CSM/SP: Direito registral – Dúvida – Apelação – Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Quinhões supostamente desiguais – Base de cálculo do ITCMD – Afastamento do óbice.

Apelação n° 1010180-39.2024.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1010180-39.2024.8.26.0577
Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1010180-39.2024.8.26.0577

Registro: 2025.0000059097

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010180-39.2024.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante VALDIR CHICHINELLI JUNIOR, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010180-39.2024.8.26.0577

APELANTE: Valdir Chichinelli Junior

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 43.669

Direito registral – Dúvida – Apelação – Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Quinhões supostamente desiguais – Base de cálculo do ITCMD – Afastamento do óbice.

I. Caso em Exame

Apelação interposta contra sentença que manteve recusa ao registro de escritura pública de inventário e partilha de imóvel sob o fundamento de excesso de herança, a caracterizar doação, pelo que se exigiu declaração e recolhimento complementar de tributo.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a exigência de recolhimento complementar de tributo pelo Oficial de Registro é válida, considerando a partilha de bens aos quais se atribuíram valores superiores aos venais.

III. Razões de Decidir

3. A fiscalização do recolhimento de tributos pelo Oficial de Registro limita-se à verificação da existência do recolhimento, não abrangendo a exatidão do valor, salvo em casos de flagrante irregularidade.

4. A base de cálculo do ITCMD deve considerar o valor de mercado, desde que não inferior ao valor venal, conforme legislação vigente. Nada impede as partes de atribuírem valores distintos dos valores venais para fins de partilha, em homenagem ao princípio da autonomia privada. A desigualdade de quinhões deve ser examinada à luz dos valores atribuídos pelas partes no negócio de partilha e não nos valores fiscais para fins de lançamento de tributos.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido para se determinar o registro do título.

Tese de julgamento: “1. A fiscalização do Oficial de Registro limita-se à verificação da existência do recolhimento do tributo. 2. A base de cálculo do ITCMD deve considerar o valor de mercado, desde que não inferior ao valor venal, conforme legislação vigente”.

Legislação e Jurisprudência citadas:

Lei n. 6.015/73, art. 289; CTN, art. 134, VI; Lei n. 8.935/1994, art. 30, XI; Lei n. 10.705/00, arts. 9º, 11, 13; Portaria CAT n. 89/2020, art. 12, III. CSMSP, Apelação Cível 20522-0/9, Rel. Antônio Carlos Alves Braga, j. 19.04.1995; CSMSP, Apelação Cível 996-6/6, Rel. Ruy Camilo, j. 09.12.2008; CSMSP, Apelação Cível 0009480-97.2013.8.26.0114, Rel. Elliot Akel, j. 02.09.2014.

Trata-se de apelação interposta por Valdir Chichineli Junior contra a r. sentença de fls. 111/113, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de São José dos Campos, que manteve recusa ao registro de escritura pública de inventário e partilha tendo por objeto o imóvel matriculado sob o número 231.811 perante aquela serventia (prenotação n. 759.551 – fl. 09).

Tendo em vista que, quando considerados os valores venais dos bens relacionados, há excesso de herança em favor de um dos herdeiros, o que caracteriza doação, o Oficial exigiu declaração e recolhimento complementar de tributo (fls. 01/08; nota devolutiva de fls. 47/50).

A parte recorrente sustenta que não houve partilha desigual, tanto que o título teve ingresso perante o Registro de Imóveis de Piracicaba; que a partilha considerou o valor de mercado dos bens, o qual é superior ao valor venal, com recolhimento do imposto de transmissão após cálculo na forma determinada pela lei; que a partilha, a declaração e o recolhimento do imposto de transmissão seguem os parâmetros fixados pelo fisco, de modo que não se pode falar em ganho de capital, recolhimento a menor do imposto de transmissão, reflexos tributários no âmbito da Receita Federal decorrentes da Lei n. 8.981/95 ou crime de sonegação fiscal; que a exigência parte de transação que inexiste, impõe gasto excessivo e desnecessário ao registro e extrapola o âmbito de competência do Registrador (fls. 120/137).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 150/153).

É o relatório.

No mérito, a apelação comporta provimento. Vejamos os motivos.

Sabe-se que vigora, para os Registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art. 134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994).

Por outro lado, o C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo):

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

Não há determinação, na lei competente, para recolhimento do imposto de transmissão com base no valor venal. Na verdade, a expressão valor venal – de venda – equivale, na prática, ao valor fiscal lançado pela prefeitura para fins de incidência de IPTU.

De fato, a Lei n. 10.705/00, acompanhando o artigo 38 do Código Tributário Nacional, dispõe que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem indicado pelo valor de mercado, desde que não inferior àquele fixado para lançamento do IPTU:

“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação. (…)

Artigo 11 – Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar- se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugná-lo. (…)

Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:

I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”.

O artigo 12, inciso III, da Portaria CAT n. 89, de 26 de outubro de 2020, por sua vez, determina que, quando do registro de alterações na propriedade de imóvel, ocorridas em virtude de transmissão causa mortis realizada por meio de inventário extrajudicial, os Cartórios de Registro de Imóveis deverão exigir cópia da Declaração de ITCMD em que constem os imóveis objetos da transmissão, avaliados conforme o capítulo IV da Lei n. 10.705/2000.

É neste contexto normativo que se aplica o dever de fiscalização imposto aos Registradores, pois a correta declaração é providência essencial para que a Fazenda tenha conhecimento da transmissão e dos valores envolvidos para apurar corretamente a incidência do imposto e exercitar sua pretensão tributária.

No caso concreto, não há controvérsia de que os valores dos bens partilhados foram atribuídos em patamar superior ao valor venal e, também, aos valores lançados pelo falecido em seu imposto de renda, com a devida comunicação ao fisco e recolhimento do imposto de transmissão.

De fato, nos moldes da nota devolutiva de fls. 47/50, a escritura pública de inventário e partilha foi desqualificada em virtude da configuração de quinhões desiguais, mas isto apenas quando se consideram os valores venais dos bens relacionados.

Quando tal consideração é feita com base nos valores atribuídos no título, superiores aos venais, a partilha é equânime e não se constata irregularidade na declaração ou no recolhimento do imposto de transmissão (fls. 01/08 e 47/50).

Vê-se, portanto, que não há qualquer óbice à regularização da propriedade do imóvel pelo ingresso da escritura.

É preciso entender o seguinte: os valores venais lançados pela prefeitura para fins de recolhimento mínimo de IPTU nem sempre coincidem com os valores reais de mercado.

Nada impede que as partes, no negócio jurídico de partilha e em pleno exercício da autonomia privada, atribuam valores distintos aos bens.

Caso a Fazenda Pública observe, em momento oportuno, a irregularidade do lançamento, poderá, por meios próprios, buscar pagamento, sem que isto signifique obstáculo à regularização no registro da propriedade transmitida pela sucessão.

Isso não significa, porém, possa o registrador devolver o título partindo do falso pressuposto de o fato de os valores atribuídos aos bens na partilha não coincidirem com os valores fiscais (venais) implique fraude ou a incidência de nova tributação sobre torna ou doação

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

São Paulo, data registrada no sistema.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

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CSM/SP: Direito registral – Dúvida – Apelação – Registro de imóveis – Arrematação de direitos de compromissário comprador – Posterior lavratura de escritura de compra e venda – ITBI exigido sobre as duas operações – Afastamento da exigência.

Apelação n° 1011161-63.2024.8.26.0223

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1011161-63.2024.8.26.0223
Comarca: GUARUJÁ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1011161-63.2024.8.26.0223

Registro: 2025.0000059102

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011161-63.2024.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante MOACIR STAROSTA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARUJÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve  a participação  dos  Exmos.  Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1011161-63.2024.8.26.0223

Apelante: Moacir Starosta

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarujá

VOTO Nº 43.685

Direito registral – Dúvida – Apelação – Registro de imóveis – Arrematação de direitos de compromissário comprador – Posterior lavratura de escritura de compra e venda – ITBI exigido sobre as duas operações – Afastamento da exigência.

I. Caso em exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa ao registro de escritura pública de compra e venda de imóvel devido à falta de recolhimento do ITBI.

2. Recolhimento do tributo por ocasião do registro anterior, relativo a arrematação de direitos de compromissário comprador sobre o imóvel.

3. Alegação da parte interessada de que já houve pagamento do tributo devido, sendo que nova cobrança configura bitributação.

II. Questão em discussão

4. A questão em discussão consiste em determinar se o ITBI é devido por ocasião do registro de escritura pública de compra e venda, mesmo após já ter sido pago em virtude de registro anterior, de arrematação de direitos reais sobre o imóvel.

III. Razões de decidir

5. A jurisprudência do STJ, do TJSP e do CSM estabelece que o fato gerador do ITBI somente ocorre por ocasião do registro da transferência de propriedade, sendo manifesta a inconstitucionalidade de previsão legal de incidência também em etapas  anteriores como a arrematação.

6. Hipótese em que já houve recolhimento do imposto de transmissão.

IV. Dispositivo e tese

7. Recurso provido.

Tese de julgamento: “1. O ITBI incide apenas no momento da transferência definitiva da propriedade, o que se dá mediante registro de escritura pública de compra e venda ou instrumento equivalente. 2. Não se pode exigir novo recolhimento quando o imposto já houver sido pago em operação anterior, que não implicou alienação da propriedade”.

Legislação e Jurisprudência relevantes citadas:

– CF/1988, art. 156, II; CTN, art. 35, I; Lei Complementar n. 38/97, art. 84, parágrafo único, “a”, “e” e “l”; Lei n. 8.935/1994, art. 28 e art. 30, XI; Lei n. 6.015/73, art. 289.

– STF, ARE n. 1.294.969/SP, Tema 1.124; STJ, REsp n. 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; TJSP, Apelação Cível n. 0039993-95.2009.8.26.0564, Rel. Des. Roberto Martins de Souza.

Trata-se de apelação interposta por Moacir Starosta contra a r. sentença de fls. 269/271, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Guarujá, que manteve recusa ao registro de escritura pública de compra e venda tendo por objeto o imóvel matriculado sob n. 120.174 perante aquela serventia imobiliária pela falta de recolhimento do imposto de transmissão (ITBI), conforme nota de devolução de fl. 09 (prenotação n. 478.576, de 22/07/2024).

A parte apelante alega, em síntese, que, após arrematar direitos de compromisso de compra e venda sobre o bem (cumprimento de sentença de autos n. 0812357-98.1985.8.26.0100, 16ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo), recolheu, por determinação judicial, o imposto de transmissão no valor de R$ 29.018,76 (artigo 84, parágrafo único, “e” e “l”, do Código Tributário Municipal – Lei Complementar n. 38/97); que, após o recolhimento, foram expedidos a carta de arrematação (fl. 53) e o mandado de imissão na posse (fls. 88/89), com ingresso na matrícula (R.6/120.174 – fl. 56); que, para regularizar a propriedade do imóvel, firmou escritura pública de compra e venda com os espólios dos proprietários, Celso Santos Filho e Hernani Azevedo Silva, perante o 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Guarujá, sub- rogando-se nos direitos de Wilson de Almeida Prado (fls. 23/30); que ao levar o título à registro, foi surpreendido por nova exigência tributária sob a alegação da ocorrência de dois fatos geradores distintos; que o fato gerador do ITBI ocorre apenas por ocasião do registro definitivo da transferência de propriedade, nos termos do artigo 35, I, do Código Tributário Nacional; que não havia obrigação de recolhimento de imposto na primeira operação, de mera transmissão de direitos reais sobre o bem; que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que a transmissão imobiliária só se aperfeiçoa com o registro imobiliário (ARE 1.294.969/SP, Tema 1.124); que a nova cobrança configura bitributação (fls. 282/295).

Houve concordância com o julgamento virtual (fl. 322).

A Procuradoria de Justiça, por sua vez, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 326/328).

É o relatório.

No mérito, a apelação comporta provimento.

Vejamos os motivos.

Sabe-se que vigora, para os Registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art. 134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994).

Por outro lado, o C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo):

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114  Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

No caso concreto, verifica-se que a parte interessada arrematou, em hasta pública, direitos de compromisso de compra e venda sobre o imóvel da matrícula n. 120.174 (lote 13 da quadra 50 do Loteamento Jardim Acapulco – fls. 10/13), oportunidade em que, para possibilitar a expedição do mandado de imissão na posse e da carta de arrematação (fl. 84), bem como ingresso perante o Registro de Imóveis, recolheu o ITBI na forma prevista pelo artigo 84, parágrafo único, “e” e “l”, do Código Tributário Municipal (R.6/120.174).

Neste momento, o que pretende é o registro da escritura pública definitiva, de venda e compra, a qual foi outorgada pelos titulares do domínio (1º Tabelião de Notas de Guarujá, Livro 1015, pág. 11/18 – fls. 23/30).

O Oficial entende que, por estarmos diante de hipóteses de incidência diversas (arrematação e transferência da propriedade), o ITBI pode ser exigido com apoio na legislação municipal (fls. 01/02). Esta foi a tese acolhida pela Corregedoria Permanente (fls. 269/271).

A parte, por sua vez, defende que a hipótese de incidência apenas se configura quando da transferência do direito de propriedade, o que se dá pelo registro da escritura pública de compra e venda, sendo que já recolheu o ITBI devido por ocasião da arrematação de direitos reais sobre o bem (fl. 84). Novo pagamento implicaria, assim, bitributação.

O artigo 156, II, da Constituição Federal de 1988, dispõe que compete aos municípios instituir imposto sobre “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como de cessão de direitos a sua aquisição”.

No município de Guarujá, a matéria é regulada pela Lei Complementar n. 38/97, que prevê a incidência do imposto tanto sobre transmissão onerosa inter vivos dos bens imóveis e direitos reais que incidem sobre eles, quanto em casos de cessão de direitos relativos à sua aquisição, arrematação e adjudicação:

Art. 84 O Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis e de direitos reais a eles relativos tem como fato gerador:

I. – A transmissão de bem imóvel por natureza ou por acessão física;

II. – A transmissão de direitos reais sobre bens imóveis exceto os direitos reais de garantia;

III. – A cessão de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.

Parágrafo Único. O imposto incidirá especificamente sobre:

a) a compra e venda;

(…)

e) a arrematação, a adjudicação e a remição;

(…)

l) a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda e de promessa de cessão”.

Verifica-se, portanto, hipótese de incidência tributária sobre a arrematação, o que configura fato gerador diverso da transmissão da propriedade por escritura definitiva, de modo que não há como se falar em bitributação.

A jurisprudência, porém, se assentou em sentido contrário.

De fato, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo – ARE n. 1.294.969, após fixar tese no sentido de que “o fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro” (Tema 1.124), reconheceu, em sede de embargos de declaração, a existência de matéria constitucional e de sua repercussão geral, sem, no entanto, reafirmar jurisprudência.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, seguindo orientação do Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; 1.809.411/MS; AgInt no AREsp 794.303/RS; AgRg no AREsp 813.620/BA; AGA 448.245; ROMS 10.650), vem entendendo que, nos moldes do que determinam o artigo 150, § 7º, da Constituição Federal, e o artigo 1.245 do Código Civil, o ITBI tem incidência e é devido apenas quando a escritura pública de compra e venda (ou instrumento particular, nas hipóteses previstas em lei) é apresentada para registro, na medida em que apenas neste momento se dá efetiva transferência da titularidade do domínio ao comprador (Apelação Cível n. 0039993-95.2009.8.26.0564, Relator: Des. Roberto Martins de Souza).

A respeito da exigência de pagamento antes do registro do título translativo da propriedade, vale colacionar parte do voto supra citado:

“(…) cabe aqui o ensinamento de Kiyoshi Harada: “(…) Convém ressaltar, que a transmissão da propriedade imobiliária só se opera com o registro do título de transferência no registo de imóveis competente, segundo o art. 1.245 do Código Civil, que assim prescreve: “Transfere- se entre vivos a propriedade, mediante registro do título translativo do Registro de Imóveis.’

O §1º desse artigo dispõe enfaticamente que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. Portanto, a exigência do imposto antes da lavratura da escritura de compra e venda ou do contrato particular, quando for o caso, como consta da maioria das legislações municipais, é manifestamente inconstitucional. Esse pagamento antecipado do imposto não teria amparo no §7° do art. 150 da CF, que se refere à atribuição ao ‘sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido’.

“Por isso, o STJ já pacificou sua jurisprudência no sentido de que o ITBI deve incidir apenas sobre transações registradas em cartório, que impliquem efetiva transmissão da propriedade imobiliária (Resp 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; AGA 448.245; ROMS 10.650). Curvamo- nos à jurisprudência remansosa do STJ, reformulando nosso ponto de vista anterior, quer porque inaplicável o §7º do art. 150 da CF em relação ao ITBI, quer porque o fato gerador desse imposto, eleito pelo art. 35, II, do CTN, em obediência ao disposto no art. 156, II, da CF, é uma situação jurídica, qual seja, a transmissão da propriedade imobiliária”.

Em outras palavras, até que haja transmissão efetiva do direito de propriedade, o alienante se mantém como titular do domínio e, por isso mesmo, não se caracteriza hipótese de incidência tributária.

Com apoio em tal entendimento jurisprudencial, este E. Conselho Superior da Magistratura já entendeu como manifesta a inconstitucionalidade das normas municipais que impõem a incidência do ITBI mesmo para casos em que não há transferência de propriedade, o que possibilitaria o seu reconhecimento também na esfera administrativa (Apelação n. 0015683-73.2011.8.26.0590, Relator: Des. José Renato Nalini; Apelação n. 0900016-61.2011.8.26.0577, Relator: Des. José Renato Nalini; Apelação n. 0009528-83.2014.8.26.0223, Relator: Des. Xavier de Aquino).

Neste contexto e como já houve recolhimento do imposto de transmissão de forma antecipada, ou seja, antes da transferência definitiva do direito de propriedade, é possível concluir, com apoio nos precedentes citados acima, como indevida a exigência de novo recolhimento tributário.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

São Paulo, data registrada no sistema.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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CSM/SP: Direito civil – Apelação cível – Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura pública de permuta – Recurso improvido.

Apelação n° 1019483-77.2024.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1019483-77.2024.8.26.0577
Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1019483-77.2024.8.26.0577

Registro: 2025.0000059095

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019483-77.2024.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante ESDRAS CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1019483-77.2024.8.26.0577

APELANTE: E. C. e I. LTDA

APELADO: 1 O. de R. de I. e A. da C. de S. J. dos C.

VOTO Nº 43.678

Direito civil – Apelação cível – Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura pública de permuta – Recurso improvido.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de escritura pública de permuta com torna e constituição de alienação fiduciária em garantia. A apelante alega que as quotas de sociedade em conta de participação permutadas são de titularidade do sócio ostensivo e podem ser objeto de negócios jurídicos, pedindo a reforma da sentença para registro da escritura.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se as quotas de uma Sociedade em Conta de Participação, que não possui personalidade jurídica, podem ser consideradas bens para fins de permuta e se a operação tem por escopo a comercialização de unidade autônoma futura sem o registro da incorporação.

III. Razões de Decidir

3. A permuta exige que bens sejam trocados, mas quotas de sociedade sem personalidade jurídica não podem ser consideradas bens individualizados.

4. A permuta de imóvel por participação societária esconde a real intenção de comercializar unidades autônomas sem prévio registro da incorporação imobiliária, em violação e fraude às normas cogentes da L. 4.591/64.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: 1. Quotas de sociedade sem personalidade jurídica não são bens para fins de permuta. 2. A comercialização de unidades autônomas sem registro de incorporação é vedada.

Legislação Citada:

* Código Civil, art. 104, II; art. 991; art. 992; art. 993.

* Lei nº 4.591/64, art. 32; art. 65.

Trata-se de apelação interposta por Esdras Construtora e Incorporadora Ltda. contra a r. sentença de fls. 137/140, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registo de Imóveis e Anexos de São José dos Campos, que negou o registro de escritura pública de permuta com torna e constituição de alienação fiduciária em garantia.

Alega a apelante, em síntese, que as quotas permutadas não são de propriedade da Sociedade em Conta de Participação (SCP), que não possui personalidade jurídica, e sim do sócio ostensivo, que ostenta a titularidade  dos direitos e obrigações decorrentes da sociedade, de modo que as quotas representam direitos que podem ser objeto de negócios jurídicos. Sustenta que o uso de quotas como forma de pagamento é prática comum no mercado e deve ser admitido como válido. Afirma que o princípio da autonomia permite que as quotas de participação do sócio da Sociedade em Conta de Participação sejam tratadas como ativos com valor econômico, podendo, portanto, ser objeto de permuta. Diz, ainda, que a primeira nota devolutiva não abordou questão relativa à inviabilidade da permuta envolvendo as quotas. Pede, ao final, a concessão de tutela de urgência e de efeito suspensivo à sentença, bem como a sua reforma para que seja determinado o registro da escritura pública (fls. 159/182).

O pedido de tutela de urgência e o efeito suspensivo requeridos foram negados (fls. 198/199).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 205/206).

É o relatório.

De início, cabe frisar que o apresentante de um título não tem direito adquirido à inscrição caso cumpra as exigências constantes na nota devolutiva.

Embora idealmente o registrador deva formular eventuais exigências de uma só vez[1], em nota devolutiva única, é evidente que lhe cabe, ao constatar irregularidade no título não vislumbrada no primeiro exame, indicá-la em uma segunda nota devolutiva, e não simplesmente ignorar a falha percebida.

Por esse motivo, pouco importa se na primeira nota devolutiva exigiu-se tão-somente o reconhecimento de firma das testemunhas do instrumento (fls. 107/108); constatada irregularidade em momento posterior era dever da Oficial indicá-la (fls. 102/104).

A escritura pública de permuta apresentada a registro tem como partes, de um lado, E. Carone Empreendimentos Imobiliários Ltda., e de outro, Esdras Construtora e Incorporadora Ltda. (fls. 40/51). De acordo com o instrumento, E. Carone Empreendimentos Imobiliários Ltda. entregará a Esdras Construtora e Incorporadora Ltda. imóvel de sua propriedade, matriculado sob nº 85.520 no 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos, avaliado em R$ 38.525.000,00, e recebeu desta última trinta e quatro quotas de uma Sociedade em Conta de Participação, avaliadas em R$ 20.000.000,00, e o valor de R$ 18.525.000,00 a ser pago nas condições descritas na escritura (fls. 40/51).

A desqualificação, mantida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, se deve ao fato de o objeto da permuta envolver quotas de sociedade que não possui personalidade jurídica. Segundo a Oficial e o MM. Juiz Corregedor Permanente, o negócio jurídico infringe o art. 104, II, do Código Civil[2], por dois motivos distintos: em primeiro, porque sociedade em conta de participação não possui nem capital social nem autonomia patrimonial, de forma que o objeto da avença não pode ser tido como possível; em segundo, porque há indícios de que cada uma das trinta e quatro quotas da sociedade em conta de participação corresponde a uma unidade futura de empreendimento imobiliário, de forma que a negociação delas estaria ocorrendo sem o registro da incorporação imobiliária. O objeto da avença seria ilícito, portanto.

E a dúvida realmente é procedente.

De acordo com Nelson Rosenvald, “denomina-se permuta, troca escambo, barganha ou permutação a relação transacional pela qual uma das partes se obriga a entregar um bem para receber outro, que será entregue pela contraparte” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência : Lei n. 10.406 de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. – 11. Ed. Rev. E atual. – Barueri, SP : Manole, 2017, p. 554).

Embora a torna em dinheiro não a descaracterize, a permuta exige que bens sejam trocados. Isso, no entanto, não ocorre no caso em análise, em que um bem imóvel é trocado por quotas de sociedade em conta de participação. Com efeito, quotas de sociedade sem personalidade jurídica, cuja constituição independe de qualquer formalidade (art. 992 do Código Civil), não podem ser considerados bens singulares e passíveis de individualização.. Como o objeto social de uma sociedade em conta de participação é exercido unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome e sob sua responsabilidade (art. 991 do Código Civil), não há como conceber que parte do capital social dessa sociedade não personificada, cujo contrato social produz efeito apenas entre os sócios (art. 993 do Código Civil), possa ser considerada bem identificado ou identificável para fins de permuta.

Sobre a sociedade em conta de participação, ensina Marcelo Fortes Barbosa Filho:

Celebrado o contrato de sociedade e adotada a fórmula típica prevista para a conta de participação, não se produz qualquer exteriorização, pois, em se tratando de um sociedade despersonificada, uma sociedade-contrato, que efetiva todo relacionamento com terceiros é o sócio ostensivo (…). As relações internas, dada sua natureza contratual, restam regradas pelas cláusulas acordadas, limitando-se os efeitos do negócio celebrado às partes, ou seja, aos sócios. Os terceiros se mantêm alheios à conta de participação, não podendo extrair dela eficácia” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406 de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. – 11. Ed. Rev. E atual. – Barueri, SP : Manole, 2017, p. 954/955).

Essa falta de exteriorização dos atos societários, com terceiros alheios à conta de participação, mostra que as quotas sociais indicadas na escritura não se caracterizam como objeto individualizado possível, determinado ou determinável para um contrato de permuta.

O segundo óbice, relacionado aos indícios de que as quotas da sociedade em conta de participação correspondem a unidades futuras de empreendimento imobiliário, também se sustenta.

Na suscitação da dúvida inversa, a ora apelante destacou:

“Considerando as práticas de mercado relativas ao negócio jurídico firmado, as quotas societárias são definidas como participações do patrimônio especial da SCP, para fins, posteriores, de liquidação da sociedade e distribuição dos lucros e resultados, convertendo-se cada quota em uma unidade imobiliária ao final do empreendimento, a qual fará jus o sócio participante que a possuir, desde que esteja regular com os aportes” (fls. 12).

E o próprio instrumento público levado a registro, em que as quotas de Sociedade em Conta de Participação são indicadas em numeração não sequencial (“quotas de nºs 211, 212, 215, 216, 217, 218, 221, 222, 223, 224, 227, 228, 230, 234, 236, 240, 242, 246, 248, 252, 254, 258, 380, 416, 417, 418, 419, 420, 421, 422, 427, 428, 429 e 430” – fls. 41), levam à conclusão de que a permuta de imóvel por participação societária esconde a real intenção dos contratantes, que é a comercialização de unidades autônomas de empreendimento imobiliário futuro.

Antes do registro da incorporação, porém, a vedação a esse tipo de comercialização é conhecida. Nesse sentido o art. 32 da Lei nº 4.591/64:

Art. 32. O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos: (…) Aliás, a Lei nº 4.591/64 protege os adquirentes de futuras unidades autônomas a tal ponto, que a comercialização delas sem o prévio registro da incorporação é considerada crime contra a economia popular:

Art. 65. É crime contra a economia popular promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sôbre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sôbre a construção das edificações.

PENA – reclusão de um a quatro anos e multa de cinco a cinqüenta vêzes o maior salário-mínimo legal vigente no País.

§ 1º lncorrem na mesma pena:

I – o incorporador, o corretor e o construtor, individuais bem como os diretores ou gerentes de emprêsa coletiva incorporadora, corretora ou construtora que, em proposta, contrato, publicidade, prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou aos condôminos, candidatos ou subscritores de unidades, fizerem afirmação falsa sôbre a constituição do condomínio, alienação das frações ideais ou sôbre a construção das edificações;

II – o incorporador, o corretor e o construtor individuais, bem como os diretores ou gerentes de emprêsa coletiva, incorporadora, corretora ou construtora que usar, ainda que a título de empréstimo, em proveito próprio ou de terceiros, bens ou haveres destinados a incorporação contratada por administração, sem prévia autorização dos interessados.

Percebe-se, desse modo, que o registro da escritura de permuta daria ensejo à alienação de quotas que correspondem a futuras unidades autônomas, sem que a apelante, incorporadora, tenha registrado a incorporação imobiliária.

Caso acolhido o registro, nada impediria que o credor da entrega das unidades futuras passasse a cede-los a terceiros, em verdadeiro negócio indireto em fraude às normas cogentes da L. 4.591/64.

A alegação de que o registro pretendido caracteriza modelo de negócio diverso não convence. Com efeito, a Lei nº 4.591/64 em momento algum dispensa a inscrição da incorporação imobiliária na hipótese de o incorporador pretender alienar futuras unidades autônomas. Não há previsão no sentido de que a operação relativa à venda de futuras unidades autônomas possa ser realizada por meio de negociação de quotas de sociedade que sequer possui personalidade jurídica. E o fato de isso ocorrer na prática, como é alegado na suscitação da dúvida e no recurso, não é motivo para que se permita que a irregularidade constatada seja objeto de inscrição no registro imobiliário.

Finalmente, considerando o pleito formulado pelo Ministério Público a fls. 103 e seu indeferimento na sentença (fls. 138/139), remetam-se cópias das principais peças do processo ao Ministério Público, para apuração de eventual cometimento de crime, e à Secretaria de Assuntos Jurídicos da Prefeitura Municipal de São José dos Campos.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, com observação.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Nesse sentido, o item 38 do Capítulo XX das NSCGJ: “É dever do Registrador proceder ao exame exaustivo do título apresentado. Havendo exigências de qualquer ordem, deverão ser formuladas de uma só vez, por escrito, de forma clara e objetiva, em formato eletrônico ou papel timbrado do cartório, com identificação e assinatura do preposto responsável, para qu satisfazê-las ou requerer a suscitação de dúvida ou procedimento administrativo”.

[2] Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Fonte: DJe/SP 03.02.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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