CSM/SP: Direito registral – Dúvida – Apelação – Registro de imóveis – Arrematação de direitos de compromissário comprador – Posterior lavratura de escritura de compra e venda – ITBI exigido sobre as duas operações – Afastamento da exigência.

Apelação n° 1011161-63.2024.8.26.0223

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1011161-63.2024.8.26.0223
Comarca: GUARUJÁ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1011161-63.2024.8.26.0223

Registro: 2025.0000059102

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011161-63.2024.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante MOACIR STAROSTA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARUJÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve  a participação  dos  Exmos.  Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1011161-63.2024.8.26.0223

Apelante: Moacir Starosta

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarujá

VOTO Nº 43.685

Direito registral – Dúvida – Apelação – Registro de imóveis – Arrematação de direitos de compromissário comprador – Posterior lavratura de escritura de compra e venda – ITBI exigido sobre as duas operações – Afastamento da exigência.

I. Caso em exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa ao registro de escritura pública de compra e venda de imóvel devido à falta de recolhimento do ITBI.

2. Recolhimento do tributo por ocasião do registro anterior, relativo a arrematação de direitos de compromissário comprador sobre o imóvel.

3. Alegação da parte interessada de que já houve pagamento do tributo devido, sendo que nova cobrança configura bitributação.

II. Questão em discussão

4. A questão em discussão consiste em determinar se o ITBI é devido por ocasião do registro de escritura pública de compra e venda, mesmo após já ter sido pago em virtude de registro anterior, de arrematação de direitos reais sobre o imóvel.

III. Razões de decidir

5. A jurisprudência do STJ, do TJSP e do CSM estabelece que o fato gerador do ITBI somente ocorre por ocasião do registro da transferência de propriedade, sendo manifesta a inconstitucionalidade de previsão legal de incidência também em etapas  anteriores como a arrematação.

6. Hipótese em que já houve recolhimento do imposto de transmissão.

IV. Dispositivo e tese

7. Recurso provido.

Tese de julgamento: “1. O ITBI incide apenas no momento da transferência definitiva da propriedade, o que se dá mediante registro de escritura pública de compra e venda ou instrumento equivalente. 2. Não se pode exigir novo recolhimento quando o imposto já houver sido pago em operação anterior, que não implicou alienação da propriedade”.

Legislação e Jurisprudência relevantes citadas:

– CF/1988, art. 156, II; CTN, art. 35, I; Lei Complementar n. 38/97, art. 84, parágrafo único, “a”, “e” e “l”; Lei n. 8.935/1994, art. 28 e art. 30, XI; Lei n. 6.015/73, art. 289.

– STF, ARE n. 1.294.969/SP, Tema 1.124; STJ, REsp n. 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; TJSP, Apelação Cível n. 0039993-95.2009.8.26.0564, Rel. Des. Roberto Martins de Souza.

Trata-se de apelação interposta por Moacir Starosta contra a r. sentença de fls. 269/271, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Guarujá, que manteve recusa ao registro de escritura pública de compra e venda tendo por objeto o imóvel matriculado sob n. 120.174 perante aquela serventia imobiliária pela falta de recolhimento do imposto de transmissão (ITBI), conforme nota de devolução de fl. 09 (prenotação n. 478.576, de 22/07/2024).

A parte apelante alega, em síntese, que, após arrematar direitos de compromisso de compra e venda sobre o bem (cumprimento de sentença de autos n. 0812357-98.1985.8.26.0100, 16ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo), recolheu, por determinação judicial, o imposto de transmissão no valor de R$ 29.018,76 (artigo 84, parágrafo único, “e” e “l”, do Código Tributário Municipal – Lei Complementar n. 38/97); que, após o recolhimento, foram expedidos a carta de arrematação (fl. 53) e o mandado de imissão na posse (fls. 88/89), com ingresso na matrícula (R.6/120.174 – fl. 56); que, para regularizar a propriedade do imóvel, firmou escritura pública de compra e venda com os espólios dos proprietários, Celso Santos Filho e Hernani Azevedo Silva, perante o 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Guarujá, sub- rogando-se nos direitos de Wilson de Almeida Prado (fls. 23/30); que ao levar o título à registro, foi surpreendido por nova exigência tributária sob a alegação da ocorrência de dois fatos geradores distintos; que o fato gerador do ITBI ocorre apenas por ocasião do registro definitivo da transferência de propriedade, nos termos do artigo 35, I, do Código Tributário Nacional; que não havia obrigação de recolhimento de imposto na primeira operação, de mera transmissão de direitos reais sobre o bem; que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que a transmissão imobiliária só se aperfeiçoa com o registro imobiliário (ARE 1.294.969/SP, Tema 1.124); que a nova cobrança configura bitributação (fls. 282/295).

Houve concordância com o julgamento virtual (fl. 322).

A Procuradoria de Justiça, por sua vez, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 326/328).

É o relatório.

No mérito, a apelação comporta provimento.

Vejamos os motivos.

Sabe-se que vigora, para os Registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art. 134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994).

Por outro lado, o C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo):

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114  Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

No caso concreto, verifica-se que a parte interessada arrematou, em hasta pública, direitos de compromisso de compra e venda sobre o imóvel da matrícula n. 120.174 (lote 13 da quadra 50 do Loteamento Jardim Acapulco – fls. 10/13), oportunidade em que, para possibilitar a expedição do mandado de imissão na posse e da carta de arrematação (fl. 84), bem como ingresso perante o Registro de Imóveis, recolheu o ITBI na forma prevista pelo artigo 84, parágrafo único, “e” e “l”, do Código Tributário Municipal (R.6/120.174).

Neste momento, o que pretende é o registro da escritura pública definitiva, de venda e compra, a qual foi outorgada pelos titulares do domínio (1º Tabelião de Notas de Guarujá, Livro 1015, pág. 11/18 – fls. 23/30).

O Oficial entende que, por estarmos diante de hipóteses de incidência diversas (arrematação e transferência da propriedade), o ITBI pode ser exigido com apoio na legislação municipal (fls. 01/02). Esta foi a tese acolhida pela Corregedoria Permanente (fls. 269/271).

A parte, por sua vez, defende que a hipótese de incidência apenas se configura quando da transferência do direito de propriedade, o que se dá pelo registro da escritura pública de compra e venda, sendo que já recolheu o ITBI devido por ocasião da arrematação de direitos reais sobre o bem (fl. 84). Novo pagamento implicaria, assim, bitributação.

O artigo 156, II, da Constituição Federal de 1988, dispõe que compete aos municípios instituir imposto sobre “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como de cessão de direitos a sua aquisição”.

No município de Guarujá, a matéria é regulada pela Lei Complementar n. 38/97, que prevê a incidência do imposto tanto sobre transmissão onerosa inter vivos dos bens imóveis e direitos reais que incidem sobre eles, quanto em casos de cessão de direitos relativos à sua aquisição, arrematação e adjudicação:

Art. 84 O Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis e de direitos reais a eles relativos tem como fato gerador:

I. – A transmissão de bem imóvel por natureza ou por acessão física;

II. – A transmissão de direitos reais sobre bens imóveis exceto os direitos reais de garantia;

III. – A cessão de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.

Parágrafo Único. O imposto incidirá especificamente sobre:

a) a compra e venda;

(…)

e) a arrematação, a adjudicação e a remição;

(…)

l) a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda e de promessa de cessão”.

Verifica-se, portanto, hipótese de incidência tributária sobre a arrematação, o que configura fato gerador diverso da transmissão da propriedade por escritura definitiva, de modo que não há como se falar em bitributação.

A jurisprudência, porém, se assentou em sentido contrário.

De fato, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo – ARE n. 1.294.969, após fixar tese no sentido de que “o fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro” (Tema 1.124), reconheceu, em sede de embargos de declaração, a existência de matéria constitucional e de sua repercussão geral, sem, no entanto, reafirmar jurisprudência.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, seguindo orientação do Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; 1.809.411/MS; AgInt no AREsp 794.303/RS; AgRg no AREsp 813.620/BA; AGA 448.245; ROMS 10.650), vem entendendo que, nos moldes do que determinam o artigo 150, § 7º, da Constituição Federal, e o artigo 1.245 do Código Civil, o ITBI tem incidência e é devido apenas quando a escritura pública de compra e venda (ou instrumento particular, nas hipóteses previstas em lei) é apresentada para registro, na medida em que apenas neste momento se dá efetiva transferência da titularidade do domínio ao comprador (Apelação Cível n. 0039993-95.2009.8.26.0564, Relator: Des. Roberto Martins de Souza).

A respeito da exigência de pagamento antes do registro do título translativo da propriedade, vale colacionar parte do voto supra citado:

“(…) cabe aqui o ensinamento de Kiyoshi Harada: “(…) Convém ressaltar, que a transmissão da propriedade imobiliária só se opera com o registro do título de transferência no registo de imóveis competente, segundo o art. 1.245 do Código Civil, que assim prescreve: “Transfere- se entre vivos a propriedade, mediante registro do título translativo do Registro de Imóveis.’

O §1º desse artigo dispõe enfaticamente que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. Portanto, a exigência do imposto antes da lavratura da escritura de compra e venda ou do contrato particular, quando for o caso, como consta da maioria das legislações municipais, é manifestamente inconstitucional. Esse pagamento antecipado do imposto não teria amparo no §7° do art. 150 da CF, que se refere à atribuição ao ‘sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido’.

“Por isso, o STJ já pacificou sua jurisprudência no sentido de que o ITBI deve incidir apenas sobre transações registradas em cartório, que impliquem efetiva transmissão da propriedade imobiliária (Resp 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; AGA 448.245; ROMS 10.650). Curvamo- nos à jurisprudência remansosa do STJ, reformulando nosso ponto de vista anterior, quer porque inaplicável o §7º do art. 150 da CF em relação ao ITBI, quer porque o fato gerador desse imposto, eleito pelo art. 35, II, do CTN, em obediência ao disposto no art. 156, II, da CF, é uma situação jurídica, qual seja, a transmissão da propriedade imobiliária”.

Em outras palavras, até que haja transmissão efetiva do direito de propriedade, o alienante se mantém como titular do domínio e, por isso mesmo, não se caracteriza hipótese de incidência tributária.

Com apoio em tal entendimento jurisprudencial, este E. Conselho Superior da Magistratura já entendeu como manifesta a inconstitucionalidade das normas municipais que impõem a incidência do ITBI mesmo para casos em que não há transferência de propriedade, o que possibilitaria o seu reconhecimento também na esfera administrativa (Apelação n. 0015683-73.2011.8.26.0590, Relator: Des. José Renato Nalini; Apelação n. 0900016-61.2011.8.26.0577, Relator: Des. José Renato Nalini; Apelação n. 0009528-83.2014.8.26.0223, Relator: Des. Xavier de Aquino).

Neste contexto e como já houve recolhimento do imposto de transmissão de forma antecipada, ou seja, antes da transferência definitiva do direito de propriedade, é possível concluir, com apoio nos precedentes citados acima, como indevida a exigência de novo recolhimento tributário.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

São Paulo, data registrada no sistema.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

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CSM/SP: Direito civil – Apelação cível – Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura pública de permuta – Recurso improvido.

Apelação n° 1019483-77.2024.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1019483-77.2024.8.26.0577
Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1019483-77.2024.8.26.0577

Registro: 2025.0000059095

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019483-77.2024.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante ESDRAS CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1019483-77.2024.8.26.0577

APELANTE: E. C. e I. LTDA

APELADO: 1 O. de R. de I. e A. da C. de S. J. dos C.

VOTO Nº 43.678

Direito civil – Apelação cível – Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura pública de permuta – Recurso improvido.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de escritura pública de permuta com torna e constituição de alienação fiduciária em garantia. A apelante alega que as quotas de sociedade em conta de participação permutadas são de titularidade do sócio ostensivo e podem ser objeto de negócios jurídicos, pedindo a reforma da sentença para registro da escritura.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se as quotas de uma Sociedade em Conta de Participação, que não possui personalidade jurídica, podem ser consideradas bens para fins de permuta e se a operação tem por escopo a comercialização de unidade autônoma futura sem o registro da incorporação.

III. Razões de Decidir

3. A permuta exige que bens sejam trocados, mas quotas de sociedade sem personalidade jurídica não podem ser consideradas bens individualizados.

4. A permuta de imóvel por participação societária esconde a real intenção de comercializar unidades autônomas sem prévio registro da incorporação imobiliária, em violação e fraude às normas cogentes da L. 4.591/64.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: 1. Quotas de sociedade sem personalidade jurídica não são bens para fins de permuta. 2. A comercialização de unidades autônomas sem registro de incorporação é vedada.

Legislação Citada:

* Código Civil, art. 104, II; art. 991; art. 992; art. 993.

* Lei nº 4.591/64, art. 32; art. 65.

Trata-se de apelação interposta por Esdras Construtora e Incorporadora Ltda. contra a r. sentença de fls. 137/140, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registo de Imóveis e Anexos de São José dos Campos, que negou o registro de escritura pública de permuta com torna e constituição de alienação fiduciária em garantia.

Alega a apelante, em síntese, que as quotas permutadas não são de propriedade da Sociedade em Conta de Participação (SCP), que não possui personalidade jurídica, e sim do sócio ostensivo, que ostenta a titularidade  dos direitos e obrigações decorrentes da sociedade, de modo que as quotas representam direitos que podem ser objeto de negócios jurídicos. Sustenta que o uso de quotas como forma de pagamento é prática comum no mercado e deve ser admitido como válido. Afirma que o princípio da autonomia permite que as quotas de participação do sócio da Sociedade em Conta de Participação sejam tratadas como ativos com valor econômico, podendo, portanto, ser objeto de permuta. Diz, ainda, que a primeira nota devolutiva não abordou questão relativa à inviabilidade da permuta envolvendo as quotas. Pede, ao final, a concessão de tutela de urgência e de efeito suspensivo à sentença, bem como a sua reforma para que seja determinado o registro da escritura pública (fls. 159/182).

O pedido de tutela de urgência e o efeito suspensivo requeridos foram negados (fls. 198/199).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 205/206).

É o relatório.

De início, cabe frisar que o apresentante de um título não tem direito adquirido à inscrição caso cumpra as exigências constantes na nota devolutiva.

Embora idealmente o registrador deva formular eventuais exigências de uma só vez[1], em nota devolutiva única, é evidente que lhe cabe, ao constatar irregularidade no título não vislumbrada no primeiro exame, indicá-la em uma segunda nota devolutiva, e não simplesmente ignorar a falha percebida.

Por esse motivo, pouco importa se na primeira nota devolutiva exigiu-se tão-somente o reconhecimento de firma das testemunhas do instrumento (fls. 107/108); constatada irregularidade em momento posterior era dever da Oficial indicá-la (fls. 102/104).

A escritura pública de permuta apresentada a registro tem como partes, de um lado, E. Carone Empreendimentos Imobiliários Ltda., e de outro, Esdras Construtora e Incorporadora Ltda. (fls. 40/51). De acordo com o instrumento, E. Carone Empreendimentos Imobiliários Ltda. entregará a Esdras Construtora e Incorporadora Ltda. imóvel de sua propriedade, matriculado sob nº 85.520 no 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos, avaliado em R$ 38.525.000,00, e recebeu desta última trinta e quatro quotas de uma Sociedade em Conta de Participação, avaliadas em R$ 20.000.000,00, e o valor de R$ 18.525.000,00 a ser pago nas condições descritas na escritura (fls. 40/51).

A desqualificação, mantida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, se deve ao fato de o objeto da permuta envolver quotas de sociedade que não possui personalidade jurídica. Segundo a Oficial e o MM. Juiz Corregedor Permanente, o negócio jurídico infringe o art. 104, II, do Código Civil[2], por dois motivos distintos: em primeiro, porque sociedade em conta de participação não possui nem capital social nem autonomia patrimonial, de forma que o objeto da avença não pode ser tido como possível; em segundo, porque há indícios de que cada uma das trinta e quatro quotas da sociedade em conta de participação corresponde a uma unidade futura de empreendimento imobiliário, de forma que a negociação delas estaria ocorrendo sem o registro da incorporação imobiliária. O objeto da avença seria ilícito, portanto.

E a dúvida realmente é procedente.

De acordo com Nelson Rosenvald, “denomina-se permuta, troca escambo, barganha ou permutação a relação transacional pela qual uma das partes se obriga a entregar um bem para receber outro, que será entregue pela contraparte” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência : Lei n. 10.406 de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. – 11. Ed. Rev. E atual. – Barueri, SP : Manole, 2017, p. 554).

Embora a torna em dinheiro não a descaracterize, a permuta exige que bens sejam trocados. Isso, no entanto, não ocorre no caso em análise, em que um bem imóvel é trocado por quotas de sociedade em conta de participação. Com efeito, quotas de sociedade sem personalidade jurídica, cuja constituição independe de qualquer formalidade (art. 992 do Código Civil), não podem ser considerados bens singulares e passíveis de individualização.. Como o objeto social de uma sociedade em conta de participação é exercido unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome e sob sua responsabilidade (art. 991 do Código Civil), não há como conceber que parte do capital social dessa sociedade não personificada, cujo contrato social produz efeito apenas entre os sócios (art. 993 do Código Civil), possa ser considerada bem identificado ou identificável para fins de permuta.

Sobre a sociedade em conta de participação, ensina Marcelo Fortes Barbosa Filho:

Celebrado o contrato de sociedade e adotada a fórmula típica prevista para a conta de participação, não se produz qualquer exteriorização, pois, em se tratando de um sociedade despersonificada, uma sociedade-contrato, que efetiva todo relacionamento com terceiros é o sócio ostensivo (…). As relações internas, dada sua natureza contratual, restam regradas pelas cláusulas acordadas, limitando-se os efeitos do negócio celebrado às partes, ou seja, aos sócios. Os terceiros se mantêm alheios à conta de participação, não podendo extrair dela eficácia” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406 de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. – 11. Ed. Rev. E atual. – Barueri, SP : Manole, 2017, p. 954/955).

Essa falta de exteriorização dos atos societários, com terceiros alheios à conta de participação, mostra que as quotas sociais indicadas na escritura não se caracterizam como objeto individualizado possível, determinado ou determinável para um contrato de permuta.

O segundo óbice, relacionado aos indícios de que as quotas da sociedade em conta de participação correspondem a unidades futuras de empreendimento imobiliário, também se sustenta.

Na suscitação da dúvida inversa, a ora apelante destacou:

“Considerando as práticas de mercado relativas ao negócio jurídico firmado, as quotas societárias são definidas como participações do patrimônio especial da SCP, para fins, posteriores, de liquidação da sociedade e distribuição dos lucros e resultados, convertendo-se cada quota em uma unidade imobiliária ao final do empreendimento, a qual fará jus o sócio participante que a possuir, desde que esteja regular com os aportes” (fls. 12).

E o próprio instrumento público levado a registro, em que as quotas de Sociedade em Conta de Participação são indicadas em numeração não sequencial (“quotas de nºs 211, 212, 215, 216, 217, 218, 221, 222, 223, 224, 227, 228, 230, 234, 236, 240, 242, 246, 248, 252, 254, 258, 380, 416, 417, 418, 419, 420, 421, 422, 427, 428, 429 e 430” – fls. 41), levam à conclusão de que a permuta de imóvel por participação societária esconde a real intenção dos contratantes, que é a comercialização de unidades autônomas de empreendimento imobiliário futuro.

Antes do registro da incorporação, porém, a vedação a esse tipo de comercialização é conhecida. Nesse sentido o art. 32 da Lei nº 4.591/64:

Art. 32. O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos: (…) Aliás, a Lei nº 4.591/64 protege os adquirentes de futuras unidades autônomas a tal ponto, que a comercialização delas sem o prévio registro da incorporação é considerada crime contra a economia popular:

Art. 65. É crime contra a economia popular promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sôbre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sôbre a construção das edificações.

PENA – reclusão de um a quatro anos e multa de cinco a cinqüenta vêzes o maior salário-mínimo legal vigente no País.

§ 1º lncorrem na mesma pena:

I – o incorporador, o corretor e o construtor, individuais bem como os diretores ou gerentes de emprêsa coletiva incorporadora, corretora ou construtora que, em proposta, contrato, publicidade, prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou aos condôminos, candidatos ou subscritores de unidades, fizerem afirmação falsa sôbre a constituição do condomínio, alienação das frações ideais ou sôbre a construção das edificações;

II – o incorporador, o corretor e o construtor individuais, bem como os diretores ou gerentes de emprêsa coletiva, incorporadora, corretora ou construtora que usar, ainda que a título de empréstimo, em proveito próprio ou de terceiros, bens ou haveres destinados a incorporação contratada por administração, sem prévia autorização dos interessados.

Percebe-se, desse modo, que o registro da escritura de permuta daria ensejo à alienação de quotas que correspondem a futuras unidades autônomas, sem que a apelante, incorporadora, tenha registrado a incorporação imobiliária.

Caso acolhido o registro, nada impediria que o credor da entrega das unidades futuras passasse a cede-los a terceiros, em verdadeiro negócio indireto em fraude às normas cogentes da L. 4.591/64.

A alegação de que o registro pretendido caracteriza modelo de negócio diverso não convence. Com efeito, a Lei nº 4.591/64 em momento algum dispensa a inscrição da incorporação imobiliária na hipótese de o incorporador pretender alienar futuras unidades autônomas. Não há previsão no sentido de que a operação relativa à venda de futuras unidades autônomas possa ser realizada por meio de negociação de quotas de sociedade que sequer possui personalidade jurídica. E o fato de isso ocorrer na prática, como é alegado na suscitação da dúvida e no recurso, não é motivo para que se permita que a irregularidade constatada seja objeto de inscrição no registro imobiliário.

Finalmente, considerando o pleito formulado pelo Ministério Público a fls. 103 e seu indeferimento na sentença (fls. 138/139), remetam-se cópias das principais peças do processo ao Ministério Público, para apuração de eventual cometimento de crime, e à Secretaria de Assuntos Jurídicos da Prefeitura Municipal de São José dos Campos.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, com observação.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Nesse sentido, o item 38 do Capítulo XX das NSCGJ: “É dever do Registrador proceder ao exame exaustivo do título apresentado. Havendo exigências de qualquer ordem, deverão ser formuladas de uma só vez, por escrito, de forma clara e objetiva, em formato eletrônico ou papel timbrado do cartório, com identificação e assinatura do preposto responsável, para qu satisfazê-las ou requerer a suscitação de dúvida ou procedimento administrativo”.

[2] Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

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CSM/SP: Apelação – Registro de imóveis – Exigência de comprovação do pagamento do ITBI sobre o valor que excede o capital integralizado – Sentença mantida – Oficial que tem o dever de exigir a comprovação de quitação do ITBI – Declarações da municipalidade que atestam a não incidência do tributo, com ressalva quanto ao valor excedente do capital social integralizado – Recurso desprovido.

Apelação n° 1142902-13.2024.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1142902-13.2024.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1142902-13.2024.8.26.0100

Registro: 2025.0000059094

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1142902-13.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LNM INVESTIMENTOS LTDA, é apelado 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1142902-13.2024.8.26.0100

Apelante: LNM Investimentos Ltda

Apelado: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.688

Apelação – Registro de imóveis – Exigência de comprovação do pagamento do ITBI sobre o valor que excede o capital integralizado – Sentença mantida – Oficial que tem o dever de exigir a comprovação de quitação do ITBI – Declarações da municipalidade que atestam a não incidência do tributo, com ressalva quanto ao valor excedente do capital social integralizado – Recurso desprovido.

I. Caso em Exame.

1. Apelação contra sentença que manteve a recusa de registro de instrumento particular de contrato social para integralização de imóveis em capital de sociedade, devido à falta de comprovação do recolhimento do ITBI sobre valores que excedem o capital social integralizado e considerada a ressalva nas declarações do Município de São Paulo quanto à não incidência do referido imposto.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se o Registrador pode exigir a comprovação do pagamento do ITBI sobre o valor dos imóveis que excede o capital social integralizado, ante as declarações da municipalidade sobre a não incidência do referido tributo, com ressalvas.

III. Razões de Decidir

3. O Oficial de Registro de Imóveis tem o dever de exigir a comprovação do recolhimento do ITBI, conforme legislação vigente, quando o valor dos bens excede o capital social integralizado.

4. As declarações de isenção apresentadas não comprovam o reconhecimento administrativo da não incidência do ITBI sobre o valor excedente do capital integralizado.

5. Existência de ressalva nas referidas declarações no sentido de que os Srs. Notários e Registradores somente deverão aceitar as declarações se as informações declaradas equivalerem as do negócio e se houver a prova do recolhimento do ITBI sobre a parcela do valor do imóvel que superar o capital integralizado.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: 1. O registrador deve exigir prova do recolhimento do ITBI sobre o valor excedente do capital integralizado ou do reconhecimento administrativo da não incidência do tributo.

Legislação Citada:

CF/1988, art. 156, § 2º, I; Lei nº 6.015/1973, art. 289; CTN, art. 134, VI; Lei do Município de São Paulo nº 11.154/1991, art. 19.

Jurisprudência Citada:

STF, RE nº 796376/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 06.10.2020.

Trata-se de apelação interposta por LNM INVESTIMENTOS LTDA. contra a r. sentença proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL, que, na dúvida suscitada, manteve a recusa de registro de instrumento particular de contrato social, que visava à integralização, mediante conferência, dos imóveis matriculados sob os números 148.898 e 38.857 daquela serventia, de propriedade da sócia Maria Noemia Muniz.

A r. sentença (fls. 78/83) julgou procedente a dúvida suscitada para manter o óbice registrário, sob o entendimento de que: (i) aos registradores imobiliários é imposto o dever de exigir a comprovação do recolhimento do imposto de transmissão de bem imóvel – ITBI para registro da transferência da titularidade do domínio junto à serventia predial, conforme item 117 e subitem 117.1, do Capítulo XX das NSCJ, do artigo 289 da Lei n° 6.015/73 e do artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional; (ii) havendo previsão legal de exação, não cabe ao Oficial de Registro nem ao juízo administrativo decidir pela não tributação, o que deve ser debatido na via própria.

Em seu recurso de apelação (fls. 89/94), a recorrente alega, em síntese, que o próprio Município de São Paulo deferiu a isenção do ITBI, especialmente no que se refere aos valores arbitrados pelos sócios que compuseram e integralizaram o capital social da empresa, eis que foram emitidas as Declarações de nº 2024.019570/NI e 2024-019575/NI de fls. 50/51.

Diz, ainda, que a exigência no recolhimento do ITBI incidente sobre as parcelas dos valores dos imóveis que superaram o montante do capital integralizado extrapola a competência do Oficial Registrário. Pede, portanto, a reforma da sentença.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 118/122).

É o relatório.

Decido.

Em 25/07/2024, LNM INVESTIMENTOS LTDA. requereu ao 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital de São Paulo, a transferência dos imóveis matriculados sob os números 148.898 e 38.857 para seu nome, apresentando o instrumento particular de contrato social de 25/04/2024 (fls. 22/32) e registrado na JUCESP sob nº NIRE 35264161580, em 14/06/2024 (fls. 15/19).

A referida transferência ocorreu em razão da integralização, mediante conferência de bens, levada a efeito pela sócia Maria Noemia Muniz, por ocasião do aumento de capital da sociedade já constituída, conforme certidão de inteiro teor emitida pela JUCESP de fls. 20/21.

Sobreveio a nota de exigência n° 925917, com o seguinte teor (fl. 08):

“NOTA DA CONFERÊNCIA”

– Adiamos o registro pretendido pelos seguintes motivos:

– Os imóveis conferidos das matrículas nºs 148.898 e 38.857 têm como valor de Referência atribuído pela Prefeitura R$ 1.811.689,00 e R$ 500.873,00 (valor em 25/07/2024 data da Prenotação), respectivamente. No instrumento particular de 25/04/2024 consta que os referidos imóveis foram conferidos pelos valores de R$180.000,00 e R$ 390.000,00, respectivamente, portanto, deverá a Conferente observar o Parecer Normativo da Secretaria Municipal da Fazenda – SF nº 1, de 21 de maio de 2021, que fixa interpretação quanto à aplicabilidade da imunidade tributária do ITBI, prevista no artigo 156, §2º, Inciso I, da Constituição Federal e no artigo 3º, inciso III da Lei Municipal nº 11.154, de 30/12/1991, e com fundamento no artigo 2º, inciso I, alínea “c” do Decreto Municipal nº 57.968, de 07/11/2017, e, considerando a decisão do Supremo Tribunal Federal STF, exarada no Recurso Extraordinário nº 796376/SC, com acórdão de 06/10/2020, transitado em julgado em 15/10/2020 (esta norma foi publicada no Diário Oficial do Município de São Paulo, em data de 25/05/2021), informamos ao Interessado que:

– A imunidade tributária em relação ao ITBI, prevista no inciso I, do §2º do artigo 156 da CF, não alcança o valor dos bens que excederem o limite do capital social integralizado, em razão disso, deverá a Interessado observar que a integralização feita pelo instrumento particular de contrato social da LNM INVESTIMENTOS LTDA. Datado de 25/04/2024, e registrado na JUCESP sob nº NIRE 35264161580, em 14/06/2024 excedeu o capital social integralizado da empresa, isto é, os valores dos imóveis das matrículas nºs 148.898 e 38.857 que estão sendo integralizados (R$ 1.631.689,00 e R$ 353.247,00) são maiores que o valor utilizado para a integralização (R$700.000,00 e R$110.873,00), daí, deverá o Interessado apresentar as guias do ITBI e os respectivos comprovantes dos pagamentos referentes as parcelas que excederam o capital social integralizado, caso ainda não recolhido, deverão ser com os encargos legais devidos pelo atraso no pagamento. Lembrando que o fato gerador é a data do instrumento de integralização datado de 25/04/2024.

Obs: O item 2 das declarações de isenção nºs. 2024.0195570/NI e 2024-0195575/NI apresentadas noticiam o acima exposto.”

A r. sentença julgou procedente a dúvida para manter a exigência de comprovação do pagamento do imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI) sobre o valor dos bens que exceder o limite do capital social integralizado, aduzindo ser incumbência do registrador a fiscalização do pagamento do imposto, sob pena de responsabilização solidária, nos termos do que estabelecem o artigo 289 da Lei nº 6.015/1973 e o artigo 134, VI, do Código Tributário Nacional, bem como os itens 117 e 117.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ.

Com efeito, o Oficial de Registro de Imóveis está obrigado a solicitar a comprovação de recolhimento do imposto de transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos por força do disposto no artigo 134, VI, do Código Tributário Nacional, no artigo 289 da Lei 6.015/1973 e no subitem 117.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ.

De outra parte, a legislação municipal de São Paulo estabelece que compete ao Registrador verificar a existência da prova do recolhimento da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção com referência ao ITBI, nos termos do artigo 19 da Lei do Município de São Paulo nº 11.154/1991:

Art. 19. Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos a:

I – verificar a existência da prova do recolhimento do Imposto ou do reconhecimento administrativo da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção; (grifei)

A hipótese vertente é semelhante à apreciada nos autos da Apelação nº 1006060-52.2022.8.26.0114, de relatoria do então Desembargador Corregedor Geral da Justiça, Dr. Fernando Antonio Torres Garcia, na qual ficou expressamente consignado que:

(…)

“Embora a imunidade prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal pareça ser aplicável à espécie, o art. 19, I, da Lei do Município de São Paulo nº 11.154/1991, que dispõe sobre o ITBI, assim preceitua:

Art. 19. Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos a: I – verificar a existência da prova do recolhimento do Imposto ou do reconhecimento administrativo da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;

Ou seja, mesmo em caso de imunidade do ITBI, cabe ao registrador, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/733, exigir prova do reconhecimento administrativo da não incidência do tributo”

Na espécie, verificado que o valor dos bens imóveis conferidos ao patrimônio da sociedade excedeu o limite do capital social integralizado, o Registrador exigiu a comprovação do pagamento do ITBI, e o fez corretamente, já que as declarações do Município de São Paulo, sob nº 2024.019570/NI e 2024-019575/NI (fls. 50/51), não atestam o reconhecimento administrativo da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção quanto ao ITBI nos termos deduzidos pela recorrente.

As declarações da Municipalidade quanto à não incidência, imunidade ou concessão de isenção que estão a fls. 50/51 noticiam o recebimento de informação sobre as transações lá descritas, consistentes na incorporação ao patrimônio da pessoa jurídica LNM INVESTIMENTOS LTDA. dos imóveis matriculados sob nº 148.898 e 38.857 no 14º Registro de Imóveis, nos valores de, respectivamente, 180.000,00 e 390.000,00, com a ressalva no sentido de que os Srs. Notários e Registradores somente deverão aceitar as declarações se as informações declaradas equivalerem aos do negócio jurídico e se houver a prova do recolhimento do ITBI sobre a parcela do valor do imóvel que superar o capital integralizado.

Diante da ressalva contida nas declarações, competia ao Oficial de Registro exigir a comprovação do pagamento do ITBI incidente sobre o valor dos imóveis que excedeu o capital social integralizado, como bem exposto na nota devolutiva transcrita.

A ressalva contida nas declarações em apreço está de acordo com o Parecer Normativo SF nº 1, de 21/05/2021, da Secretaria Municipal da Fazenda do Município de São Paulo, cujo artigo 1º dispõe:

“Art. 1º A imunidade em relação ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), prevista no inciso I do § 2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que excederem o limite do capital social a ser integralizado.

Art. 2º Este Parecer Normativo, de caráter interpretativo, é impositivo e vinculante para todos os órgãos hierarquizados desta Secretaria, produzindo efeitos para fatos que ocorrerem após a data da publicação deste ato.”

Ademais, no julgamento do tema 796, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese:

“A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

Assim, sendo correta a exigência oposta pelo Oficial ao registro do instrumento apresentado, é de rigor a manutenção da r. sentença proferida.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

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