Número do processo: 1104742-55.2020.8.26.0100
Ano do processo: 2020
Número do parecer: 261
Ano do parecer: 2021
Parecer
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 1104742-55.2020.8.26.0100
(261/2021-E)
Registro de Imóveis – Pedido de providências – Recurso administrativo – Averbação de declaração unilateral, prestada por quem não possui direito tabular, com o intuito de declarar que o imóvel pertence também ao recorrente, e não apenas à titular inscrita – Impossibilidade – Violação ao princípio do trato consecutivo e da disponibilidade – Parecer pelo conhecimento do recurso administrativo e, no mérito, pelo seu não provimento, mantida a sentença.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
1. Luciano Ferreira Leite interpôs recurso administrativo (fl. 125/132) contra a r. sentença (fl. 120/122) proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 13º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, que manteve a recusa (fl. 31/32) de cancelamento de uma averbação da matrícula nº 21.704, daquele cartório (fl. 12/18 – prenotação 342.969).
Segundo a r. sentença (fl. 120/122), a Av. 11 da matrícula n. 21.704 traz a declaração, feita pelo interessado Luciano, de que o bem foi adquirido com bens próprios de sua mulher Valdirene Rocha dos Santos. Com isto, fez-se público, desde 2012, que o bem se presume estar na exclusiva titularidade de Valdirene, de maneira que Luciano não pode agora, unilateralmente, obter o cancelamento dessa averbação, nem averbar que haja contribuído. Se, naquele tempo, não estava na intenção de Luciano declarar que Valdirene adquirira o bem com recursos exclusivos, então pode ter ocorrido vício da vontade, o qual não é viável reconhecer com base em declaração unilateral. Ou seja: ainda que a declaração anterior tenha sido feita somente por Luciano, o desfazimento da situação jurídica daí resultante depende da participação de Valdirene, ou de decisão jurisdicional que reconheça o defeito no negócio jurídico declaratório. Na verdade, vê-se nos autos que existe conflito entre o interessado e a ex-mulher, dissenso o qual não pode ser resolvido mediante declaração exclusiva de Luciano, tendente a suprimir direitos de Valdirene. Por tudo isso, o pedido do interessado não pode ser atendido.
O recorrente afirma (fl. 125/132) que não pretende o cancelamento de averbação, mas apenas a lavratura de novo averbamento, pelo qual se esclareça que o bem em questão está no domínio dele e de Valdirene, por ter sido adquirido na constância do casamento, o que não fica afastado pela declaração anterior, no sentido de que a aquisição se fizera com recursos próprios da mulher; ademais, a renúncia à meação equivale a uma doação, e uma doação pode ser revogada. Assim, não está em questão o que ficou dito antes, mas apenas o esclarecimento da situação atual do imóvel, sem que haja impeditivo para a nova averbação pretendida. Acrescenta ainda o recorrente que o ingresso de escritura de declaração independe da anuência de terceiros e constitui o exercício de um direito potestativo seu, sem implicar supressão de nenhum direito de Valdirene. Dessa maneira, a r. sentença tem de ser reformada, para que se proceda à averbação requerida.
Valdirene Rocha dos Santos apresentou contrarrazões de recurso (fl. 142/151).
A DD. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 155/157).
É o relatório.
Opino.
2. Consta da matrícula nº 21.704, do 13º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo (fl. 16/18):
“R.8-21704. Em 02/JULHO/2009. Por escritura de 05/06/2009 […] L. M. do A. A., […], M. M. do A. A., C. do A. A. e C. M. do A. A., já qualificados, VENDERAM o imóvel desta matrícula a VALDIRENE DOS SANTOS FERREIRA LEITE, […], casada sob o regime da separação obrigatória de bens em 17/11/2003, conforme art. 1.641, parágrafo II do Código Civil brasileiro, com LUCIANO FERREIRA LEITE […].”
“AV.11-21704. 4/JANEIRO/2018. A requerimento da proprietária Valdirene Santos Ferreira Leite e de seu marido Luciano Ferreira Leite, firmado em 20/9/2017, nesta cidade de São Paulo, instruído com escritura lavrada em 14/3/2012, no Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do 29º Subdistrito Santo Amaro SP, às páginas 225/226 do livro 1.082, na qual compareceu como declarante Luciano Ferreira Leite, promove-se a presente averbação para constar que a aquisição do imóvel desta matrícula foi feita com recursos próprios da compradora VALDIRENE SANTOS FERREIRA LEITE. Prenotação nº 316839, de 26/12/2017.”
Ou seja: resulta claro, do assento, que o imóvel em questão é do exclusivo domínio de Valdirene, donde se segue, obviamente, que o recorrente Luciano não tem, sobre esse prédio, absolutamente nenhum poder que decorra da atual situação registral de maneira que não pode, agora, de modo unilateral, subtrair direito de que ela é a única titular.
Isso já é suficiente para impedir, de modo peremptório, o ingresso do título que o recorrente apresentou, ou seja, uma escritura de declaração (fl. 30/32) em que ele próprio, isoladamente, pretende revogar o que afirmara (fl. 25/26) para dar causa à referida Av. 11: do que hoje resulta da matrícula, Luciano é terceiro absolutamente estranho à situação tabular, e não tem nenhum direito a ver inscrito um ato para o qual Valdirene, a única legitimada registral, jamais chegou a concorrer.
As considerações do recorrente acerca de revogação do que declarara, ou da doação que entende ter feito, são absolutamente irrelevantes nesse contexto. Como é da natureza mesma do sistema registral (em que vigora, recorde-se, o princípio do trato consecutivo e da disponibilidade, na forma dos arts. 195 e 237 da Lei de Registros Públicos), só podem aceder ao registro de imóveis os atos voluntários e inter vivos de que participe o titular tabular – no caso –, Valdirene, o que efetivamente não se constata no instrumento apresentado pelo recorrente (fl. 30/32).
Não bastasse esse óbice, ainda se deve notar que o título ora trazido (fl. 30/32) implica um cancelamento indireto da Av. 11, o outra razão para que só se possa aceitar o seu ingresso se e quando houver anuência de Valdirene (argumento aos incisos II e III do art. 250 da Lei nº 6.015/1973).
Por fim, se houve vício no negócio jurídico subjacente à Av. 11, esse ponto tem de ser discutido (se tal ainda for possível) na via contenciosa, mas não perante o Ofício de Registro de Imóveis ou os relativos órgãos correcionais.
Em suma: a r. sentença está bem lançada e manteve o correto óbice oposto pelo Oficial de Registro de Imóveis, de modo que, como assinalou o Ministério Público, o caso é de negar-se provimento ao recurso administrativo.
3. Ante o exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo conhecimento do recurso administrativo e, no mérito, pelo seu não provimento.
Sub censura.
São Paulo, 6 de agosto de 2021.
Josué Modesto Passos
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, conheço do recurso administrativo para, no mérito, negar-lhe provimento. São Paulo, 11 de agosto de 2021. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – ADV: ROSANGELA COLOMBO DE OLIVEIRA, OAB/SP 142.472, LUCIANO FERREIRA LEITE, OAB/SP 11.655 e ANTONIO CARLOS RODRIGUES, OAB/SP 72.526.
Diário da Justiça Eletrônico de 18.08.2021
Decisão reproduzida na página 079 do Classificador II – 2021
Fonte: INR- Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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