CSM/SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de divórcio e partilha – Excesso de meação afastado in concreto – Patrimônio considerado em sua totalidade – Precedentes desta E. Corte na jurisdição contenciosa – Cessão patrimonial onerosa não configurada – Vedação de tributação com efeito de confisco – Princípio da legalidade temperada – Afastamento da incidência da legislação municipal – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.

Apelação n° 1134789-70.2024.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1134789-70.2024.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1134789-70.2024.8.26.0100

Registro: 2025.0000123682

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1134789-70.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CONSUELO ITALA PONTIROLLI LUZZATI SANDRI, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e julgaram improcedente a dúvida, com determinação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 4 de fevereiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1134789-70.2024.8.26.0100

APELANTE: Consuelo Itala Pontirolli Luzzati Sandri APELADO: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

VOTO Nº 43.661

Registro de Imóveis – Escritura pública de divórcio e partilha – Excesso de meação afastado in concreto – Patrimônio considerado em sua totalidade – Precedentes desta E. Corte na jurisdição contenciosa – Cessão patrimonial onerosa não configurada – Vedação de tributação com efeito de confisco – Princípio da legalidade temperada – Afastamento da incidência da legislação municipal – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.

Trata-se de apelação interposta por Consuelo Itala Pontirolli Luzzati Sandri, contra a r. sentença de fls. 102/106, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 4º Registro de Imóveis da Capital, que, mantendo a exigência apresentada pelo Oficial, negou o registro na matrícula nº 182.605 daquela Serventia de escritura pública de divórcio com partilha de bens.

A apelante sustenta, em síntese, que a partilha convencionada entre os ex-cônjuges foi igualitária quando considerada a totalidade do patrimônio conjugal. Alega que o imóvel em questão não constitui parcela excedente da meação, estando apenas compreendido na metade que lhe coube, não havendo, portanto, incidência de ITBI. Ao final, requer seja afastada a exigibilidade de recolhimento do ITBI para o registro do título (fls. 122/130).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 162/165).

É o relatório.

O dissenso versa sobre a registrabilidade de escritura pública de divórcio com partilha de bens na matrícula nº 182.605 do 4º RI desta Capital, condicionada, pelo Oficial, à comprovação do recolhimento do ITBI, diante do excesso de meação por ele apontado, referente ao patrimônio imobiliário, caracterizado em favor da apelante (fls. 1/4 e 122/130).

O registrador, ao suscitar a dúvida, invocou o inciso VI do art. 2º da Lei Municipal nº 11.154/1991, de acordo com o qual estão compreendidos na incidência do imposto “o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados …, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum …” (fls. 2).

O ITBI, tributo de competência municipal, previsto no art. 156, II, da CF, possui como hipóteses de incidência a transmissão onerosa inter vivos de imóveis ou de direitos reais sobre imóveis e a cessão onerosa de direitos a sua aquisição. Agora, se efetivada a título gratuito, a transferência pode dar ensejo à incidência do ITCMD, imposto referido no art. 155, I, da CF, cuja instituição cabe aos Estados e ao Distrito Federal.

A jurisprudência administrativa deste E. Tribunal, expressa em precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura, constatado o excesso de meação, apurado em conformidade com a legislação municipal (por conseguinte, à luz da partilha desigual do patrimônio imobiliário), admite a exigência correspondente à comprovação do recolhimento do ITBI, se ocorrente compensação patrimonial, traço da onerosidade da operação econômica, e a pertinente demonstração do recolhimento do ITCMD, se ausente reposição, logo, se desnudada a atribuição patrimonial sem prestação correspectiva[1].

Dizendo em termos mais simples, se o excesso de meação ocorreu mediante pagamento de torna, o negócio é oneroso e incide o ITBI. Ao contrário, se o excesso de meação ocorreu sem qualquer contraprestação, vale dizer, a título gratuito, incide o ITCMD.

Sobre o tema, o E. Supremo Tribunal Federal, há mais de seis décadas, ainda antes da Lei do Divórcio, aprovada em 1977, editou a Súmula 116, admitindo o imposto de reposição, in verbis: “em desquite ou inventário, é legítima a cobrança do imposto de reposição, quando houver desigualdade nos valores partilhados.

In casu, enquanto casados sob o regime da comunhão parcial de bens (fls. 21), a recorrente e Victor Garcia Sandri adquiriram o imóvel descrito na matrícula nº 182.605 do 4º RI desta Capital (fls. 77/81), que passou a compor o patrimônio coletivo do casal, patrimônio de mão comum. A esse respeito, assinala Orlando Gomes:

Em relação ao patrimônio comum, a posição jurídica dos cônjuges é peculiar. Não são proprietários das coisas individualizadas que o integram, mas do conjunto desses bens. Não se trata de condomínio propriamente dito, porquanto nenhum dos cônjuges pode dispor de sua parte nem exigir a divisão dos bens comuns. Tais bens são objeto de propriedade coletiva, a propriedade de mão comum dos alemães, cujos titulares são ambos os cônjuges[2]“.

Por ocasião da partilha do patrimônio amealhado durante o matrimônio (quando da especificação da porção do patrimônio comum composta pela meação de cada um dos cônjuges), os bens imóveis do casal foram avaliados em R$ 13.448.739,92, cabendo à ora recorrente, com exclusividade, o imóvel matriculado sob nº 182.605, avaliado em R$ 13.158.938,00 (fls. 19). Mesmo assim, de acordo com a escritura pública (fls. 20/39), considerando os vários outros bens partilhados, a divisão de patrimônio foi igualitária (fls. 36/37).

No entanto, na aferição do patrimônio coletivo, da massa de bens pertencente coletivamente ao casal, dessa universalidade de direito, marcada pela unidade, “complexo de relações jurídicas … dotadas de valor econômico” (cf. art. 91 do CC), conjunto de direitos e obrigações, de situações jurídicas subjetivas patrimoniais ativas e passivas suscetíveis de avaliação pecuniária[3], e, consequentemente, no momento da partilha, na apreciação do excesso de meação, é de rigor considerar a totalidade dos bens, todos os elementos integrantes desse patrimônio, e, assim, além dos bens imóveis, também, os móveis e o passivo, as obrigações e as dívidas pendentes de liquidação.

Nessa senda, em controvérsias envolvendo excesso de meação e cobrança de ITBI (conforme o caso, ITCMD), posicionou-se este Tribunal, em precedentes de suas C. Câmaras de Direito Público, que também devem ser levadas em conta as obrigações do casal (Remessa Necessária Cível nº 1012763-39.2020.8.26.0576, rel. Des. Mônica Serrano, j. 10.2.2021, na Apelação/Remessa Necessária nº 1038844-42.2020.8.26.0053, rel. Des. Raul De Felice, j. 29.11.2021, na Apelação Cível nº 1071093-12.2021.8.26.0053, rel. Des. Silva Russo, j. 12.1.2023, na Remessa Necessária nº 1058944-81.2021.8.26.0053, rel. Des. Marcelo Theodósio, j. 8.2.2023, na Apelação/Remessa Necessária nº 1026398-02.2023.8.26.0053, rel. Des. Silva Russo, j. 18.9.2023, na Apelação/Remessa Necessária nº 1001526-73.2022.8.26.0176, rel. Des. Ricardo Chimenti, j. 1º.11.2023, na Apelação/Remessa Necessária nº 1074978-63.2023.8.26.0053, rel. Des. Tania Mara Ahualli, j. 16.4.2024, na Apelação Cível nº 1070881-20.2023.8.26.0053, rel. Des. João Alberto Pezarini, j. 3.7.2024, e na Apelação nº 1010120-86.2024.8.26.0053, rel. Des. Ricardo Chimenti, j. 26.7.2024.

Esse, aliás, já foi o entendimento deste C. Conselho Superior da Magistratura, na Apelação nº 1060800-12.2016.8.26.0100, rel. Des. Pereira Calças, j. 6.6.2017, precedente no qual, em atenção à partilha definida em inventário, abrangendo imóveis, valores em dinheiro e quotas sociais, cabendo então aqueles exclusivamente a um dos herdeiros, restou afastada a compreensão fragmentada de patrimônio e, daí, a incidência do art. 2.º, VI, da Lei n.º 11.154/1991, foi excluída, de forma a dispensar a comprovação de recolhimento de ITBI, pois não reconhecida a transmissão onerosa inter vivos de bens imóveis.

Sob essa perspectiva, a exigência impugnada deve ser afastada. O excesso de meação reconhecido pelo Oficial, baseado na legislação municipal, escora-se em uma intelecção fraturada, em visão seccionada da noção de patrimônio. Ao concretizar, via lei ordinária, a hipótese de incidência constitucionalmente eleita, em particular, ao cuidar da tributação do excesso de meação, atendo-se somente à partilha dos imóveis, o ente tributante não observou, em sua exatidão, o princípio da capacidade econômica[4], abrindo espaço para sua vulneração em situações concretas, aqui sucedida.

Nota-se que o excesso de meação apontado pelo registrador decorre da compreensão equivocada de patrimônio constante na Lei Municipal. Se, por outro lado, o patrimônio for entendido como uma universalidade de direito envolvendo todas as relações de natureza econômica do casal, a leitura da escritura mostra que a partilha foi igualitária (fls. 36/37).

Dentro desse contexto, a exemplo do que foi decidido por este C. Conselho Superior da Magistratura no julgamento da apelação nº 1053923-75.2024.8.26.0100, j. em 19.9.2024, de minha relatoria, justifica-se afastar a aplicação da legislação municipal, nada obstante pontualmente, reconhecendo a impertinência da exigência impugnada, solução amparada no princípio constitucional da capacidade econômica e na proibição do confisco e, de mais a mais, em uma interpretação sistemática da ordem jurídica, voltada a resguardar sua unidade, integridade, coerência e racionalidade, e a realizar os valores e fins constitucionais. A legalidade, pondera Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, comporta mitigação em sua rudeza; ao se aplicar a lei, aduz, “não se pode deixar de considerar as circunstâncias da questão em foco. Muitas vezes, por estatuir de forma genérica, a lei prescinde de aspectos especiais, que se verificam por ocasião da sua atualização na hipótese, e na qual a aplicação da norma no seu exato rigor a tornaria injusta, e, então, ponderando-se sobre essa situação excepcional, cumpre amenizá- la[5]“.

Aliás, a legalidade, assinala Juarez Freitas, “evoluiu do legalismo primitivo e hipertrofiado para a posição – por assim dizer – balanceada e substancialista (superado, ao menos em teoria, o automatismo imoderado no cumprimento das regras)[6]“. Sob essa lógica, prossegue, “não prosperam as orientações preconizadoras … de obediência irracional do agente público à lei ou – o que seria pior – à voluntas legislatoris. É que não se confundem … o texto da lei com a juridicidade normativa[7]“. Trata-se da legalidade temperada.

Adiante, em raciocínio a prestigiar os fundamentos deste voto, acentua: “deve haver respeito à legalidade, sim, mas encartada no plexo de ponderações que a qualifiquem como sistematicamente justificável (interna e externamente). … A legalidade temperada requer a observância cumulativa de princípios em sintonia com a teleologia constitucional, para além do textualismo estrito[8]“. Assim, conclui: “o princípio da constitucionalidade representa o coroamento do processo evolutivo da legalidade, fazendo com que o controle sistemático acolha o imperativo de evoluir da legalidade para a constitucionalidade, num processo circular, que transcenda reducionismos simplistas[9]“.

Sob esse ângulo, substancialista, enfoque orientador da motivação articulada, o princípio da legalidade não está a obstar, mas sim a determinar a inscrição da escritura pública. A propósito, não se realiza na aplicação mecânica, automática e irrefletida da letra fria da lei, expressa em regra isoladamente considerada. Ao contrário, a conformidade por ele exigida, acentuam, com propriedade, Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, é com o Direito, a ordem jurídica encarada em sua totalidade, não com um pedaço seu, uma tira sua, com uma norma extraída de texto específico[10].

Calha pontuar, de toda forma, que não se declara, aqui, seara inadequada, a inconstitucionalidade de dispositivos legais, em especial, dos que amparam a exigência ora afastada. Aliás, os precedentes administrativos deste C. Conselho Superior da Magistratura desautorizam declaração em tal sentido[11]. In casu, portanto, apenas se está a admitir a inscrição da escritura, dispensando a comprovação do recolhimento do ITBI. A partir de uma interpretação conforme, afasta-se a incidência de norma válida, pois não incidente sobre determinada situação de fato.

Incorpora-se, nesse sentido, orientação jurisdicional prevalecente desta E. Corte, expressa nos precedentes acima listados, de maneira a roborar a segurança jurídica e a função instrumental dos serviços de registro.

Em conformidade com a solução dada na Apelação Cível n.º 0000424-82.2011.8.26.0543, rel. Des. Renato Nalini, j. 7.2.2013, ao invés de sujeitar a recorrente a um processo contencioso, comprometendo a regularização de seu direito real, a publicidade de seu direito, a estabilidade das relações jurídicas e a confiabilidade do sistema registral, transfere-se o ônus ao Município, a quem caberá, então na via judicial, afirmar a constitucionalidade da legislação municipal, demonstrando que houve efetiva partilha desigual.

Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação e, assim, afastando a exigência impugnada, julgo improcedente a dúvida, determinando o registro da escritura pública de fls. 20/39. Sem prejuízo, dê-se ciência ao Município de São Paulo.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Cf., v.g., Apelação Cível n.º 1112232-31.2020.8.26.0100, rel. Des. Ricardo Anafe, j. 16.6.2021, Apelação Cível n.º 1052995-32.2021.8.26.0100, rel. Des. Ricardo Anafe, j. 3.11.2021, Apelação Cível n.º 1128936-51.2022.8.26.0100, rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia, j. 24.4.2023, Apelação Cível n.º 0000183-50.2020.8.26.0137, rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia, j. 18.5.2023, Apelação Cível n.º 1001724-73.2021.8.26.0038, rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia, j. 17.11.2023, Apelação Cível n.º 1130468-26.2023.8.26.0100, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 16.2.2024, e Apelação Cível n.º 1176233-20.2023.8.26.0100, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 25.4.2024.

[2] Direito de Família. Atualizada por Humberto Theodoro Júnior. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 196

[3] Francisco Amaral, ao cuidar das coisas coletivas, dividindo-as em universalidades de fato e universalidades de direito, enquadrando nestas os bens conjugais, destaca seu caráter unitário, a união ideal que as particulariza, “formando uma entidade complexa que transcende as coisas componentes, com uma única denominação e um só regime jurídico, embora mantendo a individualidade prática e jurídica dos seus elementos” (Direito Civil: introdução. 6.ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 327-328)

[4] Conforme justa advertência de Misabel Abreu Machado Derzi, “… a capacidade econômica objetiva não se esgota na escolha da hipótese de incidência, já constitucionalmente posta, na quase totalidade dos impostos. É necessária a realização de uma concreção paulatina, que somente se aperfeiçoa com o advento da lei ordinária da pessoa jurídica competente. … E será, no quadro comparativo entre a Constituição e as leis inferiores (complementares e ordinárias), que a questão da capacidade econômica objetiva ganhará importância” (Limitações constitucionais ao poder de tributar. In: Tratado de Direito Constitucional. Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento (coords.). 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 264. v.2)

[5] Princípios gerais de Direito Administrativo: introdução. 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 423.

[6] O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 5.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 59.

[7] Ibid.

[8] Ibid., p. 61.

[9] Ibid., p. 63.

[10] Processo administrativo. 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 115-116.

[11] Apelação Cível n.º 43.694-0/0, julgada em 06.02.1998, relator Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição; Apelação Cível n.º 85-6/9, julgada em 23.10.2003, relator Desembargador Luiz Tâmbara. (DJe de 13.02.2025 – SP)

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP: Direitos reais – Renúncia à propriedade imobiliária – Inscrição recusada – Dúvida procedente – Recurso provido

Apelação n° 1014156-82.2024.8.26.0309

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1014156-82.2024.8.26.0309
Comarca: JUNDIAÍ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1014156-82.2024.8.26.0309

Registro: 2025.0000123684

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1014156-82.2024.8.26.0309, da Comarca de Jundiaí, em que são apelantes JOSÉ AURELIO PIOVESANA e DAIRCE FURLANETO PIOVESANA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JUNDIAÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 4 de fevereiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1014156-82.2024.8.26.0309

APELANTES: José Aurelio Piovesana e Dairce Furlaneto Piovesana APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jundiaí

VOTO Nº 43.679 

Direitos reais – Renúncia à propriedade imobiliária – Inscrição recusada – Dúvida procedente – Recurso provido.

I. Caso em exame. 1. O Oficial negou o registro porque incompetente, diante da localização do imóvel, situado na circunscrição imobiliária do RI de Várzea Paulista/SP. Reportou-se, ainda, ao bloqueio da matrícula e à existência de débitos tributários vinculados ao imóvel, fatores também impeditivos da inscrição do ato renunciativo. 2. Os suscitados afirmaram a inaplicabilidade do princípio da territorialidade e a impertinência dos demais óbices levantados, porque potestativo o direito à renúncia. Irresignados com a sentença que julgou procedente a dúvida, apelaram.

II. Questões em discussão. 3. Competência do 2.º RI de Jundiaí. 4. Natureza do ato de registro requerido.

5. Registrabilidade do título, à luz do bloqueio judicial e dos débitos tributários.

III. Razões de decidir. 6. A renúncia à propriedade imobiliária, negócio jurídico unilateral dispositivo, abdicativo, não-receptício, depende do registro (em sentido estrito) do ato renunciativo, inscrição com eficácia constitutiva. 7. O registro deve ser efetuado no lugar em que situado o imóvel, no RI de sua circunscrição territorial, cuja competência é exclusiva. Essa é a regra, não excepcionada no caso em apreço. 8. A incompetência do suscitante e o bloqueio judicial da matrícula, então obstativo de novos assentamentos, impedem o registro pretendido. 9. A cessão de direitos sobre o imóvel, privando os proprietários/renunciantes de legitimidade, do poder de disposição jurídica, também representa obstáculo à inscrição.

IV. Dispositivo. 11. Recurso desprovido.

Legislação citada: Lei n.º 6.015/1973, arts. 167, I e II, 2), 169 e 214, § 4.º; CC, arts. 1.275 e 1.316; NSCGJ, t. II, item 10, caput e II, do Cap. XX.

O Oficial, ao suscitar a dúvida, escorou-se no princípio da territorialidade, em sua incompetência, para negar registro à escritura pública de renúncia de propriedade submetida ao seu exame. Sustentou que o bem imóvel descrito na matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí, do qual o casal/renunciante José Aurélio Piovesana e Dairce Furlaneto Piovesana é proprietário de uma parte ideal, está localizado no bairro do Mursa, Município de Várzea Paulista, que conta com Registro de Imóveis desde dezembro de 2009.

Em acréscimo, ponderou que o imóvel está bloqueado por ordem judicial e apresenta débito tributário municipal imputável aos renunciantes. Reviu, contudo, a exigência de concordância dos demais condôminos e, por fim, levantou a falta de certidão negativa expedida pelo RI de Várzea Paulista dando conta da inexistência de abertura de matrícula naquela circunscrição e de procuração dos renunciantes ao apresentante do título (fls. 1-13).

Os suscitados/renunciantes, em sua impugnação, então expressando sua irresignação em relação à desqualificação registral, em manifestação acompanhada de procuração outorgada ao apresentante do título, advogado por eles constituído, e de certidão negativa expedida pelo RI de Várzea Paulista, argumentaram: ainda não há matrícula do bem imóvel no RI de Várzea Paulista; a renúncia não integra a lista de atos do art. 167 da Lei n.º 6.015/1973, logo, inaplicável o princípio da territorialidade previsto no art. 169, caput, da Lei de Registros Públicos; é do suscitante a competência para registrar o título relativo à renúncia; a dívida tributária e o bloqueio não são óbices à inscrição requerida, seja porque envolve direito potestativo, ato renunciativo, incondicionado, seja porque a autorização judicial referida na dúvida não é privativa do Juízo que determinou o bloqueio; enfim, o título comporta registro (fls. 92-98).

Inconformados com julgamento procedente da dúvida registral, alicerçado na incompetência arguida pelo Oficial (fls. 108-109), os suscitados, reproduzindo os termos da impugnação, acrescidos de esclarecimentos referentes às razões da renúncia, pretendem a reforma da sentença e, portanto, o registro da escritura pública de renúncia de propriedade (fls. 119-125).

A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 180-181, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. Os suscitados, ora recorrentes, exibiram, por ocasião da impugnação, a procuração outorgada ao apresentante do título, Dr. Glauco Gumerato Ramos, advogado por eles constituído (fls. 99). Além disso, demonstraram, quando da prenotação, a inexistência de matrícula aberta no RI de Várzea Paulista relativa ao imóvel objeto da matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí: suficiente, aqui, a certidão de fls. 73, depois roborada pela de fls. 100-101, expedidas pelo RI de Várzea Paulista.

In casu, proprietários de parte ideal correspondente a 14.742,00 m² do bem imóvel descrito na matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí, designado por Gleba E, localizado no antigo Sítio do Gut, Bairro do Mursa, no Município de Várzea Paulista, cuja área é de 328.176,20 m² (fls. 14-62, r. 14), não se conformam com o juízo de desqualificação registral que recaiu sobre a escritura pública de renúncia de propriedade, título objeto de fls. 69-72.

2. A renúncia é negócio jurídico unilateral dispositivo, é negócio jurídico abdicativo, sem contraprestação, inconciliável então com qualquer correspectivo. O que a caracteriza, assinala Pontes de Miranda, “é a deixação do que é valor para alguém (direito, pretensão, ação, exceção), por manifestação de vontade, que é bastante, em si, para isso ….”[1]

Com a renúncia, despoja-se o titular de seu direito, sem transferir a titularidade a outrem. Nas palavras de José Paulo Cavalcanti, “quaisquer outros efeitos são estranhos ao negócio renunciativo.”[2] As renúncias chamadas translativas, as realizadas em benefício de pessoas determinadas (in favorem), não são verdadeiramente renúncias, mas sim alienações.[3]

Nessa linha segue Antonio Junqueira de Azevedo, ao pontuar que “as renúncias têm por efeito a disposição ou abdicação de um direito ou de outra posição jurídica ativa. … Diz-se que a função econômico-social da renúncia é a pura e simples abdicação, e não a transmissão a outrem daquilo a que se renuncia. …”[4]

Potenciais vantagens, eventuais benefícios associados à (consequências da) renúncia são, aí, sempre indiretos, mediatos; dela não decorrem, mas da lei. O renunciante nada transmite. A renúncia não é atributiva, não é causa de deslocamento patrimonial. Se translativa fosse, “confundir-se-ia com a alienação, a transferência”; a renúncia “só indiretamente aproveita a outrem. Quem renuncia só perde …”[5]

Seus motivos psicológicos, assim como, de modo geral, os motivos do negócio jurídico, são irrelevantes. Pouco importa, nessa senda, as razões, expostas na peça recursal, que levaram à renúncia da propriedade.

3. A renúncia da propriedade, importando sua perda, perda relativa (uma vez que não implica a supressão do direito do mundo jurídico, o que se daria, v.g. com o perecimento da coisa, causa, aí sim, de extinção do direito, de perda absoluta), exige, em se tratando de bem imóvel, o registro do ato renunciativo na serventia predial (cf. art. 1.275, II e par. único, do CC), tornando a coisa, assim, sem dono (res nullius).

É não-receptícia (como, de maneira geral, a renúncia de direitos reais); “independe de aceitação de quem quer que seja. …

Mas para produzir efeitos, mister se faz, em nosso direito, que o ato renunciativo seja transcrito no Registro de Imóveis. …”[6] E recaindo sobre imóvel de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, deve ser instrumentalizada em obediência ao requisito formal do art. 108 do CC, por meio de escritura pública.

A renúncia produz efeito de perda da propriedade no momento no qual o título ingressa na serventia predial. A publicidade registral é constitutiva. “No caso de imóvel, os efeitos da abdicação do exercício das faculdades inerentes ao domínio se subordinam à transcrição do ato renunciativo no respectivo Cartório de Registro de Imóveis”[7], ao registro do título correspondente no fólio real.

A perda se opera por meio da inscrição do título no registro predial, indispensável à configuração da renúncia à propriedade imobiliária. Sem o registro, imprescindível, não há, não ao menos pela renúncia, perda da propriedade imobiliária. A abdicação é, aí, solene, a distingui-la da que caracteriza o abandono, também causa de perda da propriedade (cf. art. 1275, III, do CC). A inscrição, portanto, vale frisar, tem eficácia constitutiva.

4. Trata-se de registro em sentido estrito. Ao referir-se ao registro do ato renunciativo, o Código Civil não empregou o vocábulo em seu sentido lato. A propósito, tal Diploma legal não desconhece a distinção entre registro e averbação, a dicotomia registro-averbação; em seu corpo, aliás, em mais de uma passagem, reportou-se à averbação (por exemplo, nos arts. 10, caput, 45, 51, § 1.º, 289, 1.003, par. único, 1.057, par. único, 1.063, § 3.º, 1.118, 1.485, 1.487-A, § 2.º, 1.493 e 1.500 do CC).

Sob essa lógica, quanto à espécie de assento registral, prevalece a opção do legislador pelo registro stricto sensu, suficiente em si. A falta de textual alusão, no rol do art. 167, I, da Lei n.º 6.015/1973, ao registro (em sentido estrito) da renúncia, não é óbice; é suprida pela regra textual do art. 1.275, par. único, do CC. A enumeração taxativa dos títulos/fatos jurídicos registráveis alcança os estabelecidos fora da Lei de Registros Públicos; ora, o número é fechado porque não se pode, sem amparo em lei, promover registro em sentido estrito.

Por sua vez, a referência feita, no art. 167, II, 2, da Lei n.º 6.015/1973, à averbação (por cancelamento) da extinção de direitos reais diz respeito aos direitos reais menores, aos direitos que oneram, comprimem a propriedade, que modificam o status do imóvel e diminuem o direito de propriedade. São os denominados direitos reais sobre coisa alheia (gozo e fruição, garantia e aquisição) Quer dizer, não abrange a perda da propriedade (do direito real máximo, direito real maior) pela renúncia, logo, não leva à averbação do ato renunciativo.

Prepondera, assim, também sob essa perspectiva, o tratamento específico dado pelo Código Civil.

5. A inscrição requerida, registro em sentido estrito, há de efetuar-se no lugar em que situado o imóvel, no Registro de Imóveis de sua circunscrição territorial. Ora, em conformidade com o princípio da territorialidade, então inferido do art. 169, caput, da Lei n.º 6.015/1973[8], reproduzido (em linhas gerais) pelo item 10 do Cap. XX das NSCGJ, t. II, a competência de cada uma das serventias prediais é exclusiva.

O princípio da territorialidade, assinalam Décio Antônio Erpen e João Pedro Lamana Paiva, “delimita a atuação do Registrador imobiliário. O exercício das funções delegadas do Ofício Imobiliário deverão ser realizadas dentro da área territorial definida em lei, sob pena de nulidade (art. 169, da LRP).”[9] O agir do Registrador, por conseguinte, está limitado a uma determinada circunscrição.

Os atos de registro e averbação devem ser realizados na serventia predial da situação do bem imóvel. Essa é a regra geral. Sobre o tema, precisa é a advertência de Afrânio Carvalho: “a inscrição efetuada em lugar diferente não preenche sua finalidade, que é publicar a existência do direito onde o interessado vai naturalmente procurar a informação.”[10]

Narciso Orlandi Neto, por sua vez, bem enfatiza: “a territorialidade é a essência da publicidade. Não haverá publicidade se descumprida a regra da territorialidade. … a regra é: só tem validade e eficácia o registro feito na circunscrição competente. …”[11]

Nessa senda, em atenção à localização do bem imóvel objeto da matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí, situado no Município de Várzea Paulista, em circunscrição imobiliária pertencente ao Registro de Imóveis de Várzea Paulista, instalado em dezembro de 2009, o Oficial do 2.º RI de Jundiaí não tem, realmente, competência para praticar o ato de registro pretendido.

Decidiu corretamente, ao negar o registro. Cabe-lhe, na qualificação dos títulos, o exame da própria competência registral. Cabia-lhe, aliás, “em qualificação abreviada, que excepciona a integralidade do juízo qualificador”[12], que dispensa a análise exauriente dos aspectos relevantes à registração, recusar o registro do título, tal como procedeu quando da primeira nota devolutiva, a de fls. 65-66, que antecedeu a de fls. 67-68, mais completa, ocasião na qual, requerida a suscitação de dúvida, outros óbices ao registro foram apresentados.

Aqui, convém realçar, não está presente, em particular, a hipótese excepcional do inc. I do art. 169 da Lei n.º 6.015/1973, de acordo com a qual “as averbações serão efetuadas na matrícula … a que se referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição …” E isso porque o dissenso não envolve averbação, mas, acima se pontuou, registro em sentido estrito.

De toda forma, e a título de obiter dictum, vale ressaltar que, conforme o inc. II do item 10 do Cap. XX das NSCGJ, t. II[13], norma interpretativa do inc. I do art. 169 da Lei n.º 6.015/1973, sintônica com o princípio da publicidade registral, mesmo as averbações, tendo o imóvel passado a pertencer a outra circunscrição, devem ser feitas na serventia predial da atual situação do imóvel, salvo se demonstrada (aqui não o foi), mediante nota devolutiva (não apresentada), a impossibilidade de lá ser aberta matrícula.

Sob qualquer ângulo, consequentemente, a dúvida é procedente.

6. Superada fosse a questão da competência, o título, ainda assim, não comportaria registro.

A propriedade dos recorrentes/suscitados está situada em parte certa e determinada do bem imóvel acima identificado, descrito na matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí, objeto de parcelamento irregular do solo urbano, conforme definitivamente reconhecido nos autos do processo n.º 0000295-03.2009.8.26.0655, que tramitou pela 1.ª Vara da Comarca de Várzea Paulista; compõe, logo, um suposto condomínio pro diviso, porque, na realidade, não lhes cabe uma fração sobre o todo, seus direitos incidem sobre uma parte fisicamente determinada.

Os elementos registrários, a maneira como transmitidas as frações ideais, com metragens certas, posses localizadas, forjando uma comunhão de direito, evidenciam a utilização indevida da figura do condomínio tradicional, voluntário, de modo a mascarar a implantação de parcelamento irregular do solo, situação jurisdicionalmente constatada, no processo acima reportado, onde ordenado o bloqueio da matrícula (cf. av. 95, fls. 61-62). Cuida-se de nítida situação de fraude à lei, causa de nulidade a teor do art. 166 do Código Civil.

Tal bloqueio judicial, decretado no âmbito de processo contencioso, é, em si considerado, impeditivo de novos assentamentos, de novos registros e averbações, em especial, do registro requerido. In concreto, enquanto não levantado, e na falta de específica autorização do Juízo que o determinou, é obstáculo à inscrição pretendida, aliás, nos expressos termos do art. 214, § 4.º, da Lei n.º 6.015/1973.[14]

7. Agora, a título de esclarecimento, e com o propósito de orientar futuras qualificações, convém salientar que, descaracterizada a situação jurídico-condominial, é inaplicável a regra do art. 1.316 do CC, invocada pelo Oficial na nota devolutiva de fls. 67-68, abaixo transcrita:

Art. 1.316. Pode o condômino eximir-se do pagamento das despesas e dívidas, renunciando à parte ideal.

§ 1.º Se os demais condôminos assumem as despesas e as dívidas, a renúncia lhes aproveita, adquirindo a parte ideal de quem renunciou, na proporção dos pagamentos que fizerem.

§ 2.º Se não há condômino que faça os pagamentos, a coisa comum será dividida.

Não se coloca, no caso em exame, a possibilidade de os condôminos adquirirem a parte do renunciante, mediante assunção das despesas e dívidas vencidas e futuras da coisa comum. Quer dizer, a renúncia em apreço é desprovida de potencial exoneratório, do efeito eximente de que cuida o art. 1.316 do CC, próprio de renúncia à parte ideal de propriedade em condomínio voluntário, situação diversa da aqui examinada.

Na realidade, a situação do art. 1.316 é de falsa renúncia, uma vez que a parte ideal do renunciante se transmite aos demais condôminos que assumirem seu passivo. Na realidade, o artigo de lei descreve situação de nítida cessão de parte ideal mediante pagamento pela assunção do passivo.

Nada obstante, mesmo aí, a renúncia é negócio jurídico unilateral não receptício. Logo, ainda que incidisse a regra do art. 1.316 do CC, a renúncia seria incondicionada, enfim, independeria da prévia concordância dos demais condôminos, exigência descabida, consoante admitiu depois o Oficial, ao suscitar a dúvida (fls. 1-13).

O desinteresse dos outros condôminos na assunção dos débitos levaria à extinção do condomínio, ou pela divisão ou pela alienação da coisa comum, e, eventualmente, à ineficácia da exoneração da responsabilidade em relação aos credores e aos demais condôminos, caso o quinhão do renunciante não bastasse para cobrir as despesas de conservação e de divisão da coisa comum.

Em síntese, a renúncia em discussão não depende da expressa anuência dos demais proprietários, tampouco da comprovação da quitação das despesas e das dívidas vinculadas ao imóvel.

No caso concreto, se incide bloqueio sobre a matrícula, persiste vedação tanto quanto a negócios de alienação como de renúncia.

8. Há, entretanto, um outro fato a impedir o registro do ato renunciativo.

Os recorrentes, com a apelação, noticiaram, exibindo o instrumento contratual pertinente (fls. 136-137), que, há mais de quinze anos, cederam onerosamente seus direitos sobre o bem imóvel a terceira pessoa, logo, subsistente a eficácia do negócio jurídico, estão privados do poder de disposição jurídica de sua parte ideal, não têm legitimidade (falta-lhes legitimação) para renunciar à propriedade.

A titularidade formal é aqui insuficiente. A legitimidade não se contenta com a mera titularidade de certa posição jurídica. Para que exista é ainda necessária suficiente autonomia privada para a prática do ato, ato renunciativo in casu, inexistente in concreto.

9. Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Tratado de Direito Privado: parte geral: negócios jurídicos, representação, conteúdo, forma, prova. Atualizada por Marco ardt. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 215. t. III.

[2] de Janeiro: Forense, 1983, p. 111.

[3] opcit., p. 112-116.

[4] Renúncia a direitos contratuais … In: Novos estudos e pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 91.

[5] Pontes de Miranda, opcit., p. 216.

[6] Orlando Gomes. Direitos rea rto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 185.

[7] Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, Pablo Renteria. Fundamentos do Direito Civildireitos reais. Gustavo Tepedino (org.). Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 190.

[8] Art. 169. Todos os atos enumerados no art. 167 desta Lei … serão efetuados na serventia da situação do imóvel …

[9] Princípios do registro imobiliário formal. In: Introdução ao Direito Notarial e Registral. Ricardo Dip (coord.). Porta Alegre: SafE, 2004, p. 176.

[10] Registro de Imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 154.

[11] Registro de Imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 16-17.

[12] Ricardo Dip. Sobre a qualificação no registro de imóveisInRevista de Direito Imobiliário. n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992. p. 55.

[13] Item 10. Todos os atos enumerados no item acima são obrigatórios e deverão ser efetuados no cartório da situação do imóvel, observado o seguinte:

(…)

II – as averbações serão efetuadas na matrícula ou à margem do registro (transcrição ou inscrição) a que se referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição, sempre que a matrícula não puder ser aberta no cartório da atual situação do imóvel; a impossibilidade de abrir-se matrícula no cartório da atual situação do imóvel deve ser justificada em nota devolutiva.

[14] Art. 214. (…)

§ 4.º Bloqueada a matrícula, o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio. (DJe de 13.02.2025 – SP)

Fonte: DJE/SP.

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CNJ: Novo sistema para bloqueio específico de imóveis entra em operação.

A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (Cnib) 2.0 já está em operação. A plataforma tecnológica regulamentada pela Corregedoria Nacional de Justiça otimiza as comunicações sobre bloqueios de imóveis entre a Justiça e os cartórios de imóveis em todo o Brasil. A principal inovação é a possibilidade de interdição de um bem específico relacionado ao valor da dívida.

A utilização do Cnib 2.0 começou em janeiro, para permitir que magistrados e magistradas indisponibilizem bens específicos de devedores em processos judiciais. Desta forma, o restante do patrimônio do devedor segue disponível para transações imobiliárias, melhorando o ambiente de negócios e promovendo maior crescimento econômico.

Por ano, o sistema recebe em média 300 mil bloqueios. Antes da evolução da plataforma, quando um magistrado necessitava indisponibilizar os imóveis de um devedor, a ordem era lançada em um CPF ou um CNPJ, o que interditava todos os imóveis de propriedade daquela pessoa ou empresa.

Consulta pública

A nova plataforma também avança em sua interface, com melhor navegabilidade e usabilidade por parte dos usuários, e traz duas novidades ainda no primeiro semestre deste ano. Uma das funcionalidades vai possibilitar a consulta de pessoas, permitindo que qualquer usuário possa consultar um CPF ou um CNPJ para saber se há indisponibilidades de imóveis lançadas no sistema. Atualmente, só é permitido que a própria pessoa ou titular consulte o seu CPF ou CNPJ via certificado digital.

“As novas funcionalidades a serem lançadas trarão maior transparência às transações imobiliárias, já que permitirão a consulta ampla de CPFs e CNPJs dos envolvidos nas transações, evitando surpresas de se fazer negócio envolvendo um bem que está indisponível”, explica Flaviano Galhardo, diretor-geral do ONR.

A outra novidade é a Eleição de Imóveis para Indisponibilidade, para que a pessoa ou titular de empresa eleja o bem preferencial para responder pela obrigação em caso de condenação judicial.

Atos disponíveis

A nova Central de Indisponibilidade de Bens 2.0, regulamentada pelo Provimento n. 188/24 da Corregedoria Nacional de Justiça, substitui o sistema até então em operação, que data de 2014 e que tem registrado crescimento anual em sua utilização. Somente em 2024, foram decretadas 314.365 ordens de indisponibilidade de bens no Brasil, número 16,5% maior do que as 269.856 restrições de 2022, e 8% maior que os 291.059 bloqueios de imóveis em 2023. Se contabilizados todos os atos disponíveis na Cnib – ordens, cancelamentos, pesquisas e certidões – são 99 milhões de atos praticados nos últimos três anos, com crescimento de 33% em relação a 2022 e de 21% em relação a 2021.

O Operador Nacional do Registro de Imóveis (ONR) foi instituído pela Lei Federal n. 13.465/17 e é a entidade responsável por implementar e operar, em âmbito nacional, o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (Srei). A entidade é mantida e operada pelos 3.621 mil registradores de imóveis do Brasil.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça.

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