

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

São Paulo, data registrada no sistema.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

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