Apelação – Mandado de segurança – Serventia extrajudicial – Dispensa imotivada – Preliminar – Legitimidade passiva ad causam – A natureza jurídica dos serviços executados pelos cartórios extrajudiciais é de Direito Público – Transferência da responsabilidade pela execução dos serviços que se dá por meio de ato de delegação, formalizado por concurso público, investindo o agente privado como autoridade pública – Poder de decisão passível de controle pelo Poder Judiciário – Inteligência do Enunciado nº 510, da Súmula do Excelso Pretório – Mérito – (…) – Funcionário de serventia extrajudicial que optou pelo regime jurídico especial ou híbrido, na forma do art. 48, §2º, da Lei Federal nº 8.935/94 – Dispensa do serviço que prescinde de prévio procedimento administrativo, uma vez que os serventuários não adquirem a estabilidade inerente apenas aos cargos de provimento efetivo – Inaplicabilidade do disposto no art. 19, do ADCT – Precedentes das Cortes Superiores – Legalidade do ato do Oficial de Registros – Sentença reformada – Denegação da ordem de segurança – Recurso provido em parte.

EMENTA

APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVENTIA EXTRAJUDICIAL – DISPENSA IMOTIVADA – Preliminar: Legitimidade passiva ad causam – a natureza jurídica dos serviços executados pelos cartórios extrajudiciais é de Direito Público – transferência da responsabilidade pela execução dos serviços que se dá por meio de ato de delegação, formalizado por concurso público, investindo o agente privado como autoridade pública – poder de decisão passível de controle pelo Poder Judiciário – inteligência do Enunciado nº 510, da Súmula do Excelso Pretório. Mérito: Possibilidade de julgamento imediato da lide, nos termos do art. 515, §3º, do CPC – funcionário de serventia extrajudicial que optou pelo regime jurídico especial ou híbrido, na forma do art. 48, §2º, da Lei Federal nº 8.935/94 – dispensa do serviço que prescinde de prévio procedimento administrativo, uma vez que os serventuários não adquirem a estabilidade inerente apenas aos cargos de provimento efetivo – inaplicabilidade do disposto no art. 19, do ADCT – precedentes das Cortes Superiores – legalidade do ato do oficial de registros – sentença reformada – denegação da ordem de segurança. Recurso provido em parte. (TJSP – Apelação Cível nº 0001810–35.2009.8.26.0312 – Juquiá – 4ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Paulo Barcellos Gatti – DJ 07.04.2014)

RELATÓRIO

Vistos.

Trata–se de recurso de apelação interposto por FEIRUZ JAZE, nos autos do mandado de segurança impetrado pelo apelante contra ato dito coator do OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DE JUQUIÁ, extinto, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, pelo Juízo “a quo”, uma vez reconhecida a ilegitimidade passiva ad causam da parte impetrada, por não representar qualquer tipo de “autoridade” apta a figurar em mandado de segurança, consoante r. sentença de fls. 183/185, cujo relatório se adota.

Em suas razões (fls. 200/232), sustentou, preliminarmente, a legitimidade da apelada para figurar no polo passivo domandamus, uma vez que a sua conduta é investida de autoridade por delegação da própria Administração Pública. Ainda como questão prejudicial, defendeu a necessidade de anulação do processo judicial, a partir da decisão do Juízo “a quo” que indeferiu o pedido liminar, tendo em vista que o ato judicial não teria sido publicizado. No mérito, discorreu sobre a ilegalidade do ato de dispensa imotivada praticado pelo oficial do cartório extrajudicial, sem qualquer prévio procedimento administrativo, sendo de rigor o provimento do apelo, no sentido de se conceder a ordem de segurança pleiteada na inicial.

Recurso regulamente processado, livre de preparo por ter sido o impetrante agraciado com o beneplácito da gratuidade judiciária (fl. 19), desafiando contrarrazões da apelada às fls. 281/303. Parecer do ilustre representante do Ministério Público pela desnecessidade de intervenção no feito, ante a natureza disponível do objeto da lide (fls. 179/181).

Este é, em síntese, o relatório.

VOTO

Insurge o impetrante contra a r. sentença de primeiro grau que extinguiu o mandamus, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, uma vez reconhecida a ilegitimidade passiva ad causam da parte impetrada, por não representar qualquer tipo de “autoridade” apta a figurar em mandado de segurança.

E, pelo que se depreende do acervo fático probatório coligido aos autos, o recurso comporta parcial provimento.

Anote–se, antes de se proceder ao enfrentamento das matérias atingidas pelo efeito devolutivo do recurso, que a atribuição dos serviços notariais e de registro às serventias extrajudiciais se dá mediante ato de delegação do Poder Público, conforme disposição do art. 236, da CF/88.

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º – O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Segundo o eminente jurista HELY LOPES MEIRELLES, “há delegação quando o Estado transfere, por contrato (concessão ou consórcio público)ou ato unilateral (permissão ou autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado o preste ao público em seu nome e por sua conta e risco, nas condições regulamentares e sob controle estatal [1].

Na hipótese dos serviços notariais e de registro, a delegação administrativa se dá de maneira peculiar, pois o ato administrativo que a formaliza corresponde à investidura decorrente de aprovação em concurso público, e não por adjudicação em procedimento licitatório ou por ato de autorização/permissão, cabendo ao delegatário, no exercício de sua função, cumprir seu desiderato de acordo com a lei regulamentadora da matéria, sob a fiscalização do Estado.

A regulamentação da matéria disposta no art. 236, da CF/88, foi efetivada pela Lei Federal nº 8.935/94, a qual, em seu art. 20, dispôs sobre a contratação de prepostos pelos notários e oficiais de registros para auxílio nas funções a serem desempenhadas, sendo que o vínculo laborativo seria, em regra, regido pela legislação trabalhista.

Ocorre que, com o advento de referida lei, no Estado de São Paulo, três regimes jurídicos funcionais distintos a que se submetem os serventuários dos Serviços Notariais e de Registro passaram a ser evidenciados: (i) O primeiro deles, anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, é o regime jurídico estatutário, estruturado de acordo com a legislação atinente ao funcionalismo público estadual a Lei nº 10.261/68; (ii) o segundo, vigente no período compreendido entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a edição da Lei Federal nº 8.935/94, é o regime especial ou híbrido, disciplinado por normas internas deste Tribunal de Justiça os Provimentos da E. Corregedoria Geral de Justiça e (iii) o terceiro, perfeitamente caracterizado a partir da Lei nº 8.935/94, é o regime jurídico privado, submetido à legislação social a Consolidação das Leis do Trabalho.

Esclareça–se que para o grupo dos serventuários já em atividade, quando do advento da nova ordem constitucional e dada a característica sui generis do vínculo empregatício existente com o ente privado no exercício de função pública, previu–se a possibilidade de os serventuários optarem pela transmutação do regime então vigente para o celetista ou, ainda, a permanência do statu quo ante, ou seja, o chamado regime especial ou híbrido, com submissão às regras do Estatuto dos Servidores Civis ou às normas pertinentes editadas pelo Tribunal de Justiça (art. 48, §2º, da Lei nº 8.935/94).

Art. 48. Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei.

§ 1º Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será integralmente considerado, para todos os efeitos de direito.

§ 2º Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei.

De se destacar, neste diapasão, que a sujeição ao regime jurídico híbrido não garantiu aos serventuários a chamadaestabilidade anômala, prevista no art. 19, do ADCT:

Art. 19 – Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no Art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

§ 1º – O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.

§ 2º – O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do caput deste artigo, exceto se se tratar de servidor.

§ 3º – O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.

A aludida forma anômala de “estabilização” constitucional do servidor público dedicou–se tão–somente aos funcionários públicos permanentes, estatutários ou celetistas, admitidos pela própria Administração antes da vigência da nova CartaMaior, não se estendendo aos serventuários extrajudiciais. Este, inclusive, é o entendimento consolidado das Cortes Superiores:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ART. 19 DO ADCT. FUNCIONÁRIO DE CARTÓRIO. AUSÊNCIA DE VÍNCULO COM A ADMINISTRAÇÃO. ESTABILIDADE. IMPERTINÊNCIA. 1. A norma do art. 19 do ADCT não socorre o recorrente, que admite jamais ter recebido remuneração dos cofres públicos e ser contratado apenas do Cartório de Distribuição do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho. 2. Dispositivo constitucional transitório que se aplica somente àqueles servidores públicos em exercício, há pelo menos cinco anos antes da promulgação da Carta de 1988, na administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como em suas autarquias e fundações públicas. 3. Recurso extraordinário conhecido e improvido. (STF, RE nº 388.589/DF, Relª. Minª. ELLEN GRACIE, 2ª Turma, j. 15.06.2004).

ADMINISTRATIVO. ESCREVENTE SUBSTITUTO. ESTABILIDADE. ART. 19 DA ADCT. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 83/STJ. "O art. 19 do ADCT, relativo à estabilidade dos servidores públicos, não se aplica aos serventuários de cartórios extrajudiciais, que podem ser dispensados sem a necessidade de prévio procedimento administrativo" (RMS 30.871/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/5/2013, DJe 24/5/2013). Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no AREsp nº 228.163/MG, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, 2ª Turma, j. 10.12.2013).

Com isso, a desvinculação do serventuário extrajudicial de seu cargo, a despeito do regime jurídico funcional a que submetido, dispensaria qualquer procedimento administrativo formal, bastando para tanto a manifestação da vontade no notário ou do oficial de registros, conforme ratificação contida no art. 28, da Lei nº 8.935/94, que garantiu a independência de atuação no exercício de suas atribuições, no que se insere a atividade de contratação dos serventuários.

Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.

Pois bem. Estabelecidas estas premissas a respeito da natureza e peculiaridades do cargo ocupado pelas serventias extrajudiciais, inegável que a investidura do notário ou oficial de registro para exercício de função pública lhe confere poder e autoridade de decisão para o exercício de suas atribuições, sujeitando–se, portanto, ao controle da legalidade de seus atos por parte do Poder Judiciário pela via estrita do mandamus.

Note–se que o art. 5º, LXIX, ao tratar sobre a hipótese de cabimento do mandado de segurança, foi enfático e abrangente ao prelecionar a possibilidade de impetração contra quem quer que estiver “no exercício de atribuições do Poder Público”, o que extirpa de dúvidas a possibilidade de o notário ou registrador figurar no polo passivo do referido remédio constitucional.

Em ratificação à tese aqui apresentada, o Excelso Pretório editou o Enunciado nº 510 de sua Súmula jurisprudencial, com o seguinte teor: “Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial”.

Assim, respeitado o entendimento esposado pelo Juízo “a quo”, tem–se que a autoridade apontada pelo impetrante como coatora é parte legítima para figurar no polo passivo do presente mandado de segurança, uma vez que seus atos, ainda que relativos à contratação e dispensa de serventuários, configuram decisão de autoridade pública e, portanto, sujeita ao controle da legalidade pelo Poder Judiciário.

Merece, pois, ser reformada a r. sentença de primeiro grau e, com fulcro no quanto disposto no art. 515, §3º, do CPC, passa–se ao exame do meritum causaeIn casu, o impetrante foi admitido como serventuário extrajudicial preposto auxiliar no Cartório Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídica junto à comarca de Juquiá, em 1º.11.1968, não tendo optado pelo regime celetista após o advento da Lei Federal nº 8.935/94, o que lhe garantiu asubmissão ao regime jurídico híbrido.

Segundo afirma, as normas baixadas pelo Tribunal de Justiça, vigentes à época dos fatos, garantiam–lhe estabilidade na função pública conforme disposição dos Provimentos nº 01/82 e nº 14/91 daCorregedoria Geral de Justiça do Estado. Todavia, ao arrepio destas disposições infralegais, o oficial do cartório teria emitido Termo de Comunicação de Dispensa do serventuário–impetrante, apegando–se apenas em superveniente falta de interesse no prosseguimento do vínculo funcional (fl. 11), circunstância esta que ensejou a impetração deste writ, objetivando a reintegração do impetrante no cargo anteriormente ocupado, além da condenação da autoridade dita coatora ao pagamento das verbas salariais vencidas (fls. 02/09).

Não obstante, como minuciosamente descrito linhas atrás, ainda que submetido ao regime jurídico funcional híbrido, não detinha o serventuário a estabilidade necessária a lhe garantir o direito a prévio procedimento administrativo de dispensa, nem mesmo por força do art. 19, do ADCT, inaplicável ao caso em testilha conforme explanado.

Tratando–se de vínculo funcional não emoldurado por prévio concurso público, ainda que voltada à execução de serviços de interesse público, descabe ao serventuário valer–se das garantias expressa e unicamente reservados aos titulares de cargo de provimento efetivo (art. 41, caput, da CF/88).

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

A respeito do tema, confiram–se os seguintes precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça Estadual:

”APELAÇÃO Mandado de Segurança Escrevente do 3º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos Processo administrativo que culminou com sua demissão Pretensão na nulidade do procedimento demissional por ausência de competência da Comissão Processante Inadmissibilidade Ausência de estabilidade – Sentença mantida Recurso improvido” (Apelação Cível nº 0002631–56.2011.8.26.0510, Relª. Desª. ANA LUIZA LIARTE, 4ª Câmara de Direito Público, j. 30.09.2013).

“APELAÇÃO. Serventuária de cartório extrajudicial que não optou pelo regime celetista. Admissão anterior à Constituição da República de 1988. Normas da Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) instituídas pelo Provimento nº 14/91, que era o vigente à época da edição da Lei nº 8.935/94. Regime jurídico 'especial' ou 'híbrido'.

Inexistência de estabilidade. Exoneração (ou demissão, no caso). Possibilidade. Sentença de improcedência do pedido mantida. Negado provimento ao recurso” (Apelação Cível nº 0004227–55.2008.8.26.0292, Rel. Des. OSWALDO LUIZ PALU, 9ª Câmara de Direito Público, j. 26.10.2011).

”FUNCIONÁRIO DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL REINTEGRAÇÃO DE CARGO Pretensão à estabilidade prevista no artigo 19 do ADCT Impossibilidade O gerenciamento administrativo e financeiro pertence ao titular da serventia, nos termos da Lei 8.935/94 Sentença de improcedência mantida Recurso improvido” (Apelação Cível nº 0375718–18.2009.8.26.0000, Rel. Des. MOACIR PERES, 7ª Câmara de Direito Público, j. 04.04.2011).

Sendo assim, demonstrada a legalidade do ato de dispensa procedido pela autoridade impetrada, independentemente de prévio procedimento administrativo, de rigor a denegação da ordem de segurança. Em que pese a reforma da ratio decidendi contida na r. sentença de primeiro grau, resta mantida a sucumbência do impetrante na demanda mandamental, sendo indevido o arbitramento de verba honorária, em razão do quanto disposto no art. 25, da Lei nº 12.016/2009.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pelo impetrante, de modo a REFORMAR ratio decidendi contida na r. sentença de primeiro grau, para reconhecer a legitimidade passiva ad causam da autoridade apontada como coatora e, com fulcro no art. 515, §3º, do CPC, DENEGAR A ORDEM DE SEGURANÇA pretendida na inicial, diante da legalidade do ato de dispensa procedido pela autoridade impetrada. Ainda que mantida a sucumbência do impetrante na demanda mandamental, mostra–se indevido o arbitramento de verba honorária, em razão do quanto disposto no art. 25, da Lei nº 12.016/2009.

PAULO BARCELLOS GATTI – Relator.

________________________

Notas:

[1] MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 39ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 394.

________________________

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6360 | 10/04/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


STJ: PROTESTO DE CDA. LEI 9.492⁄1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O “II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO”. SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.126.515 – PR (2009⁄0042064-8)

RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN

RECORRENTE: MUNICIPIO DE LONDRINA

PROCURADOR: JOÃO LUIZ MARTINS ESTEVES E OUTRO(S)

RECORRIDO: PROTENGE ENGENHARIA DE PROJETOS E OBRAS LTDA

ADVOGADO: JOÃO TAVARES DE LIMA FILHO E OUTRO(S) 

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492⁄1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O "II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO". SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492⁄1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830⁄1980.

2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767⁄2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492⁄1997, para expressamente consignar que estão incluídas "entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas".

3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão.

4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492⁄1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida". Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais.

5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805⁄RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado.

6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública.

7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF⁄1988) e da imparcialidade.

8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830⁄1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito.

9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.

10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o "Auto de Lançamento", esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo.

11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.).

12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve "surpresa" ou "abuso de poder" na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio.

13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.

14. A Lei 9.492⁄1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo", definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a "revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo".

15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares.

16. A interpretação contextualizada da Lei 9.492⁄1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação – naturalmente adaptada às peculiaridades existentes – de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços).

17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Eliana Calmon, acompanhando o Sr. Ministro Herman Benjamin, a Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon (voto-vista) e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 03 de dezembro de 2013(data do julgamento).

MINISTRO HERMAN BENJAMIN 

Clique aqui e leia o acórdão na íntegra.

Fonte: STJ.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Regularização fundiária e a face fundamental do registro imobiliário brasileiro: função social do registrador imobiliário

*Emanuel Costa Santos

Porque a todo aquele, a quem muito foi dado, muito será pedido, e ao que muito confiaram, mais contas lhe tomarão (Lucas, XII: 47-48) 

O tema pertinente à regularização fundiária não é propriamente novo no Brasil, podendo ser apontadas no século XIX legislações que visavam de um lado identificar as posses e legitimar seus ocupantes e, de outro, separar os bens públicos dos privados.

No século XX a irregularidade fundiária migrou para áreas urbanas, face o êxodo rural, seguido do desordenado crescimento das cidades, fruto, em muito, de um empreendedorismo nem sempre marcado pela responsabilidade. Para mitigar os efeitos da irregularidade, o legislador tratou em alguns momentos da matéria, como, por exemplo, nas disposições transitórias do Decreto-lei 58/1937 e nas disposições gerais da Lei Federal 6.766/1979.

Contudo, é com a Lei Federal 11.977/2009, conhecida como Programa Minha Casa Minha Vida, que a Regularização Fundiária é tratada com protagonismo pelo legislador. O artigo 46 indica que a solução desse grave problema nacional demanda um “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais” com vistas a regularizar os assentamentos e titular seus ocupantes.

A realidade apontava que os casos de irregularidade não eram – e de fato não são – de todo idênticos, indicando a necessidade de tratar de forma desigual os empreendimentos irregulares dos empreendimentos projetados, de maneira a garantir também ao conjunto de ocupantes daqueles o mesmo acesso que os adquirentes destes tinham ao fundamental direito à moradia digna, acrescida com o plus da propriedade (no estrito sentido civilista), dela se extraindo suas funções sociais e ambientais. No plano da moradia, a regularização atua, portanto, garantindo os basilares direitos à igualdade e à dignidade.

Vista por outro ângulo, a Lei 11.977 evidencia a próxima relação entre o sistema registral imobiliário brasileiro e os direitos fundamentais. Trabalhando há 170 anos na senda da segurança jurídica, atua, entre outros, na proteção de direitos patrimoniais e creditícios, no controle jurídico do ordenamento urbano, na publicidade ambiental e na proteção de consumidores de bens imóveis.

Nesse passo, a competência dos registradores imobiliários para processamento do pedido de regularização fundiária encontra matriz histórica, sendo consequência lógica da tutela constitucional do direito à propriedade imobiliária a eles atribuída.

Não obstante, necessário se fez alterar alguns paradigmas do moderno sistema registral para viabilizar a regularização fundiária e o ingresso de milhões de brasileiros ao mercado imobiliário formal. Dentre eles, a possibilidade de publicidade registral da posse legitimada, de forma a permitir, administrativamente, sua conversão em domínio pelo decurso do prazo prescricional.

Também houve significativa flexibilização dos princípios registrais, sempre lembrando que se está diante de situação fática complexa, em que as soluções tradicionais foram revisitadas pelo legislador de 2009.

Se já é possível vislumbrar nesse breve artigo pontos de contato do registro imobiliário com os direitos fundamentais, parece que a atual regularização fundiária confere contornos especiais ao papel da instituição registral na realização daqueles direitos.

Sem prejuízo da mantença do controle formal, próprio do sistema registral, verifica-se que houve clara percepção pelo legislador que o direito à moradia não se realiza em sua plenitude sem a necessária titulação registrada, esta sim passível de viabilizar o pleno cumprimento das funções sociais – e econômica – da propriedade.

Esta proximidade com a realização do direito material deve conduzir o registrador imobiliário a uma postura ativa – sem ativismo – diante dos casos de regularização. Daí se falar também da assunção de sua função social, compreendendo não só o aspecto jurídico do desempenho de sua atividade, mas também sua repercussão social e econômica.

Comunicar-se com o conjunto de partícipes desse processo de resgate da dignidade é papel que se impõe. Sem se descurar dos princípios próprios do administrador público, notadamente os da legalidade, impessoalidade e moralidade, deve estabelecer diálogo construtivo e permanente com pessoas jurídicas de direito público, agentes públicos, companhias habitacionais e associações de moradores de empreendimentos irregulares, por exemplo, sempre com vistas a tornar exitosa a regularização fundiária.

Como agente constitucionalmente responsável pela realização de diversos direitos fundamentais, deve o registrador imobiliário estar afinado com a cidadania; trabalhar pela promoção da dignidade da pessoa humana; construir palco jurídico seguro para o desenvolvimento da livre iniciativa; solidarizar-se na edificação de uma sociedade marcada por liberdade e padrões de justiça que atendam cada vez mais uma parcela maior da população; contribuir, com seu mister, para erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais; promover o bem comum. Em poucas palavras, estar afinado com os fundamentos e os objetivos da República Federativa do Brasil.

_____________________________

*Emanuel Costa Santos – 2o Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Araraquara/SP, Diretor de Assuntos Estratégicos da ARISP. Mestre em Direito Constitucional pela ITE/Bauru, Especialista em Direito Registral pela Facultad de Derecho Esade, Universitat Ramon Lllul, Barcelona, Espanha.

Fonte: Jornal Carta Forense | 27/12/13

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.