Regularização fundiária e a face fundamental do registro imobiliário brasileiro: função social do registrador imobiliário

*Emanuel Costa Santos

Porque a todo aquele, a quem muito foi dado, muito será pedido, e ao que muito confiaram, mais contas lhe tomarão (Lucas, XII: 47-48) 

O tema pertinente à regularização fundiária não é propriamente novo no Brasil, podendo ser apontadas no século XIX legislações que visavam de um lado identificar as posses e legitimar seus ocupantes e, de outro, separar os bens públicos dos privados.

No século XX a irregularidade fundiária migrou para áreas urbanas, face o êxodo rural, seguido do desordenado crescimento das cidades, fruto, em muito, de um empreendedorismo nem sempre marcado pela responsabilidade. Para mitigar os efeitos da irregularidade, o legislador tratou em alguns momentos da matéria, como, por exemplo, nas disposições transitórias do Decreto-lei 58/1937 e nas disposições gerais da Lei Federal 6.766/1979.

Contudo, é com a Lei Federal 11.977/2009, conhecida como Programa Minha Casa Minha Vida, que a Regularização Fundiária é tratada com protagonismo pelo legislador. O artigo 46 indica que a solução desse grave problema nacional demanda um “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais” com vistas a regularizar os assentamentos e titular seus ocupantes.

A realidade apontava que os casos de irregularidade não eram – e de fato não são – de todo idênticos, indicando a necessidade de tratar de forma desigual os empreendimentos irregulares dos empreendimentos projetados, de maneira a garantir também ao conjunto de ocupantes daqueles o mesmo acesso que os adquirentes destes tinham ao fundamental direito à moradia digna, acrescida com o plus da propriedade (no estrito sentido civilista), dela se extraindo suas funções sociais e ambientais. No plano da moradia, a regularização atua, portanto, garantindo os basilares direitos à igualdade e à dignidade.

Vista por outro ângulo, a Lei 11.977 evidencia a próxima relação entre o sistema registral imobiliário brasileiro e os direitos fundamentais. Trabalhando há 170 anos na senda da segurança jurídica, atua, entre outros, na proteção de direitos patrimoniais e creditícios, no controle jurídico do ordenamento urbano, na publicidade ambiental e na proteção de consumidores de bens imóveis.

Nesse passo, a competência dos registradores imobiliários para processamento do pedido de regularização fundiária encontra matriz histórica, sendo consequência lógica da tutela constitucional do direito à propriedade imobiliária a eles atribuída.

Não obstante, necessário se fez alterar alguns paradigmas do moderno sistema registral para viabilizar a regularização fundiária e o ingresso de milhões de brasileiros ao mercado imobiliário formal. Dentre eles, a possibilidade de publicidade registral da posse legitimada, de forma a permitir, administrativamente, sua conversão em domínio pelo decurso do prazo prescricional.

Também houve significativa flexibilização dos princípios registrais, sempre lembrando que se está diante de situação fática complexa, em que as soluções tradicionais foram revisitadas pelo legislador de 2009.

Se já é possível vislumbrar nesse breve artigo pontos de contato do registro imobiliário com os direitos fundamentais, parece que a atual regularização fundiária confere contornos especiais ao papel da instituição registral na realização daqueles direitos.

Sem prejuízo da mantença do controle formal, próprio do sistema registral, verifica-se que houve clara percepção pelo legislador que o direito à moradia não se realiza em sua plenitude sem a necessária titulação registrada, esta sim passível de viabilizar o pleno cumprimento das funções sociais – e econômica – da propriedade.

Esta proximidade com a realização do direito material deve conduzir o registrador imobiliário a uma postura ativa – sem ativismo – diante dos casos de regularização. Daí se falar também da assunção de sua função social, compreendendo não só o aspecto jurídico do desempenho de sua atividade, mas também sua repercussão social e econômica.

Comunicar-se com o conjunto de partícipes desse processo de resgate da dignidade é papel que se impõe. Sem se descurar dos princípios próprios do administrador público, notadamente os da legalidade, impessoalidade e moralidade, deve estabelecer diálogo construtivo e permanente com pessoas jurídicas de direito público, agentes públicos, companhias habitacionais e associações de moradores de empreendimentos irregulares, por exemplo, sempre com vistas a tornar exitosa a regularização fundiária.

Como agente constitucionalmente responsável pela realização de diversos direitos fundamentais, deve o registrador imobiliário estar afinado com a cidadania; trabalhar pela promoção da dignidade da pessoa humana; construir palco jurídico seguro para o desenvolvimento da livre iniciativa; solidarizar-se na edificação de uma sociedade marcada por liberdade e padrões de justiça que atendam cada vez mais uma parcela maior da população; contribuir, com seu mister, para erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais; promover o bem comum. Em poucas palavras, estar afinado com os fundamentos e os objetivos da República Federativa do Brasil.

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*Emanuel Costa Santos – 2o Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Araraquara/SP, Diretor de Assuntos Estratégicos da ARISP. Mestre em Direito Constitucional pela ITE/Bauru, Especialista em Direito Registral pela Facultad de Derecho Esade, Universitat Ramon Lllul, Barcelona, Espanha.

Fonte: Jornal Carta Forense | 27/12/13

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TJ/MG: TJ condena banco por contrato firmado com analfabeta sem testemunha

O banco GE Capital deve pagar indenização de R$ 7 mil, por danos morais, a uma mulher analfabeta, por ter incluído indevidamente seu nome em cadastros de restrição ao crédito, após o suposto descumprimento de contrato que foi firmado de forma ilegal. O fato aconteceu em Nanuque, Vale do Mucuri. A decisão é da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

H. afirma que, ao fazer compras e tentar pagar no crediário, descobriu que seu nome estava registrado em cadastros de proteção ao crédito. Ela procurou, então, a Câmara de Diretores Lojistas (CDL) de sua cidade e constatou que o banco GE Capital havia negativado seu nome em setembro de 2008, quando ela estava com 81 anos, por um débito que não contraíra, no valor de R$ 256,93. H. ajuizou essa ação contra o banco em setembro de 2011.

O banco alegou que inseriu o nome de H. nos cadastros de restrição ao crédito em decorrência de sua inadimplência e que agiu no exercício regular de direito.

Na sentença, o juiz Marco Antônio Silva acatou o pedido de H. e condenou o banco a indenizá-la por danos morais. O banco recorreu à Segunda Instância, mas a desembargadora Mariângela Meyer negou provimento ao recurso.

“A despeito de parecer que a contratação foi realmente firmada pela autora a uma primeira impressão, é incontroverso que a requerente já era idosa na época dos fatos, eis que contava com mais de oitenta anos de idade, tratando-se de pessoa analfabeta que teria ‘assinado’ o referido contrato apenas com sua digital, sem a presença de qualquer testemunha e sem a certeza de que a ela teriam sido prestadas todas as informações acerca de seu conteúdo”, argumentou a relatora.

Mariângela Meyer também explicou que as pessoas analfabetas são plenamente capazes para os atos da vida civil, contudo para que determinados atos tenham validade devem ser observadas certas formalidades. O negócio jurídico deve ser firmado por meio de instrumento público, com a presença obrigatória das partes perante um tabelião de cartório ou por intermédio de procurador constituído por instrumento público.

“Na área reservada à assinatura da autora consta apenas sua simples impressão digital, inexistindo instrumento público a dar validade ao ato, ou representação por procurador constituído de forma pública ou sequer testemunhas.” Com esses argumentos, a desembargadora concluiu que houve dano moral “causador de lesão extrapatrimonial” e que “o contrato deve ser considerado nulo de pleno direito”.

Os desembargadores Paulo Roberto Pereira da Silva e Álvares Cabral da Silva votaram de acordo com a relatora.

Processo: 10443110039502001

Fonte: TJ-MG | 30/12/13

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É namoro ou… união estável?

*Rafael de Freitas

Em termos de definição, união estável e namoro não se confundem, pois enquanto no primeiro existe a figura de família já constituída, por outro lado, no namoro o que há realmente é uma expectativa da relação afetiva vir a tornar-se (ou não) algum dia uma família, seja pelo advento da união estável, ou por meio de celebração de casamento. Contudo, da mesma forma que uma relação pode perdurar por 20 anos ou mais sendo apenas um namoro, outra de poucos meses já poderá estar configurada como união estável.

Por certo, o principal para que se distinga um do outro é a intenção dos envolvidos, embora a última palavra acabe restando ao Poder Judiciário, o que acarreta por dar margem para que pessoas de má fé almejem acréscimo patrimonial indevido. Para evitar maiores problemas, vem se buscando meios mais robustos para se definir quando determinado relacionamento não será uma união estável. Uma destas medidas é o contrato de namoro.

Partindo dessa premissa, podemos indagar: Será realmente tão simples assim? Até que ponto um "contrato de namoro" tem validade?

Em suma, tal instrumento particular foi desenvolvido como uma possibilidade de proteção àqueles que mantêm apenas um namoro, para evitar problemas futuros, devido à omissão da legislação quanto a um tempo mínimo para se caracterizar a união estável.

Cumpre esclarecer que atualmente tal modalidade pactual é considerada nula, exatamente pelo fato de versar acerca de matéria já estabelecida em lei, posto que a união estável é um instituto previsto na CF/88, nos termos do artigo 226, § 3º, que reconheceu "a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

Como já mencionado, por vezes resta ao Poder Judiciário apontar se determinada relação de fato é uma união estável. Todavia os critérios a serem observados são muito subjetivos, tanto que sequer os envolvidos necessitam conviver sob o mesmo teto, nos termos da súmula 382, do STF: "A vida em comum sob o mesmo teto 'more uxorio', não é indispensável à caracterização do concubinato".

A caracterização de união estável, nos termos da lei 8.971/94, estabelecia um tempo mínimo de convívio, qual fosse, um período superior a cinco anos. Tal prazo foi afastado quando do advento da lei 9278/96, que regulamenta o texto constitucional.

Conforme o artigo 1º da referida lei, "é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". Em tempo, todos os termos da legislação em comento foram ratificados pela edição do CC/02, entre os artigos 1.723 e 1.727. Ou seja, de modo geral, todos os requisitos para caracterização da união estável são estritamente subjetivos.

Embora o contrato de namoro venha sendo tido como nulo, o mais adequado seria que referido pacto fosse considerado numa batalha judicial, ainda que não como meio de prova absoluta, mas acompanhado de outras modalidades probatórias. Lembrando que, tendo sido celebrado livremente pelos envolvidos, estes estavam cientes de acordo, de que aquele envolvimento não iria evoluir e permaneceria sendo somente um namoro.

Juridicamente falando, a figura do namoro é irrelevante, contudo não podemos nos olvidar que, como hoje não é possível utilizar-se do contrato em questão, um namoro pode de fato, algum dia se tornar uma união estável, embora não se saiba garantir com exatidão a partir de qual momento.

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*Rafael de Freitas é advogado do escritório Rayes Advogados Associados.

Fonte: Migalhas I 06/01/14

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