Registro de Imóveis – Pedido de cancelamento de loteamento – Artigo 23 da Lei n° 6.766/79 – Impugnação de sócia da loteadora – Pedido de cancelamento que conta com a anuência da Municipalidade – Oposição ao requerimento que não pode ser acolhido – Apelação desprovida.


Número do processo: 1008438-44.2015.8.26.0625

Ano do processo: 2015

Número do parecer: 315

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1008438-44.2015.8.26.0625

(315/2017-E)

Registro de Imóveis – Pedido de cancelamento de loteamento – Artigo 23 da Lei n° 6.766/79 – Impugnação de sócia da loteadora – Pedido de cancelamento que conta com a anuência da Municipalidade – Oposição ao requerimento que não pode ser acolhido – Apelação desprovida.

Trata-se de recurso de apelação, recebido como recurso administrativo (fls. 232). O recurso foi interposto por “Newland Empreendimentos Imobiliários Ltda.” contra a sentença de fls. 178/179, que determinou o cancelamento do registro de loteamento inscrito na matrícula n° 88.736 do Registro de Imóveis de Taubaté.

Sustenta a recorrente, em síntese, que: a sentença é nula porque deixou de enfrentar os argumentos deduzidos na impugnação apresentada; a loteadora “Empreendimentos Imobiliários Tavares de Mattos” não poderia solicitar o cancelamento do loteamento sem a anuência da sócia executora, a quem coube realizar diversos atos tendentes à implantação do loteamento; um dos fundamentos do requerimento de cancelamento do loteamento não é válido; a concordância do Município não é válida; e, por fim, se fazia necessária a anuência do Estado ao pedido de cancelamento.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 221/222).

É o relatório.

Opino.

Inicialmente, reafirma-se a competência da E. Corregedoria Geral da Justiça para julgamento do recurso interposto (decisão de fls. 232).

Em se tratando de expediente em que o apresentante busca ato de averbação (cancelamento de loteamento – artigo 248 da Lei n° 6.015/73), e não de registro em sentido estrito, a apelação interposta deve ser recebida, na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo[1], como recurso administrativo.

Além disso, não se cogita da nulidade da sentença proferida pelo Juiz Corregedor Permanente, a quem coube dar correta aplicação ao texto legal.

No mérito, pretende a apelante, “Newland Empreendimentos Imobiliários Ltda.”, a reforma da sentença que autorizou o cancelamento do loteamento inscrito na matrícula n° 88.736 do Registro de Imóveis de Taubaté.

O Oficial de Registro de Imóveis entendeu que o cancelamento era viável, forte no argumento de que o requerimento observou o disposto no inciso II do artigo 23 da Lei 6.766/79. O mencionado dispositivo de Lei assim preceitua:

“Art. 23. O registro do loteamento só poderá ser cancelado:

I – por decisão judicial;

II – a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato;

III – a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado”. (Sublinhei e destaquei)

A sentença prolatada pelo MM Juiz Corregedor Permanente determinou o cancelamento do registro de loteamento (fls. 178/179).

O requerimento de cancelamento foi apresentado pela proprietária e loteadora “Empreendimentos Imobiliários Tavares de Mattos” e contou com a anuência expressa da Prefeitura Municipal de Taubaté (fls. 20/22).

Na forma do inciso II do artigo 23 da Lei 6.766/79, o registro do loteamento pode ser cancelado a requerimento do loteador, com a anuência da Prefeitura, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato.

No caso em tela, quando foi apresentado o requerimento de cancelamento do registro do loteamento, nenhum lote havia sido objeto de contrato. E descabe perquirir, nesta esfera administrativa, a respeito da conveniência da anuência concedida pela municipalidade.

O fato de existir “contrato particular de exploração conjunta de empreendimento imobiliário de loteamento Taubaté-SP” (fls. 68/77), celebrado entre a recorrente e a loteadora, não repercute na legitimidade para o pedido de cancelamento, fundado no disposto no inciso II do artigo 23 da Lei 6.766/79.

A tão-só existência do contrato entre loteadora e recorrente tampouco interfere no acolhimento do pedido. Isso porque, nesta esfera administrativa, não são analisadas as razões do pedido de cancelamento do registro de loteamento, a não ser que tenha havido impugnação por parte do Município ou Estado, o que não é o caso. E é justamente por isso que não cabia ao Juiz Corregedor Permanente analisar a alegação da recorrente de que o decreto expropriatório padece de vício insanável e que seria nula a desapropriação de parte do terreno.

Por fim, não era mesmo o caso de se exigir a anuência do Estado, pois não houve a alienação de lotes a terceiros.

Nesses termos, o parecer que submeto a Vossa Excelência propõe, respeitosamente, que se negue provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 30 de agosto de 2017.

Paula Lopes Gomes

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MMª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo interposto. Publique-se. São Paulo, 31 de agosto de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: JUNIOR ALEXANDRE MOREIRA PINTO, OAB/SP 146.754.

Diário da Justiça Eletrônico de 25.09.2017

Decisão reproduzida na página 262 do Classificador II – 2017


Notas:

[1] Artigo 246 – De todos os atos e decisões dos Juízes corregedores permanentes, sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.

Fonte: INR Publicações.

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Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei nº 5.772, de 21 de maio de 2015, do município de Sumaré, que “estabelece diretrizes para o tempo de atendimento e acomodações em cartórios no âmbito do município de Sumaré” – Alegado vício de iniciativa – Necessidade de identificar-se o alcance do vocábulo “cartório” empregado pela norma sindicada


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Direta de Inconstitucionalidade nº 2256226-51.2016.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, são réus PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SUMARÉ e PREFEITO MUNICIPAL DE SUMARÉ.

ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE EM PARTE. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), RENATO SARTORELLI, CARLOS BUENO, FERRAZ DE ARRUDA, ARANTES THEODORO, TRISTÃO RIBEIRO, BORELLI THOMAZ, JOÃO NEGRINI FILHO, SÉRGIO RUI, SALLES ROSSI, RICARDO ANAFE, ALVARO PASSOS, AMORIM CANTUÁRIA, BERETTA DA SILVEIRA, SILVEIRA PAULILO, EUVALDO CHAIB, ADEMIR BENEDITO, PEREIRA CALÇAS, XAVIER DE AQUINO, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, FERREIRA RODRIGUES, EVARISTO DOS SANTOS, MÁRCIO BARTOLI E JOÃO CARLOS SALETTI.

São Paulo, 16 de agosto de 2017.

FRANCISCO CASCONI

RELATOR

Assinatura Eletrônica

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2256226-51.2016.8.26.0000

COMARCA: SÃO PAULO

AUTOR: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RÉUS: PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SUMARÉ E PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SUMARÉ

VOTO Nº 32.502

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 5.772, DE 21 DE MAIO DE 2015, DO MUNICÍPIO DE SUMARÉ, QUE “ESTABELECE DIRETRIZES PARA O TEMPO DE ATENDIMENTO E ACOMODAÇÕES EM CARTÓRIOS NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DE SUMARÉ” – ALEGADO VÍCIO DE INICIATIVA – NECESSIDADE DE IDENTIFICAR-SE O ALCANCE DO VOCÁBULO “CARTÓRIO” EMPREGADO PELA NORMA SINDICADA – CARTÓRIOS JUDICIAIS SÃO ÓRGÃOS INTERNOS AO PODER JUDICIÁRIO, SENDO INCONSTITUCIONAL NORMA MUNICIPAL QUE ESTABELEÇA OBRIGAÇÕES E CONDICIONANTES AO SEU FUNCIONAMENTO – CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS – PARTICULARES EM COLABORAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – EMBORA SUBMETIDO À FISCALIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO, CONSTITUCIONAL A NORMA MUNICIPAL QUE DISCIPLINA TEMPO DE ESPERA EM FILA E ACOMODAÇÕES INTERNAS PARA MELHOR ATENDIMENTO DO PÚBLICO ART. 30, INCISO I, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – PRECEDENTE DO C. STF – INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO – AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

Ação de inconstitucionalidade voltada contra a Lei nº 5.772, de 21 de maio de 2015, do Município de Sumaré/SP, que “estabelece diretrizes para o tempo de atendimento eacomodações em cartórios no âmbito do município de Sumaré”.

Delineada causa petendi repousa preponderantemente no alegado vício de iniciativa do Legislativo Municipal para elaboração do ato normativo impugnado, porquanto o tema nele regulado envolve matéria relacionada a serventias judiciais e extrajudiciais, reservada a competência para deflagração do processo legislativo ao Poder Judiciário.

Liminar deferida a fls. 71/72.

Informações prestadas pelo i. Presidente da Câmara Municipal (fls. 82). Apesar de devidamente notificado, o r. Prefeito deixou transcorrer in albis prazo para manifestação (fls. 105 e 116).

Citado, o Procurador-Geral do Estado manifestou-se a fls. 114/115, apontando desinteresse na defesa da lei contrastada, por tratar de matéria exclusivamente local.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer encartado a fls. 118/124, reiterando as razões iniciais, insistiu na procedência da ação.

É o Relatório.

Relevante salientar que o parâmetro de aferição da constitucionalidade por este Órgão Especial recai sobre a Constituição do Estado de São Paulo[1].

A Constituição da República assegura, nos artigos 1º e 18, indistinta autonomia político-administrativa aos entes federados, no que se incluem os Municípios, cabendo-lhes instituir a organização de sua estrutura funcional para efetivo exercício da atividade estatal.

Indigitada autonomia organizacional engloba a legislativa, embora ambas não ostentem caráter absoluto, devendo respeito às balizas constitucionais de âmbito estadual e federal, como preveem não só os artigos 29 e 30 da Magna Carta, mas também o artigo 144 da Constituição Estadual:

“Artigo 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Significa dizer, portanto, que a independência legislativa municipal, por força da norma estadual de caráter remissivo (art. 144), deve agir dentro dos limites da competência constitucional atribuída ao ente federativo, observando ainda os princípios estabelecidos nas Constituições Estadual e Federal.

A presente ação direta de inconstitucionalidade tem como objetivo declarar inválida a Lei no 5.772, de 21 de maio de 2015, do Município de Sumaré, que “estabelece diretrizes para tempo de atendimento e acomodações em cartórios no âmbito do Município de Sumaré”, verbis (fls. 2/5):

Art. 1º – Ficam os cartórios, no âmbito do Município de Sumaré, obrigados a colocar à disposição dos usuários, pessoal suficiente em todos os setores de atendimento, para que este seja efetivado em tempo razoável.

Art. 2º – Para os efeitos desta lei, entende-se como tempo razoável para atendimento:

I – Até 30 (trinta) minutos em dias normais;

II – Até 45 (quarenta e cinco) minutos em véspera ou após feriados prolongados;

§1º – Os cartórios e suas entidades representativas informarão ao órgão encarregado de fazer cumprir esta lei as datas mencionadas nos incisos I e II.

§2º – O tempo máximo de atendimento referido nos incisos I e II leva em consideração o fornecimento normal dos serviços essenciais à manutenção do ritmo normal das atividades do cartório tais como energia, telefonia e transmissão de dados.

Art. 3º – Ficam os cartórios instalados no Município de Sumaré, obrigados a manter atendimento de idosos, gestantes, e pessoas com necessidades especiais no piso térreo do prédio onde se encontram instalados.

Art. 4º – Os estabelecimentos descritos no art. 1º desta lei, no âmbito municipal, deverão disponibilizar aos usuários:

I – Bebedouro com água potável;

II – Cadeiras com número suficiente de forma que os usuários aguardem seus atendimentos sentados;

III – Sanitários de uso público e que estejam em condições de uso e sinalizados;

IV – Emissor de senhas para controle de tempo de atendimento;

§1º – O comprovante de atendimento deverá conter:

a. Senha de atendimento;

b. Horário da emissão do comprovante;

c. Campo para inserir horário de atendimento.

§2º – Os estabelecimentos descritos no art. 1º desta lei, no âmbito municipal, deverão entregar um comprovante de atendimento autenticado por um funcionário ou eletronicamente com os horários em que o usuário retirou a senha e o que foi atendido, visando o cumprimento do art. 2º desta lei.

Art. 5º – Os estabelecimentos descritos no art. 1º desta lei, no âmbito municipal, deverão afixar, em local visível, o texto ou cartaz da presente lei, assim como destacar o número de atendimento do PROCON e outros órgãos fiscalizadores pertinentes.

Art. 6º – O não cumprimento das disposições desta lei sujeitará o infrator às seguintes punições:

I – advertência;

II – multa no valor de R$500,00 (quinhentos reais), por informação, podendo ser aplicada em dobro em caso de reincidência.

III – após a 3ª (terceira) reincidência, acarretará na suspensão do Alvará de funcionamento.

Art. 7º – As denúncias dos munícipes, devidamente comprovadas, deverão ser encaminhadas ao Órgão de Fiscalização Municipal ou PROCON, órgão municipal encarregado de zelar pelo cumprimento desta lei, concedendo-se direito de defesa ao cartório ou cartórios denunciados.”

A princípio, necessário identificar-se o sentido e alcance do vocábulo “cartório” empregado na Lei atacada. Conforme informação disponível no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça[2]:

“Há dois tipos de cartório: os judiciais e os extrajudiciais. Os primeiros também recebem o nome de varas. Elas são órgãos do Poder Judiciário presididos por juízes, os quais respondem pela guarda e execução de processos judiciais. Os cartórios extrajudiciais são vinculados a um tabelião ou oficial de registro. Eles recebem delegação do poder público para registrar atos extrajudiciais e fornecer certidões.”

Em análise à justificativa da norma sindicada (fls. 23), entende-se que o vocábulo “cartório” faz referência aos serviços extrajudiciais, na medida em que fundamenta sua importância pelo fato de ser “uma instituição essencial para que pessoas e empresas possam oficializar sua documentação […]”.

Ocorre que apesar de a norma ser produto das atividades típicas do Poder Legislativo, a função do Judiciário, como intérprete, é buscar a vontade da Lei (doutrina objetivista), que pode divergir daquela inicialmente adotada pelo legislador, em contraposição à doutrina subjetivista.

Desta feita, apesar de constar na justificativa da Lei a espécie de “cartório” a qual se pretende fazer referência, este apontamento está situado fora do corpo textual da norma, deixando em aberto o alcance e limite do vocábulo empregado, situação apta a gerar incertezas e insegurança jurídica na aplicação do estatuto no caso concreto.

Os cartórios judiciais são órgãos integrantes e internos ao Poder Judiciário, presididos por juízes que exercem diretamente poder hierárquico e disciplinar sobre os serviços e agentes públicos ali lotados. Na hipótese de edição de normas disciplinando o funcionamento de cartórios judicias por iniciativa do Legislativo municipal, patente a interferência e desequilíbrio entre os Poderes, razão pela qual devem ser excluídos os ofícios judiciais da interpretação da Lei, tendo em vista que esta prevê uma série de obrigações aos “cartórios”, cujo descumprimento acarreta sanções administrativas como advertência, multa e até cassação de alvará.

Por outro lado, a titularidade dos cartórios extrajudiciais e registrais apresenta natureza jurídica sui generis, pois exercida por particulares em colaboração com o Poder Público. Conforme Maria Zanella Di Pietro[3]:

“Nesta categoria entram as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração. Podem fazê-lo sob títulos diversos, que compreendem:

1 – Delegação do Poder Público, como se dá com os empregados das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, os que exercem serviços notariais e de registro (art. 236 da Constituição).

[…]”

Corroborando a ideia de que os cartórios extrajudiciais não são órgãos do Judiciário:

“Atente-se que não se incluem como órgãos do Judiciário os notários e os registradores, delegados para a prática de serviço público na condição de profissionais privados (operadores do Direito) […].”[4]

Desta feita, quanto aos cartórios extrajudiciais, entendo inexistir inconstitucionalidade da norma sindicada, tendo em vista não tratar de matéria propriamente vinculada aos registros públicos, mas assunto de interesse local, cuja competência legislativa foi atribuída aos Municípios por força do artigo 30, inciso I, da Constituição da República. Nesse mesmo sentido se pronunciou o C. Supremo Tribunal Federal:

“Distrito Federal: competência legislativa para fixação de tempo razoável de espera dos usuários dos serviços de cartórios. 1. A imposição legal de um limite ao tempo de espera em fila dos usuários dos serviços prestados pelos cartórios não constitui matéria relativa à disciplina dos registros públicos, mas assunto de interesse local, cuja competência legislativa a Constituição atribui aos Municípios, nos termos do seu art. 30, I. 2. A LD 2.529/2000, com a redação da LD 2.547/2000, não está em confronto com a Lei Federal 8.935/90 – que disciplina as atividades dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, nos termos do art. 236, § 1º, da Constituição – por tratarem de temas totalmente diversos. 3. RE conhecido e desprovido.”

(STF. Primeira Turma. Recurso Extraordinário no 397.094/DF, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. em 29 de agosto de 2006, destacado).

Anota o E. Relator:

“Relativamente às instituições bancárias, temos precedentes que reconheceram a competência dos Municípios para legislar quanto: a) obrigatoriedade de instalação de dispositivos de segurança (RE 240.406, Velloso, RTJ 189/1.150; 312.050-AgR, 05.04.2005, 2ª T, Celso); b) tempo de espera em fila para atendimento ao público (RE 432.789, 14.06.2005, 1ª T, Eros); instalação de cadeiras de espera (AI 506.487-AgR, 30.11.2004, 2ª T, Velloso); e, por fim, a instalação de bebedouros e sanitários (RE 418.492-AgR, 2ª T, 13.12.2005, Gilmar; e decisões individuais nos RE 208.383, Néri, e AI 347.739, Jobim).

Em todas essas hipóteses, rejeitou-se a alegação de que os Municípios estariam usurpando a competência legislativa da União ou as prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central do Brasil.

Do mesmo modo, não há falar em violação do art. 22, XXV, da Constituição Federal, uma vez que a imposição legal de um limite ao tempo de espera em fila dos usuários dos serviços prestados pelos cartórios não constitui matéria relativa à disciplina dos registros públicos, mas assunto de interesse local, cuja competência legislativa a Constituição atribui aos Município, nos termos do seu art. 30, I.

E nem se diga que o disposto na LD 2.529/2000, com a redação da LD 2.547/2000, estaria em confronto com a Lei Federal 8.935/90 que disciplina as atividades dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, nos termos do art. 236, §1º, da Constituição , por tratarem de temas totalmente diversos.”

No mais, colhe-se do voto do E. Ministro Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto:

“Senhor Presidente, como falou o Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot, aqui oficiante, cuida-se, no caso, de uma legislação de contorno, uma legislação lateral, ou seja, atua a latere do conteúdo da atividade notarial e de registro. O Ministro Sepúlveda Pertence também deixou claro que as coisas são diferentes.

Também, com o devido respeito ao advogado, que tão bem se houve no uso da tribuna, o fato de cartório não ser pessoa jurídica não descaracteriza essa relação com sua clientela vou chamar de clientela , porque não pode ser mesmo pessoa jurídica, esta não faz concurso público, e a Constituição prevê que a delegação se faz a um agente habilitado em concurso público de provas ou de provas e títulos. Aliás, um dos traços distintivos da atividade notarial e de registro é que ela é atividade pública, sim, porém não propriamente um serviço público, porque o serviço público, quando trespassado para a iniciativa privada, viabiliza-se por um contrato, seja de permissão, seja de concessão, assinado como empresa; aqui, a delegação não contempla nenhuma empresa, mas, sim, uma pessoa natural que se habilita em concurso público de provas e títulos.

Acompanho o voto do eminente Relator integralmente.”

Registre-se, ainda, que Leis regulando tempo de espera e acomodações em cartórios extrajudiciais são encontradas em Municípios espalhados por todo o Brasil como, por exemplo, em Goiânia/GO (Lei no 9.271/13)[5], Teresina/PI (Lei no 4.368/13)[6], Curitiba/PR (Lei no 14.576/14)[7], Juiz de Fora/MG (Lei no 13.126/15)[8] e Rio Branco/AC (Lei no 2.117/15)[9].

Meu voto, portanto, julga procedente em parte a pretensão para conferir interpretação conforme a Constituição, no sentido de que o vocábulo “cartório” empregado pela norma compreende apenas os extrajudiciais, ou seja, aqueles vinculados a um tabelião ou oficial de registro, afastada qualquer interpretação que faça incidir a Lei sobre os cartórios judiciais ou outros órgãos internos do Poder Judiciário.

Des. FRANCISCO CASCONI

Relator

Assinatura Eletrônica


Notas:

[1] Exceção refere-se às normas previstas na Constituição da República de reprodução obrigatória pelos Estados, situação em que é permitido à Corte local utilizar-se do parâmetro constitucional federal, conforme recente entendimento adotado pela Corte Suprema em regime de repercussão geral (STF. Recurso Extraordinário no 650898-RS, Plenário. Rel. originário Min. Marco Aurélio, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 01 de fevereiro de 2017, repercussão geral).

[2] In. http://cnj.jus.br/ouvidoria-page/carta-de-servicos-ao-cidadao/83913-cartorios-judiciais-eextrajudiciais-2

[3] In. Direito Administrativo, São Paulo: Editora Atlas, 2014, 27 ed., p. 603.

[4] In. “Comentários à Constituição do Brasil”, coordenação científica de J.J. GOMES CANOTILHO, GILMAR FERREIRA MENDES, INGO WOLFGANG SARLET E LENIO LUIZ STRECK, Ed. Saraiva, 5ª tiragem, 2014, págs. 2162 e 2163.

[5] In. http://www.goiania.go.gov.br/html/gabinete_civil/sileg/dados/legis/2013/lo_20130527_000009271.html

[6] In. https://leismunicipais.com.br/a/pi/t/teresina/lei-ordinaria/2013/437/4368/lei-ordinarian-4368-2013-fica-estabelecido-no-ambito-do-municipio-de-teresina-o-tempo-limite-deatendimento-aos-usuarios-dos-cartorios-de-notas-e-registros-de-imoveis-para-os-servicos-deautenticacao-de-documentos-e-reconhecimentos-de-firmas-e-da-outras-providencias

[7] In. https://leismunicipais.com.br/a/pr/c/curitiba/lei-ordinaria/2014/1458/14576/lei-ordinarian-14576-2014-dispoe-sobre-o-tempo-maximo-para-atendimento-aos-clientes-em-cartoriospublicos-e-da-outras-providencias

[8] In. http://www.camarajf.mg.gov.br/sal/norma.php?njt=LEI&njn=13126&njc=

[9] In. http://portalcgm.riobranco.ac.gov.br/lai/wp-content/uploads/2015/02/LEI-N%C2%BA-2.117-de-07-de-Julho-de-2015-Disp%C3%B5e-sobre-o-tempo-m%C3%A1ximo-para-atendimento-aosclientes-em-Cart%C3%B3rios-no-Munic%C3%ADpio-de-Rio-Branco.pdf

Dados do processo:

TJSP – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2256226-51.2016.8.26.0000 – São Paulo – Órgão Especial – Rel. Des. Francisco Casconi – DJ 21.08.2017

Fonte: INR Publicações.

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