Registro de Imóveis – Processo extrajudicial de usucapião – Consulta – Emolumentos devidos pela lavratura e expedição de certidão de interior teor do processo extrajudicial – Parecer pela aplicação do item 11 da tabela II (ofício de registro de imóveis) anexa à Lei Estadual nº 11.331/2002.

Registro de Imóveis – Processo extrajudicial de usucapião – Consulta – Emolumentos devidos pela lavratura e expedição de certidão de interior teor do processo extrajudicial – Parecer pela aplicação do item 11 da tabela II (ofício de registro de imóveis) anexa à Lei Estadual nº 11.331/2002.

Número do processo: 10698

Ano do processo: 2020

Número do parecer: 192

Ano do parecer: 2021

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2020/10698

(192/2021-E)

Registro de Imóveis – Processo extrajudicial de usucapião – Consulta – Emolumentos devidos pela lavratura e expedição de certidão de interior teor do processo extrajudicial – Parecer pela aplicação do item 11 da tabela II (ofício de registro de imóveis) anexa à Lei Estadual nº 11.331/2002.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

1. Instaurou-se este expediente em cumprimento à determinação posta a fl. 43 dos autos de recurso administrativo nº 108504667.2019.8.26.0100, para examinar-se a questão concernente à cobrança por extração de cópias e expedição de certidão de processos em trâmite perante os ofícios de registro de imóveis.

Como se vê nas peças do dito recurso administrativo (fl. 16), em 17 de dezembro de 2019 esta Corregedoria Geral da Justiça houve por bem revogar a autorização de cobrança de despesa pela extração de cópia destinada à expedição de certidão de inteiro teor de processo administrativo de declaração extrajudicial de usucapião.

Essa decisão foi proferida em consulta formulada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, na forma do art. 29 da Lei Estadual nº 11.331, de 26 de dezembro de 2002 (fl. 17/19). Segundo o consulente, um interessado requereu a expedição de certidão da íntegra de um processo de usucapião extrajudicial, ao custo, na época, de R$ 52,85, segundo o item 11 da tabela II (ofícios de registro de imóveis) anexa à Lei de Emolumentos. Atendendo essa solicitação, o cartório forneceu em forma de certidão a integralidade dos autos ao preço de uma certidão, conquanto tenham sido necessárias 465 folhas (fl. 20/22). À semelhança desse caso, existem outros processos em trâmite no ofício de registro, alguns com mais de mil e quinhentas páginas. Nesse contexto, não é razoável que, em requerimentos dessa natureza, seja feita a cobrança de uma única certidão, pois tal montante não corresponde ao parâmetro posto pelo art. 5º da Lei nº 11.331/2002. Ressalta-se que a certidão é passada em papel de segurança, o que eleva o custo de cada folha, e afirma-se que a situação seria diferente, se o interessado pedisse a certidão conforme quesitos, pois aí o documento seria elaborado pelo cartório, mas não estaria formado por cópias extraídas dos autos. Conclui o consulente solicitando que, para atender-se ao efetivo custo e à adequada remuneração pelo serviço prestado, por analogia (antigo item 19 do Capítulo XIII das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais – NSCGJ) poderia ser adotada a solução vigente no tabelionato de notas para a instrumentalização das cartas de sentença notariais ou, então, o disposto no Provimento nº 2.516, de 18 de julho de 2019, do Conselho Superior da Magistratura – CSM (fl. 23/24).

A Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP manifestou-se (fl. 27/29) aduzindo que fornecer a integralidade dos autos de usucapião extrajudicial ao preço de uma única certidão é coisa contrária ao art. 5º da Lei Estadual de Emolumentos, uma vez que costuma ser elevado o número de peças, e o valor cobrado não é suficiente para pagar o papel utilizado. Assim, a solução mais adequada é a trazida, subsidiariamente, pelo Provimento CSM nº 2.516/2019, dada a semelhança entre a tramitação da usucapião na via judicial e perante o ofício de registro de imóveis. Ressalta a ARISP que essa providência facilitará ao povo o conhecimento acerca do processo extrajudicial, por franquear o acesso aos processos e a informação sobre o que é necessário para obter a usucapião pelo caminho administrativo. Desse modo, opinou-se, com fundamento no art. 10 da Lei nº 11.331/2002, pela aplicação do disposto nos arts. 4º a 6º do Provimento CSM nº 2.516/2019, com a incidência, no caso do art. 6º, do item 11 da tabela II anexa à Lei de Emolumentos. Além disso, custos para obtenção de cópias especiais (e. g., plantas de levantamento planialtimétrico) têm de ser suportados pelo interessado, à parte.

Decidiu a MM.ª Juíza Corregedora Permanente (fl. 30/32 e 36) que em matéria de emolumentos a Lei nº 11.331/2002, art. 5º, realmente prescreve uma adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados. Dessa forma, considerando-se que os autos de usucapião extrajudicial são volumosos, não é razoável que a certidão envolvendo cópia integral do feito seja passada pelo único valor (à época) de R$ 52,85; a necessidade de manter-se o equilíbrio econômico da atividade, o uso de papel de segurança e o tempo despendido para a confecção do documento justificam remuneração diferenciada, ou seja, o pagamento segundo os critérios postos nos arts. 4º e (sic) 6º do Provimento CSM nº 2.516/2019, com incidência, para o caso do art. 6º, do item 11 da tabela II anexa à Lei de Emolumentos.

A r. sentença foi submetida a esta Corregedoria Geral da Justiça, não só por força de recurso administrativo (fl. 39/47 e 48), como também por conta de remessa da própria MM.ª Juíza Corregedora Permanente (fl. 32 e 36). Como dito, decidiu-se então que os valores previstos no Provimento CSM nº 2.516/2019 eram inaplicáveis à espécie, e que eram necessários estudos que permitissem fixar o valor do reembolso, o qual tem de corresponder ao da efetiva despesa com a extração das cópias (parecer a fl. 53/58 e decisão a fl. 59). Das razões de decidir consta que, como elucidam o art. 10 da Lei nº 11.331/2002 e o parágrafo único do art. 26 do Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça – CNJ, não há ilegalidade em fixar-se o valor devido pela remuneração da prática de ato notarial ou de registro, quando não houver previsão nas tabelas que integram a Lei de Emolumentos. Fato é, portanto, que o requerente tem de fazer frente às despesas com cópias necessárias às notificações (Provimento CNJ nº 65/2017, art. 4º, § 2º); as cópias solicitadas por terceiros, a seu turno, ainda quando solicitadas em forma de certidão, têm de ser pagas por quem as tenha solicitado. Contudo, o Provimento CSM nº 2.516/2019 prevê o custo do Tribunal de Justiça para a extração de cópia reprográfica simples, montante que pode não corresponder às despesas dos cartórios, de modo que não é possível a aplicação analógica. O reembolso tem de ser congruente com o efetivo valor da despesa, pois não consiste em remuneração pela expedição da certidão, para o que existe valor previsto na Lei nº 11.331/2002.

Desfeita a r. sentença da Corregedoria Permanente (fl. 30/32, 36 e 59), a ARISP tornou a ser ouvida, reiterando o que já manifestara (fl. 86). Veio aos autos decisão da 1ª Vara de Registros Públicos (fl. 96/97), motivada por nova provocação do 4º Ofício de Registro de Imóveis da Capital (fl. 98/99), no sentido de que não lhe cabe estabelecer valor ou critério em âmbito estadual, para a cobrança das cópias (cf. também fl. 106/107).

É o relatório.

Opino.

2. O problema colocado nestes autos consiste em saber se aquele que requer uma certidão de inteiro teor de um processo extrajudicial de usucapião tem de pagar o valor correspondente a uma só certidão, independentemente do número de folhas dos relativos autos, ou se pode dar-se outra forma de cobrança, mais consentânea com o efetivo tamanho da certidão passada.

A solução do ponto depende de compreender-se, com clareza, que “inteiro teor” não é sinônimo de “cópia” ou “reprodução gráfica integral”.

Sobre os “registros” (= matrículas, registros stricto sensu, averbações, prenotações, indicações reais e indicações pessoais), os oficiais de registro de imóveis (a) são obrigados a lavrar certidão do que lhes for requerido (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 16, nº 1º), (b) a qualquer pessoa que o requeira (art. 17, caput), (c) independentemente de provisão (art. 18, 1ª parte), e (d) em inteiro teor, ou em resumo, ou em relatório, conforme quesitos (art. 19, caput). Nesse contexto, como se sabe, a praxe do foro extrajudicial não tem nenhuma dificuldade em fazer lavrar a certidão de inteiro teor mediante a mera cópia da íntegra do assento, seja mediante meio reprográfico (art. 19, § 1º), seja mediante a produção de um documento eletrônico (arts. 1º, § 3º, e 17, parágrafo único). Todavia, essa reprodução gráfica da íntegra do assento, em qualquer das modalidades apontadas (= ou por reprografia, ou por meio eletrônico), conquanto seja a solução usual, não é essencial para caracterizar-se a certidão de inteiro teor, que pode ser extraída de outras maneiras (cf., e. g., o “meio datilográfico” ainda referido no art. 19, § 1º, da Lei de Registros Públicos), contanto que, evidentemente, acabe por dar a conhecer todo o teor da inscrição.

A mesma compreensão aplica-se à certidão de inteiro teor de autos de processos que tramitem no ofício de registro de imóveis. Tratando-se de processos, ao que se saiba nunca se entendeu que a certidão de inteiro teor implicasse, necessariamente, a cópia gráfica dos autos inteiros. Tanto é assim que – para tirar um exemplo do regulamento de São Paulo – as Normas de Serviço desta Corregedoria, baixadas para a disciplina dos ofícios de justiça (art. 104), dizem expressamente que as certidões em breve relatório (dentre elas, as de objeto e pé) e em inteiro teor são passadas “com base nos assentamentos constantes do sistema informatizado (…) admitida, de qualquer forma, a consulta aos autos de processos em andamento ou findos, livros ou papéis” – vale dizer: não se pressupõe que o inteiro teor do processo seja dado a conhecer pela reprodução dos autos.

Dada essa premissa (i. e., “inteiro teor” e “cópia” são coisas distintas, quando se cuida de uma certidão), pode-se solucionar, então, o problema posto.

Se alguém pede certidão de inteiro teor dos autos de processo extrajudicial de usucapião, o oficial de registro de imóveis está obrigado a dá-la, é certo. Ao registrador, entretanto, caberá decidir qual modo será adotado: o “inteiro teor” será dado a conhecer ou mediante a descrição, em forma narrativa, dos atos e termos do processo (como se faz, hoje, no judicial), ou mediante a entrega de reprodução integral dos autos – e, nesse último caso, não pode transferir ao usuário o custo adicional que as cópias implicam.

Em suma: pela certidão de inteiro teor de um processo extrajudicial de usucapião, realmente só podem ser cobrados os emolumentos correspondentes a uma certidão (item 11 da tabela II ? ofícios de registro de imóveis, anexa à Lei nº 11.331/2002), seja qual for o modo pelo qual o oficial de registro de imóveis optar por expedi-la (em forma narrativa, ou mediante cópia integral dos relativos autos).

3. Diante do exposto, o parecer que respeitosamente exponho ao elevado critério de Vossa Excelência é pela resposta à consulta (fl. 17/19 e 98/99) na forma apontada (pela certidão de inteiro teor de um processo extrajudicial de usucapião são devidos os emolumentos segundo item 11 da tabela II – ofícios de registro de imóveis, anexa à Lei nº 11.331/2002, seja qual for o modo pelo qual o oficial de registro de imóveis optar por expedi-la, isto é, seja em forma narrativa, ou mediante cópia integral dos relativos autos).

Sub censura.

São Paulo, 11 de junho de 2021.

Josué Modesto Passos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria por seus fundamentos, que adoto. Encaminhe-se cópia do parecer e desta decisão ao consulente (4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo). Publique-se. São Paulo, 24 de junho de 2021. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça.

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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STJ: Tributário – Recurso Especial – ITCMD – Valores recebidos por beneficiário de plano VGBL individual – Vida gerador de benefício livre, em decorrência da morte do segurado – Natureza de seguro de vida – Não incidência do ITCMD – Recurso especial não provido.

Tributário – Recurso Especial – ITCMD – Valores recebidos por beneficiário de plano VGBL individual – Vida gerador de benefício livre, em decorrência da morte do segurado – Natureza de seguro de vida – Não incidência do ITCMD – Recurso especial não provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1984242 – RS (2021/0059247-1)

RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

RECORRENTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROCURADORES : ANASTAZIA NICOLINI CORDELLA – RS027848

RICARDO ANTÔNIO LUCAS CAMARGO – RS032364

RECORRIDO : JAROSLAVA HASEK – ESPÓLIO

REPR. POR : VANESSA TAVORA PICCIOLO BATISTA – INVENTARIANTE

ADVOGADO : JOSÉ LUIZ DE ARAÚJO AYMAY – RS083849

EMENTA

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ITCMD. VALORES RECEBIDOS POR BENEFICIÁRIO DE PLANO VGBL INDIVIDUAL – VIDA GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE, EM DECORRÊNCIA DA MORTE DO SEGURADO. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. NÃO INCIDÊNCIA DO ITCMD. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

DECISÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Trata-se de recurso especial interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional e interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCD. APLICAÇÕES EM VGBL. NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO.

O Vida Garantidor de Benefício Livre – VGBL, é um seguro de vida individual que tem por objetivo pagar uma indenização ao segurado, sob a forma de renda ou pagamento único. Desse modo, por possuir natureza jurídica de seguro pessoal, não pode ser considerado como herança, nos termos do artigo 794 do Código Civil. Afastada a incidência do ITCD sobre os valores advindos do seguro, por não se enquadrar nas hipóteses de incidência do tributo previstas no art. 2o da Lei Estadual n. 8.821/89. Precedentes do E. STJ e desta Corte.

APELO DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.

Não foram opostos embargos de declaração.

No recurso especial, o recorrente alega, além da divergência jurisprudencial, violação do art. 794 do Código Civil, sustentando que o Vida Garantidor de Benefício Livre (VGBL) é uma modalidade de plano previdenciário privado, fato que justifica a tributação pelo ITCMD.

Não houve contrarrazões.

É o relatório. Passo a decidir.

Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado pelo ora recorrido pleiteando o reconhecimento da ilegalidade da cobrança do ITCD sobre valores aplicados em VGBL.

No presente, o ente objetiva a reforma do acórdão recorrido a fim de fazer incidir o tributo sobre os valores recebidos a título de VGBL.

A insurgência não merece prosperar.

Isso porque o acórdão recorrido está em consonância com a recente jurisprudência deste e.STJ, segundo a qual os valores a serem recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do segurado contratante de plano VGBL, não se consideram herança, mas seguro de vida, e, portanto, ficam excluídos da base de cálculo do ITCMD.

No mesmo sentido:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ITCMD. VALORES RECEBIDOS POR BENEFICIÁRIO DE PLANO VGBL INDIVIDUAL – VIDA GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE, EM DECORRÊNCIA DA MORTE DO SEGURADO. NÃO INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 280 E 284/STF E 5 E 7/STJ. NATUREZA LEGAL DA CONTROVÉRSIA. PLANO VGBL. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. NÃO INCIDÊNCIA DO ITCMD. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.

I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.

II. Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, objetivando reconhecer a “inexigibilidade da inclusão do seguro de vida VGBL em nome do falecido em sua sobrepartilha e da cobrança do ITCD sobre o seguro”. O Juízo singular concedeu a segurança, “para, reconhecendo a ilegalidade da cobrança do ITCD sobre valores aplicados em VGBL, determinar que o impetrado se abstenha de incluir estes valores na base de cálculo” do tributo. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença.

III. No acórdão recorrido não houve discussão e decisão fundamentada a respeito da legislação estadual que dispõe sobre o ITCMD. O aresto impugnado extraiu sua conclusão a partir apenas da interpretação do art. 794 do CC/2002 – que dispõe que o seguro de vida não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança, para todos os efeitos de direito – e do conceito de VGBL Individual – Vida Gerador de Benefício Livre constante do site da SUSEP. No acórdão recorrido, o Tribunal de origem apenas transcreve o art. 1º do Decreto estadual 33.156/89, mas o faz lateralmente, en passant, sem sobre ele emitir qualquer consideração ou dele extrair qualquer fundamentação que o levasse a negar provimento à Apelação do Estado do Rio Grande do Sul. Em termos lógicos, o acórdão recorrido está estruturado em três premissas: i) o ITCMD incide sobre a transmissão causa mortis, isto é, sobre os bens que se transmitem pela sucessão hereditária; ii) o art. 794 do CC/2002 estabelece que o seguro de vida, para todos os efeitos, não se considera herança; e iii) o VGBL consiste em seguro de vida. É da conjugação dessas três premissas que a Corte extraiu a conclusão de que o VGBL não pode ser tributado pelo ITCMD. Revela-se patente, pois, que a discussão central do presente feito gira em torno da correta interpretação do art. 794 do CC/2002, dispositivo que o Tribunal de origem fez incidir, na espécie, e que o Estado do Rio Grande do Sul pretende afastar, no Recurso Especial.

IV. Poder-se-ia cogitar da incidência da Súmula 284/STF, na espécie, ao fundamento de que o art. 794 do CC/2002 não teria comando suficiente a sustentar a pretensão do Estado do Rio Grande do Sul. A esse argumento, é possível acrescentar outro na mesma linha.

Dir-se-ia que, em se tratando de causa tributária, o art. 794 do CC/2002 deveria ser conjugado com outros dispositivos do Código Tributário Nacional, como os arts. 109 e 110, ou até mesmo com outros dispositivos de lei federal, como os arts. 79 e 83 da Lei 11.196/2005. Há nisto, porém, um equívoco. Em lição lapidar, o Ministro ARI PARGENDLER, no REsp 324.638/SP (DJU de 25/06/2001) anotou que “o recurso especial interposto pela letra ‘a’ supõe a indicação da norma que foi aplicada sem ter incidido, ou que deixou de ser aplicada não obstante tenha incidido, ou que, muito embora tenha incidido, foi mal aplicada, por interpretação errônea; e o respectivo conhecimento implica, sempre, o provimento para afastar a norma que foi aplicada sem ter incidido, ou para aplicar a norma que deixou de ser aplicada a despeito de ter incidido, ou para dar a norma, incidente e aplicada, a melhor interpretação”. No caso concreto, o Tribunal de origem, assentando a incidência do art. 794 do CC/2002, aplicou-o à espécie, daí por que o ente público, supondo a não incidência do aludido dispositivo legal, toma-o por violado.

O ente público recorrente, consoante a lição do Ministro ARI PARGENDLER, indicou como violada a “norma que foi aplicada sem ter”, no seu entendimento, “incidido”. Irreprochável, portanto, a admissibilidade do Recurso Especial, ante a Súmula 284/STF.

V. Alguns Estados editaram leis prevendo expressamente a incidência do ITCMD sobre o VGBL. Em casos tais, não cabe a esta Corte Superior verificar a compatibilidade da lei local com a lei federal. Com efeito, “nos casos em que há conflito entre lei local e lei federal, a questão só pode ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da EC 45/2004, que passou para a Corte Suprema a competência para apreciar, em Recurso Extraordinário, as decisões que julgarem válida lei local contestada em face de lei federal (art. 102, III, d da CF)” (STJ, AgInt no AREsp 1.588.963/RJ, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), PRIMEIRA TURMA, DJe de 20/05/2021). Isso não se dá, porém, no caso concreto, em que a legislação estadual, como transcrita no acórdão recorrido, é genérica, prevendo a incidência do ITCMD sobre a) propriedade ou domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos; e b) bens móveis, títulos e créditos, bem como dos direitos a eles relativos, além de ela não ter sido debatida, no aresto recorrido, que dela não extraiu fundamento para a sua conclusão.

VI. A Segunda Turma do STJ, em sessão virtual encerrada em 29/03/2021, no julgamento do AgInt no AREsp 1.702.870/RS, de relatoria do Ministro FRANCISCO FALCÃO (DJe de 06/04/2021), deixou de conhecer de Recurso Especial versando questão idêntica à que ora se apresenta. Na oportunidade, o Relator afirmou que “a irresignação do recorrente acerca da incidência de ITCMD sobre o plano VGBL, vai de encontro às convicções do julgador a quo, que, com lastro no conjunto probatório constante dos autos, ou seja, as cláusulas do contrato, decidiu que o plano específico se enquadra na categoria de seguro pessoal, sendo aplicável o art. 794 do CC”. O entendimento, porém, respeitosamente, merece ser revisto. A questão posta no Recurso Especial é de direito, ou seja, a de saber se podem ser tributados pelo ITCMD os valores recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do titular de plano VGBL, produto financeiro profundamente regulamentado e padronizado. Assim posta a questão, ressai irrelevante a análise da situação fática concreta ou dos termos contratuais, razão pela qual deve ser afastado o óbice da Súmula 7/STJ e, até mesmo, o da Súmula 5/STJ.

VII. A par das razões técnicas acima apontadas, o conhecimento do Apelo traz vantagens institucionais. A controvérsia tem potencial multiplicador e pode ensejar decisões divergentes nos diversos Tribunais de Justiça do país. Prova disso é o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, apontado como paradigma, no Recurso Especial. Desse modo, o julgamento do mérito, por este Superior Tribunal de Justiça, permite o incremento de segurança jurídica, seja qual for o resultado, ao mercado financeiro, setor da atividade econômica que presumivelmente movimenta cifras elevadas, contribuindo para o desenvolvimento nacional.

VIII. Consoante esclarece a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro, “o VGBL Individual – Vida Gerador de Benefício Livre é um seguro de vida individual que tem por objetivo pagar uma indenização, ao segurado, sob a forma de renda ou pagamento único, em função de sua sobrevivência ao período de diferimento contratado”.

IX. Não é outro o entendimento da Quarta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, para a qual o VGBL “tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida” (AgInt nos EDcl no AREsp 947.006/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), QUARTA TURMA, DJe de 21/05/2018). No julgamento do AgInt no AREsp 1.204.319/SP – no qual a Corte de origem concluíra pela natureza securitária do VGBL, não podendo ele ser incluído na partilha -, a Quarta Turma do STJ fez incidir a Súmula 83/STJ, afirmando que “o entendimento da Corte Estadual está em harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema. Incidência da Súmula 83 do STJ” (STJ, AgInt no AREsp 1.204.319/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 20/04/2018).

X. Embora tratando de questão tributária diversa, a Segunda Turma do STJ, no REsp 1.583.638/SC (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 10/08/2021), já teve a oportunidade de assentar que o plano VGBL constitui espécie de seguro. Também tratando de questão diversa, a saber, a constitucionalidade da cobrança de alíquotas diferenciadas de CSLL para empresas de seguros, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.485/DF (Rel. Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, DJe de 03/07/2020), já teve a oportunidade de afirmar, em obiter dictum, a natureza securitária do VGBL.

XI. Assim, não apenas a jurisprudência reconhece a natureza de seguro do plano VGBL, mas também a própria agência reguladora do setor econômico classifica-o como espécie de seguro de vida. Resta evidente, pois, que os valores a serem recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do segurado contratante de plano VGBL, não se consideram herança, para todos os efeitos de direito, como prevê o art. 794 do CC/2002. Nesse sentido: STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.618.680/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 11/09/2018; AgInt nos EDcl no AREsp 947.006/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), QUARTA TURMA, DJe de 21/05/2018.

XII. Reforça tal compreensão o disposto no art. 79 da Lei 11.196/2005, segundo o qual, no caso de morte do segurado, “os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante”.

XIII. Não integrando a herança, isto é, não se tratando de transmissão causa mortis, está o VGBL excluído da base de cálculo do ITCMD. Nessa linha, a Resposta à Consulta Tributária 5.678/2015, em que o Fisco paulista conclui pela não incidência do ITCMD, na espécie.

XIV. Registre-se que, em precedentes recentes, a Terceira Turma do STJ tem reconhecido a natureza de “investimento” dos valores aportados ao plano VGBL, durante o período de diferimento, assim entendido “o período compreendido entre a data de início de vigência da cobertura por sobrevivência e a data contratualmente prevista para início do pagamento do capital segurado” (art. 5º, XXI, da Resolução 140/2005, do Conselho Nacional de Seguros Privados), de modo que seria possível a sua inclusão na partilha, por ocasião da dissolução do vínculo conjugal. Reconhece, ainda, que “a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante, no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumular ao longo da vida”. Nesse sentido: STJ, REsp 1.880.056/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 22/03/2021; REsp 1.698.774/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 09/09/2020.

XV. O aludido entendimento, contudo, não parece contradizer a tese ora esposada. Primeiro, porque ali estava em questão, não o art. 794, mas o art. 1.659, VII, do CC/2002, que dispõe sobre os bens excluídos do regime da comunhão parcial de bens. Em segundo lugar, porque, com a morte do segurado, sobreleva o caráter securitário do plano VGBL, sobretudo com a prevalência da estipulação em favor do terceiro beneficiário, como deixa expresso o art. 79 da Lei 11.196/2005.

XVI. Não se descarta a hipótese em que o segurado pratique atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do ITCMD. Nesse caso, incumbe à Administração tributária comprovar a situação e efetuar o lançamento tributário, nos termos do parágrafo único do art. 116 do CTN. Isto, porém, não foi o que ocorreu, na espécie, não tendo o Estado agitado qualquer alegação nesse sentido.

XVII. Recurso Especial conhecido e improvido. (REsp 1961488/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 17/11/2021)

Ante o exposto, com fulcro no art. 932, IV, do CPC/2015 c/c o art. 255, § 4º, II, do RISTJ, nego provimento ao recurso especial.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 10 de fevereiro de 2022.

MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

Relator – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.984.242 – Rio Grande do Sul – 2ª Turma – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 14.02.2022

Fonte: INR Publicações.

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Ministro Barroso estende até 30 de junho decisão que suspendeu despejos e desocupações

Ele destacou que, com a progressiva superação da pandemia, o papel do STF sobre a temática deve se esgotar e fez um apelo ao Congresso para que delibere sobre uma transição pós-pandemia, para evitar uma crise humanitária.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), estendeu até 30 de junho a vigência de lei aprovada pelo Congresso Nacional que suspendeu os despejos e as desocupações, em razão da pandemia da Covid-19. Na decisão, que vale para áreas urbanas e rurais, o ministro destacou que, com a progressiva superação da pandemia, o papel do STF sobre a temática deve se esgotar.

Barroso fez um apelo ao Congresso para que delibere a respeito da política fundiária e habitacional do país e manifestou preocupação com o cenário pós-pandemia. Ele defendeu que se estabeleça um regime de transição para evitar que a realização de reintegrações de posse por todo o país em um mesmo momento gere uma situação de crise humanitária.

“A conjuntura demanda absoluto empenho de todos os órgãos do poder público para evitar o incremento expressivo do número de desabrigados”, disse o ministro.

A decisão foi tomada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828.

Barroso destacou que, embora se observe no Brasil a melhora do cenário da pandemia – com a evolução da vacinação e a redução do quantitativo de óbitos e de novos casos -, ainda não se verifica um cenário de normalização. A tendência é de queda, mas ainda há um número considerável de mortos e novos contaminados todos os dias e, no cenário internacional, há notícias de que os casos voltaram a subir em alguns países, frisou.

Sob o ponto de vista socioeconômico, na avaliação do ministro, a medida é urgente tendo em vista a existência de 132.290 famílias ameaçadas de despejo no Brasil, além do agravamento da pobreza no país, que retornou para o mapa da fome, e do aumento da inflação, que atinge de maneira mais acentuada as camadas mais pobres. Dessa forma, para o ministro, os fundamentos determinantes da suspensão dos despejos ainda estão presentes.

Contexto

O pedido de extensão do prazo foi do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor da ADPF 828, do Partido dos Trabalhadores (PT) e de outras entidades da sociedade civil. Em junho do ano passado, Barroso concedeu liminar para suspender por seis meses ordens ou medidas de desocupação.

Depois disso, em outubro de 2021, uma lei aprovada pelo Congresso Nacional (Lei 14.216/2021) suspendeu ordens de remoção e despejo até 31 de dezembro daquele ano, apenas para imóveis urbanos.

Diante da proximidade do fim da vigência da norma, o PSOL e outras entidades voltaram a acionar o Supremo, que estendeu os efeitos da decisão até 31 de março de 2022.

Extensão do prazo para área rural

Na nova decisão, o ministro também manteve a extensão dos efeitos da Lei 14.216/2021 aos imóveis situados em áreas rurais, por entender que, ao suspender desocupações e despejos em imóvel “exclusivamente urbano”, a lei realizou uma distinção irrazoável entre as populações vulneráveis situadas na cidade e no campo.

Fonte: Supremo Tribunal de Federal

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