CSM/SP: Registro de Imóveis – Formal De Partilha – Atribuição de quinhões certos e determinados – Impossibilidade de se afirmar a titularidade dos herdeiros sobre área determinada – Afronta aos princípios da especialidade objetiva e da unicidade matricial – Recurso não provido

Apelação n° 1000542-47.2019.8.26.0418

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000542-47.2019.8.26.0418

Comarca: PARAIBUNA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000542-47.2019.8.26.0418

Registro: 2019.0001054536

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000542-47.2019.8.26.0418, da Comarca de Paraibuna, em que é apelante CIRILO ANTONIO DOS SANTOS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PARAIBUNA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de dezembro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000542-47.2019.8.26.0418

Apelante: Cirilo Antonio dos Santos

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Paraibuna

VOTO Nº 38.018

Registro de Imóveis – Formal De Partilha – Atribuição de quinhões certos e determinados – Impossibilidade de se afirmar a titularidade dos herdeiros sobre área determinada – Afronta aos princípios da especialidade objetiva e da unicidade matricial – Recurso não provido.

Cuida-se de recurso de Apelação interposto em face da r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Paraibuna, que julgou procedente a dúvida suscitada para o fim de manter a recusa a registro de formal de partilha por violação aos princípios da especialidade objetiva e unicidade matricial.

De plano, o apelante afirma que cumpriu as exigências atinentes à especialidade subjetiva. No mais, sustentou não subsistir o óbice registrário, uma vez que a partilha amigável contemplou todo o acervo hereditário; foi devidamente homologada judicialmente, além de se tratar de bem divisível, à luz do artigo 87 do Código Civil.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 548/549).

É o relatório.

De proêmio, cumpre consignar que a natureza judicial do título apresentado não impede sua qualificação registral quanto aos aspectos extrínsecos ou aqueles que não foram objeto de exame pela Autoridade Jurisdicional.

Com efeito, o item 119, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça é expresso acerca do dever do Oficial do Registro de Imóveis a tanto, como se constata de sua redação:

119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

Essa questão é pacífica nos precedentes administrativos deste órgão colegiado, entre muitos, confira-se trecho do voto do Desembargador Manuel Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça à época, na apelação n. 0001561-55.2015.8.26.0383, j. 20.07.17:

A origem judicial do título não afasta a necessidade de sua qualificação registral, com intuito de se obstar qualquer violação ao princípio da continuidade (Lei 6.015/73, art. 195).

Nesse sentido, douto parecer da lavra do então Juiz Assessor desta Corregedoria Geral de Justiça, Álvaro Luiz Valery Mirra, lançado nos autos do processo n.º 2009/85.842, que, fazendo referência a importante precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n.º 31.881-0/1), aduz o que segue:

“De início, cumpre anotar, a propósito da matéria, que tanto esta Corregedoria Geral da Justiça quanto o Colendo Conselho Superior da Magistratura têm entendido imprescindível a observância dos princípios e regras de direito registral para o ingresso no fólio real – seja pela via de registro, seja pela via de averbação – de penhoras, arrestos e seqüestros de bens imóveis, mesmo considerando a origem judicial de referidos atos, tendo em conta a orientação tranquila nesta esfera administrativa segundo a qual a natureza judicial do título levado a registro ou a averbação não o exime da atividade de qualificação registral realizada pelo oficial registrador, sob o estrito ângulo da regularidade formal (Ap. Cív. n. 31.881-0/1).”

Fixada esta premissa, passo, pois, ao exame do título com protocolo n.º 27.475.

Com efeito, o artigo 176 da Lei n.º 6.015/1973 dispõe que:

“O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3. (Renumerado do art. 173 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).

§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas: (Renumerado do parágrafo único, pela Lei nº 6.688, de 1979)

I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei;

II – são requisitos da matrícula:

1) o número de ordem, que seguirá ao infinito;

2) a data;

3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação: (Redação dada pela Lei nº 10.267, de 2001)

a – se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área; (Incluída pela Lei nº 10.267, de 2001)

b – se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver. (Incluída pela Lei nº 10.267, de 2001)

4) o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como:

a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua filiação;

b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda;

5) o número do registro anterior;

III – são requisitos do registro no Livro nº 2:

1) a data;

2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como:

a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação;

b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda;

3) o título da transmissão ou do ônus;

4) a forma do título, sua procedência e caracterização;

5) o valor do contrato, da coisa ou da dívida, prazo desta, condições e mais especificações, inclusive os juros, se houver.

§ 2º Para a matrícula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior . (Incluído pela Lei nº 6.688, de 1979)

§ 3º Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais. (Incluído pela Lei nº 10.267, de 2001)

§ 4º A identificação de que trata o § 3o tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 10.267, de 2001)

§ 5º Nas hipóteses do § 3o, caberá ao Incra certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio. (Incluído pela Lei nº 11.952, de 2009)

§ 6º A certificação do memorial descritivo de glebas públicas será referente apenas ao seu perímetro originário. (Incluído pela Lei nº 11.952, de 2009)

§ 7º Não se exigirá, por ocasião da efetivação do registro do imóvel destacado de glebas públicas, a retificação do memorial descritivo da área remanescente, que somente ocorrerá a cada 3 (três) anos, contados a partir do primeiro destaque, englobando todos os destaques realizados no período. (Incluído pela Lei nº 11.952, de 2009)

§ 8º O ente público proprietário ou imitido na posse a partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação em curso poderá requerer a abertura de matrícula de parte de imóvel situado em área urbana ou de expansão urbana, previamente matriculado ou não, com base em planta e memorial descritivo, podendo a apuração de remanescente ocorrer em momento posterior. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”.

O princípio da especialidade objetiva, contido em referido dispositivo legal, exige a identificação do imóvel como um corpo certo objetivando sua localização física.

Para Afrânio de Carvalho:

“o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro” (Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6.015/73, 2a ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219).

Em face disso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização   individualização, não se confundindo com nenhum outro.

Narciso Orlandi Neto, ao referir Jorge de Seabra Magalhães, destaca que:

“as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior. É preciso que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro” (Narciso Orlandi Neto, Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 68).

No presente caso, da partilha em análise constou a atribuição do imóvel matriculado sob n.º 5.811 em dois quinhões distintos, denominados de: “quinhão 1” e “quinhão 2”, como um “corpo certo e determinado”, não havendo, contudo, possibilidade de se localizar os referidos quinhões com a descrição constante do mencionado formal, em desatenção, portanto, ao referido princípio.

Tratando-se de área determinada, integrante de área maior, sem o prévio destaque, pertinente o óbice registrário, devendo a atribuição ser constituída em condomínio entre os herdeiros, ou seja, em partes ideais.

Por pertinente, cumpre-nos, ainda, relembrar o princípio da unicidade da matrícula, constante do artigo 176, §1º, I, da Lei 6015/1973, por meio do qual se estabelece que cada imóvel será objeto de uma matrícula e cada matrícula descreverá apenas um bem.

Assim é que, no caso em espeque, não se afigura viável a descrição de dois imóveis individualizados e destacados da área maior em uma mesma matrícula, sob pena de ofensa ao mencionado princípio.

Em resumo, faz-se necessário o registro da partilha em partes ideais e, após, caso assim pretendam os herdeiros, poderá ser feita a divisão amigável do imóvel e o registro dos quinhões autônomos.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 31.03.2020 – SP).

Fonte: DJE/SP.

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Subrrogação de cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Não basta que ambos os compradores concordem com a transposição de cláusulas, justamente porque não são os únicos interessados no ato, cabendo a apreciação judicial, em procedimento de jurisdição voluntária nos termos do Art. 725, II, do CPC, para que se analise se houve efetivo uso do mesmo numerário para aquisição do novo bem, se houve justa causa e se com a sub-rogação estará sendo cumprida a vontade do doador, bem como preservados interesses de terceiros, evitando a perpetuidade da limitação ao direito de propriedade com sucessivas sub-rogações.

Processo 1008913-47.2020.8.26.0100

Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Guilherme de Almeida Prado e outro – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Guilherme de Almeida Prado e Karen Perrotta Lopes de Almeida Prado, após negativa de registro de escritura de compra e venda cujo objeto é o imóvel matriculado sob o nº 142.523 da mencionada serventia. Aduz o Oficial que a referida escritura contém cláusula de incomunicabilidade e impenhorabilidade, cuja justificativa é o fato do imóvel ter sido adquirido com recursos advindos da venda de imóvel que continha tais cláusulas, havendo portanto a transferência de tais restrições. Segundo o Oficial, houve sub-rogação do vínculo, que somente pode se dar por ordem judicial. Juntou documentos às fls. 03/87. O suscitado impugnou a dúvida às fls. 90/95, aduzindo que constou tanto na escritura de venda do imóvel gravado com as cláusulas como o de compra do imóvel que se pretende transferi-las que os recursos eram os mesmos, sendo a sub-rogação automática, desnecessária autorização judicial, mormente o movimento de desjudicialização das questões em que há concordância das partes. O Ministério Público opinou às fls. 98/99. É o relatório. Decido. A questão tratada nos autos é similar aquela enfrentada pelo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 1.120-6/7, Rel. Luiz Tâmbara, j. 08/07/09, DJE 04/12/2009: Registro de Imóveis – Escritura de venda e compra de bem imóvel – Imóvel adquirido com o produto da alienação de outro bem resultante de redução de capital social de empresa e de distribuição de lucros a sócio – Ações da companhia anteriormente gravadas com cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade – Não caracterização, no caso, de sub-rogação automática, de pleno direito, dos vínculos – Impossibilidade do registro da escritura com os mesmos gravames – Necessidade, para a pretendida sub-rogação, do processo e procedimento próprios previsto no art. 1.112, II, do CPC – Recusa do registro acertada – Recurso não provido. (…) [A] doutrina tem chamado a atenção para os limites da imposição isolada da cláusula de incomunicabilidade ou da cláusula de impenhorabilidade – ou de ambas em conjunto -, sem concomitante adoção da cláusula de inalienabilidade, na medida em que, mostrando-se possível a alienação do bem clausulado, acaba-se por obter resultado diverso daquele perseguido pelo instituidor do gravame. De acordo com a análise de Eduardo de Oliveira Leite: “Claro está que a imposição isolada dessa cláusula[de incomunicabilidade]não impede a alienação, obtendo-se, indiretamente, resultado diverso daquele perseguido pelo testador (ambos os cônjuges usufruirão o resultado da venda); mas, se o testador impuser a inalienabilidade, desaparece aquela possibilidade ressurgindo a possibilidade de engessamento do bem clausulado”(Comentários ao Novo Código Civil – vol. XXI – Do direito das sucessões – arts. 1.784 a 2.027. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 274). No mesmo sentido, Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme: “A cláusula[de incomunicabilidade], não impede que os bens sejam alienados, o que permite a venda e entrega do produto da alienação ao cônjuge, burlando, então, a vontade do testador.”(Cláusulas testamentárias limitativas da legítima e seus problemas jurídicos. In: Maria Helena Diniz – Coord. -Atualidades jurídicas, 5. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 213). E, ainda, por fim, Sílvio de Salvo Venosa: “A imposição isolada dessa cláusula[de incomunicabilidade]não impede a alienação, de modo que a intenção do legislador pode facilmente ser contornada, uma vez que o produto da venda será fatalmente utilizado em proveito do casal, se não houver a sub-rogação da cláusula em outro bem. Não se pode presumir a inalienabilidade, se não vier expressa no testamento. Pode o testador evitar esse óbice impondo a inalienabilidade sob certo termo, ou determinando a conversão em determinados bens, em caso de alienação.”(Ob. cit., p. 153). Compreende-se que assim de fato seja, pois a cláusula de incomunicabilidade implica, quando adotada, derrogação ao regime legal de bens entre os cônjuges, tanto quanto a cláusula de impenhorabilidade acarreta a exclusão do bem gravado da garantia geral que o patrimônio do devedor representa para os credores. Daí a reserva com que se vê a transposição automática dos gravames em caso de alienação dos bens gravados com a incomunicabilidade e com a impenhorabilidade, sem o procedimento adequado previsto no art. 1.112, II, do Código de Processo Civil. Ressalte-se que o procedimento judicial a que se alude não é condição para a validade da alienação do bem clausulado, mas, sim, para o transporte das cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade aos bens adquiridos com o produto da referida alienação, mediante sub-rogação dos vínculos. Sem ele, a manutenção dos vínculos de incomunicabilidade e impenhorabilidade acaba por decorrer de ato de vontade do próprio titular do bem, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, exceção feita à instituição do bem de família. Como leciona Ademar Fioranelli sobre o tema: “(…) observo que não se pode admitir, sem o caminho judicial próprio de subrogação de vínculos, que as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, que pesam sobre determinado imóvel antes doado, sejam transferidos a outro imóvel permutado pelos donatários, por não ser lícito a ninguém vincular seu próprio bem, ônus que só se pode estabelecer em relação a terceiros. Se é certo que, em se tratando de cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, inexiste óbice para a transferência do bem a título de permuta, não seria lícito aos adquirentes impor gravame, de forma unilateral, ao imóvel adquirido na permuta, por não se configurar, também, a chamada subrogação real prevista nos artigos 269, II, e 272 do Código Civil, que constituem hipóteses legais de exclusão de bens da comunhão matrimonial. A causa jurídica que justifica tais hipóteses é diversa da que caracteriza a impenhorabilidade, originariamente imposta pelo doador (RT 656/37). Assim, a simples declaração do ato notarial da permuta, isoladamente considerada, mostrar-se-ia insuficiente para atender os requisitos se segurança exigidos. Os gravames da incomunicabilidade e o da impenhorabilidade, tanto como o da inalienabilidade, obrigam a que a subrogação seja submetida à apreciação judicial. Imposta pelo doador ou testador, a alienação do bem e subseqüente aquisição de outro pela permuta, não faz com que a subrogação se opereipso jure. Se admitido o ato, estaria sendo permitido que o adquirente vinculasse seu próprio bem, o que nosso sistema jurídico não permite, à exceção do bem de família.”(Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 194-195). Assim, também, cabe salientar, já decidiu este Conselho Superior da Magistratura, em acórdão da lavra do eminente Desembargador Luís de Macedo, então Corregedor Geral da Justiça: “REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida. Ingresso de escritura de compra e venda da nua-propriedade de imóvel gravado com cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade. Impossibilidade de manutenção das cláusulas restritivas. Necessidade de autorização judicial para a subrogação de cláusulas incidentes sobre outro imóvel. Dúvida procedente. Recurso a que se nega provimento. (…) (…) a imposição das cláusulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade dar-se-ia ou por sub-rogação ou por vinculação sobre o próprio bem, o que não se mostra possível, seja pela falta de prévia utilização do procedimento previsto no inc. II do art. 1.112 do Código de Processo Civil, necessário para a sub-rogação, seja pela vedação de que tais cláusulas restritivas sejam impostas em atos onerosos ou posteriormente a dada liberalidade, pois a ninguém é permitido gravar os próprios bens, o que inviabiliza a mera transposição das cláusulas que oneravam imóvel antes doado para outro agora adquirido por compra e venda. Mostra-se oportuna, quanto ao tema, referência às razões que fundamentaram decisão do MM. Juízo da Primeira Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital, de 03.02.99, relativa ao Proc. 000.98.021177-8, publicada na Revista de Direito Imobiliário 49/332, firmes no sentido de que ‘cláusulas restritivas constituem ônus que só se estabelecem em relação a terceiros, ou seja, donatários, herdeiros e legatários, pois o sistema jurídico não possibilita, não permite, vincular os próprios bens, a exceção do bem de família’ e de que ‘a sub-rogação, por ser vedada a vinculação ou imposição de cláusulas restritivas sobre os próprios bens, mesmo porque implicam em limitação de direitos de terceiros, v.g. credores de titular de domínio de imóvel gravado com cláusula de impenhorabilidade; cônjuge de proprietário de imóvel com cláusula de incomunicabilidade, à evidência, depende de apreciação judicial, sendo necessária a utilização do procedimento previsto no inc. II do art. 1.112 do CPC. A sub-rogação não se opera de pleno direito, é imprescindível a autorização judicial.’.”(Ap. Cív. n. 81.249-0/9 – j. 22.11.2001). Na hipótese, como se percebe, não se admitindo a sub-rogação automática dos vínculos em questão e não se tendo observado o procedimento judicial próprio para tanto, o que houve, em verdade, na escritura de venda e compra apresentada a registro, foi, no final das contas, o estabelecimento de cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade pelo próprio Apelante sobre o imóvel por ele adquirido, o que, como visto, não se pode admitir. E essa situação foi corretamente identificada pelo Oficial Registrador no exame de qualificação negativa do título. Observe-se que a re-ratificação da doação em ato notarial específico e a participação no negócio jurídico celebrado, com anuência na manutenção das cláusulas, por parte dos doadores e do cônjuge do Apelante, em nada altera o quadro acima descrito, já que imprescindível para a sub-rogação dos vínculos de incomunicabilidade e impenhorabilidade a chancela judicial obtida pela via do processo e do procedimento próprios disciplinados no art. 112, II, do CPC. Portanto, à luz das considerações que vêm de ser expendidas, bem como do entendimento firmado no âmbito deste Conselho Superior da Magistratura, não há como censurar a recusa do registro do título pelo Oficial Registrador, ratificada com acerto pelo Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente.” Em suma, por se tratar de limitação ao direito de propriedade, incluindo possível limitação de direito de terceiros (por exemplo do credor, no caso da cláusula de impenhorabilidade), necessária a autorização judicial para sub-rogação das cláusulas, sob pena de permitir ao interessado a eterna transferência das cláusulas entre diversos bens, culminando em escolha pessoal de quais os bens gravados, em detrimento da limitação legal a instituição de tais cláusulas, que somente se dá na propriedade de terceiros, como donatários e herdeiros. Não basta que ambos os compradores concordem com a transposição de cláusulas, justamente porque não são os únicos interessados no ato, cabendo a apreciação judicial, em procedimento de jurisdição voluntária nos termos do Art. 725, II, do CPC, para que se analise se houve efetivo uso do mesmo numerário para aquisição do novo bem, se houve justa causa e se com a sub-rogação estará sendo cumprida a vontade do doador, bem como preservados interesses de terceiros, evitando a perpetuidade da limitação ao direito de propriedade com sucessivas sub-rogações. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Guilherme de Almeida Prado e Karen Perrotta Lopes de Almeida Prado, mantendo o óbice ao registro. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: JOÃO PAULO AVILA PONTES (OAB 205549/SP) (DJe de 03.04.2020 – SP)

Fonte: DJe de 03.04.2020-SP)

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Registro de Imóveis – Averbação – Recurso de apelação recebido como recurso administrativo – Cancelamento de averbação de arrolamento – Receita Federal – Impossibilidade pela via administrativa – Recurso desprovido.

Número do processo: 1019997-40.2017.8.26.0071

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 85

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1019997-40.2017.8.26.0071

(85/2018-E)

Registro de Imóveis – Averbação – Recurso de apelação recebido como recurso administrativo – Cancelamento de averbação de arrolamento – Receita Federal – Impossibilidade pela via administrativa – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça

Trata-se de recurso interposto por RODRIGO FERREIRA DE CARVALHO contra r. sentença de fl. 92/95, que julgou improcedente o pedido de providências instaurado contra nota de devolução emitida pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis de Bauru, a qual recusou o cancelamento da averbação do arrolamento feito pela Receita Federal em dois imóveis de sua propriedade, matrículas nº 82.106 e 69.238.

O recorrente afirma que o referido arrolamento não impede a transferência do bem para terceiros, sendo apenas necessário informa-la à Receita Federal, o que foi feito. Nada obstante, a Receita não oficiou ao 1º Cartório de Registro de Imóveis para o cancelamento da averbação do arrolamento de bens.

Em razão disso, teria direito ao referido cancelamento, com base no artigo 9º da Instrução Normativa nº 1.565/2015, da Receita Federal.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Opino.

Preliminarmente, não se tratando de procedimento de dúvida, cujo cabimento é restrito aos atos de registro em sentido estrito, verifica-se que o recurso foi denominado erroneamente de apelação.

Isso porque se busca a retificação de atos já inscritos em registros anteriores, materializados por atos de averbação, nos termos do art. 213 § 1° da lei n° 6.015/73.

Todavia, tendo em vista a sua tempestividade, possível o conhecimento e processamento do apelo como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar n° 3/1969).

O recorrente foi autuado pela Receita Federal e, dentro do processo administrativo de arrolamento de bens nº 15892.720018/2015-96, teve dois imóveis de sua propriedade arrolados, ambos registrados no 1º Registro de Imóveis de Bauru, localizados no Residencial Villaggio III (matrícula 82.106) e Residencial Villaggio (matrícula 69.238).

De fato, o arrolamento levado a efeito pela Receita Federal não tem natureza de constrição judicial, tampouco impede a alienação ou oneração do bem, tratando-se de procedimento suscetível de ser indicado como garantia de débitos federais e para representação na propositura de medida cautelar fiscal.

Não cabe, entretanto, ao registro de imóveis, tampouco ao juízo administrativo, determinar o cancelamento do referido arrolamento, o que somente pode ser pleiteado junto à autoridade administrativa que o constituiu, ou, alternativamente, pela via jurisdicional.

Diz o art. 250 da Lei n° 6.015/77:

Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:

I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;

II – a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião;

III – A requerimento do interessado, instruído com documento hábil;

IV – a requerimento da Fazenda Pública, instruído com certidão de conclusão de processo administrativo que declarou, na forma da lei, a rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural, expedido para fins de regularização fundiária, e a reversão do imóvel ao patrimônio público

No caso em questão, não foram preenchidos nenhum dos requisitos previstos nos itens acima, já que, ainda que inserido na hipótese do inciso III do art. 250, não foi apresentado o “documento hábil” a viabilizar o cancelamento do arrolamento, qual seja, a autorização expedida pela Receita Federal.

Muito embora alegue o requerente que o art. 9º da Instrução Normativa nº 1.565/2015 da Receita Federal permita o cancelamento da averbação de arrolamento, mediante solicitação do contribuinte, instruída com cópia do protocolo da comunicação, o art. 10 da mesma Instrução Normativa impõe ao registrador que tal pedido esteja instruído com autorização expedida pelo órgão que a determinou:

Art. 10. O titular da unidade da RFB do domicílio tributário do sujeito passivo, ou outra autoridade administrativa por delegação de competência, encaminhará aos órgãos de registro competentes a relação de bens e direitos, para fins de averbação ou registro do arrolamento ou ainda de seu cancelamento, independentemente do pagamento de custas ou emolumentos, conforme abaixo:

I – cartório de registro de imóveis, relativamente aos bens imóveis.

Sendo assim, o cancelamento pretendido somente poderá ser operado por autorização expedida pela Receita Federal ou ação judicial.

Pelas razões expostas, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, é pelo conhecimento da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, e, no mérito, pelo seu desprovimento.

Sub censura.

São Paulo, 2 de março de 2018.

Paulo Cesar Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM° Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. São Paulo, 08 de março de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: OMAR AUGUSTO LEITE MELO, OAB/SP 185.683.

Diário da Justiça Eletrônico de 16.03.2018

Decisão reproduzida na página 047 do Classificador II – 2018

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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