CGJ/SP: Tabelião de protesto de letras e títulos – Protesto de contrato de fiança – Adjudicação do imóvel locado – Sub-rogação do adquirente nos direitos decorrentes do contrato de locação relativo ao bem imóvel adjudicado – Exigências de formulação de requerimento de protesto pela locadora ou por terceiro que a represente, mediante apresentação de procuração, e de registro da carta de adjudicação afastadas – Protesto contra os fiadores que não renunciaram expressamente ao benefício de ordem, dissociado do protesto da devedora principal – Impossibilidade – Óbice mantido – Recurso não provido.

Número do processo: 1031493-92.2021.8.26.0114

Ano do processo: 2021

Número do parecer: 356

Ano do parecer: 2023

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1031493-92.2021.8.26.0114

(356/2023-E)

Tabelião de protesto de letras e títulos – Protesto de contrato de fiança – Adjudicação do imóvel locado – Sub-rogação do adquirente nos direitos decorrentes do contrato de locação relativo ao bem imóvel adjudicado – Exigências de formulação de requerimento de protesto pela locadora ou por terceiro que a represente, mediante apresentação de procuração, e de registro da carta de adjudicação afastadas – Protesto contra os fiadores que não renunciaram expressamente ao benefício de ordem, dissociado do protesto da devedora principal – Impossibilidade – Óbice mantido – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto por Manoel Venancio Ferreira contra a r. decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Campinas/SP, que manteve o óbice ao protesto requerido (fls. 99/100).

Alega o recorrente, em síntese, ter adjudicado os direitos e obrigações que pesam sobre metade ideal do imóvel localizado na Rua Orlando Carpino, 974, Bairro Castelo, na cidade de Campinas/SP. Afirma que referido imóvel é objeto de contrato de locação comercial, com cláusula de vigência, registrado na matrícula do imóvel, figurando como locatária a empresa Auto Posto Itamaraty Castelo Ltda. e como fiadores, Sérgio Henriques Brotto e sua mulher Sueli Luiz Brotto. Assim, porque a locatária deixou de pagar aluguéis, requereu a lavratura de protesto para constituição em mora dos fiadores, o que não foi possível porque o Tabelião formulou exigências que ultrapassam os limites de sua competência e atribuição. Nesse sentido, aduz que aos fiadores competirá, se o caso, alegar eventual benefício de ordem e que, além disso, já foi reconhecida sua legitimidade para exercer os direitos e obrigações decorrentes da locação, porque, finda a adjudicação, foi sub-rogado na posição do locador (fls. 104/111).

A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 123/124).

Opino.

Desde logo, cumpre consignar que, em se tratando de pedido de providências, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, certo que o inconformismo da parte foi manifestado contra r. decisão proferida no âmbito administrativo pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da serventia extrajudicial em questão.

O recorrente apresentou a protesto o contrato de locação comercial copiado a fls. 32/43, que recebeu qualificação negativa porque, segundo informado no presente pedido de providências (fls. 01/06), foi exigida a formulação de requerimento pela locadora ou por terceiro que a represente, mediante apresentação de procuração (fls. 61).

De seu turno, o Tabelião, em sua manifestação a fls. 90/93, afirmou ser necessário o registro da carta de adjudicação na matrícula nº 13306 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas/SP e que, ademais, por se tratar a fiança de contrato acessório, o protesto não poderia ser lavrado apenas contra os fiadores, dissociado do protesto da devedora principal, isto é, da locatária.

Ora, é sabido que a qualificação do título há que se dar de forma exaustiva e, havendo exigências de qualquer ordem, estas deverão ser formuladas de uma só vez, não no curso do processo de dúvida ou do pedido de providências, como fez o Tabelião no presente feito.

De qualquer maneira, não se pode olvidar que tanto o MM. Juiz Corregedor Permanente, quanto o Colendo Conselho Superior da Magistratura e esta Corregedoria Geral da Justiça, ao apreciar as questões postas no processo de dúvida e pedido de providências, devem requalificar o título por completo. A qualificação do título realizada é devolvida por inteiro ao órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra ou ultra petita e, tampouco, violação do contraditório e ampla defesa, como reiteradamente vem sendo decidido.

Nesse cenário, a irregularidade verificada não impede o prosseguimento do feito e tampouco a apreciação do recurso, o qual, no entanto, não comporta acolhimento.

Analisado o título apresentado a protesto, verifica-se ter sido comprovada a adjudicação do imóvel, de maneira que o recorrente, na condição de adjudicante adquirente, por sub-rogação, assume a posição de locador, substituindo-o na relação jurídica locatícia (art. 8º da Lei nº 8.245/1991). Destarte, pode buscar a satisfação de créditos anteriores à aquisição do imóvel, vencidos, exigíveis e não satisfeitos.

A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça considera que, aperfeiçoada a arrematação com a assinatura do auto, resta materializada causa de transferência da propriedade com todos os direitos que lhe são inerentes, de forma que o arrematante subroga-se nos direitos decorrentes do contrato de locação relativo ao bem imóvel arrematado (REsp 833.036/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18/11/2010, DJe 28/3/2011). Segundo essa orientação, independentemente do registro da arrematação no álbum imobiliário, ao arrematante são transferidos imediatamente os direitos oriundos do contrato de locação, porquanto este contrato é de natureza pessoal, que não depende da propriedade plena para sua constituição (REsp 1.232.559/PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 11/2/2014, DJe 17/2/2014).

Tal entendimento, por certo, também se aplica à adjudicação, de maneira que as exigências apresentadas pelo Tabelião, relativas à formulação de requerimento pela locadora ou por terceiro que a represente, mediante apresentação de procuração, assim como de registro da carta de adjudicação na matrícula nº 13306 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas/SP não se sustentam.

Contudo, o outro óbice apresentado ao pretendido protesto é mesmo intransponível.

Assim se afirma, pois o protesto contra os fiadores que não renunciaram expressamente ao benefício de ordem (fls. 32/43, cláusula 12ª) depende da prova de que o devedor principal tenha sido também protestado.

Ao tratar da fiança, o art. 818 do Código Civil deixa patente tratar-se de uma obrigação acessória, ou seja, que não existe por si mesma, mas apenas em razão – e com o escopo de garantia – da existência de uma obrigação principal. E nos termos do art. 821 do mesmo diploma legal, o fiador de uma obrigação futura somente poderá ser demandado após a obrigação do principal devedor ter se tornada líquida e certa.

“Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

Art. 821. As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor.”

Ainda, o art. 827 do Código Civil traz a regra de que, salvo convenção em contrário, o fiador tem o direito de ver excutidos primeiramente os bens do devedor principal, antes que lhe possa ser exigida a satisfação da dívida:

“Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.”

Como se vê, a fiança é contrato destinado a garantir a obrigação principal.

O protesto, por sua vez, é o instituto definido pelo art. 1º da Lei nº 9.492/1997 como o “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.”

A Lei nº 9.492/1997 inclui como objeto do protesto além dos títulos cambiais, os documentos demonstrativos de dívida, no entanto, sem defini-los. A doutrina entende que tais títulos, além dos cambiais, são os ordinários que comprovem obrigações certas, líquidas e exigíveis.

O objeto do protesto, portanto, não se resume aos títulos de crédito, mas abrange quaisquer títulos que comprovem obrigações certas, líquidas e exigíveis, como pode ocorrer com os contratos que, nessa hipótese, também podem ser protestados.

A propósito, é preciso lembrar que a finalidade do protesto é comprovar solenemente a inadimplência do devedor principal e, demonstrada a diligência do credor, permitir que este exerça seu direito de regresso contra os coobrigados.

Daí porque, no caso particular do contrato de fiança, tendo em vista a natureza acessória da obrigação e a possibilidade de ser alegado o benefício de ordem pelo fiador, não se admite seu protesto independentemente do protesto da obrigação principal. Em outras palavras, sem expressa renúncia ao benefício de ordem no contrato, o fiador somente poderá ser demandado caso o devedor principal, inicialmente cobrado, não satisfaça a obrigação assumida.

Por conseguinte, sendo imprescindível o protesto da obrigação principal para protesto da fiança, há que ser mantida a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente que confirmou a negativa formulada pelo Tabelião, na medida em que a qualificação realizada consiste em exame da legalidade do ato pretendido.

Nesses termos, o parecer que submeto a Vossa Excelência é no sentido de que a apelação seja recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário Estadual, e que lhe seja negado provimento.

Sub censura.

São Paulo, 22 de setembro de 2023.

Stefânia Costa Amorim Requena

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação interposta como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário Estadual, ao qual nego provimento. Publique-se. São Paulo, 03 de outubro de 2023. (a) FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA, Corregedor Geral da Justiça. ADV: MANOEL VENANCIO FERREIRA, OAB/SP 91.340 (em causa própria).

Diário da Justiça Eletrônico de 06.10.2023

Decisão reproduzida na página 145 do Classificador II – 2023.

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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