RECURSO ESPECIAL Nº 1.841.798 – MG (2019/0298267-9)
RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
RECORRENTE : PATRICIA SIQUEIRA SILVEIRA
ADVOGADOS : FLÁVIO COUTO BERNARDES – MG063291
MARIA JULIANA FONSECA BERNARDES – MG069865
RAFAEL DOS SANTOS QUEIROZ – MG103637
ALEX FERNANDES LEITE LIRA GOMES – MG168771
RECORRIDO : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROCURADOR : CARLOS JOSÉ DA ROCHA E OUTRO(S) – MG034554
EMENTA
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 1048. DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO. CONTROVÉRSIA SOBRE O MARCO INICIAL A SER CONSIDERADO. FATO GERADOR. TRANSMISSÃO DE BENS OU DIREITOS MEDIANTE DOAÇÃO. CONTAGEM DA DECADÊNCIA NA FORMA DO ART. 173, I, DO CTN. IRRELEVÂNCIA DA DATA DO CONHECIMENTO DO FISCO DO FATO GERADOR.
1. Nos termos em que decidido pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3).
2. Discussão dos autos: No recurso especial discute-se se é juridicamente relevante, para fins da averiguação do transcurso do prazo decadencial tributário, a data em que o Fisco teve conhecimento da ocorrência do fato gerador do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual.
3. Delimitação da controvérsia – Tema 1048: Definir o início da contagem do prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN para a constituição do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual.
4. Nos termos do art. 149, II, do CTN, quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária, surge para o Fisco a necessidade de proceder ao lançamento de ofício, no prazo de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte à data em que ocorrido o fato gerador do tributo (art. 173, I, do CTN).
5. Em se tratando do imposto sobre a transmissão de bens ou direitos, mediante doação, o fato gerador ocorrerá: (i) no tocante aos bens imóveis, pela efetiva transcrição realizada no registro de imóveis (art. 1.245 do CC/2020); (i) em relação aos bens móveis, ou direitos, a transmissão da titularidade, que caracteriza a doação, se dará por tradição (art. 1.267 do CC/2020), eventualmente objeto de registro administrativo.
6. Para o caso de omissão na declaração do contribuinte, a respeito da ocorrência do fato gerador do imposto incidente sobre a transmissão de bens ou direitos por doação, caberá ao Fisco diligenciar quanto aos fatos tributáveis e exercer a constituição do crédito tributário mediante lançamento de ofício, dentro do prazo decadencial.
7. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido de que, no caso do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCDM, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador, em conformidade com os arts. 144 e 173, I, ambos do CTN, sendo irrelevante a data em que o fisco teve conhecimento da ocorrência do fato gerador (AgInt no REsp 1.690.263/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/9/2019, DJe 16/9/2019). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.795.066/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/9/2019, DJe 18/ 9/2019.
8. Tese fixada – Tema 1048: O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCDM, referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador, em conformidade com os arts. 144 e 173, I, ambos do CTN.
9. Recurso especial provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial para determinar a extinção do crédito tributário pela decadência, invertendo os ônus da sucumbência, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Assusete Magalhães, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região), Francisco Falcão, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sérgio Kukina.
Brasília (DF), 28 de abril de 2021(Data do Julgamento)
MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de recurso especial interposto com fulcro no art. 105, III, “a” e “c” da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, assim ementado (fl. 155):
APELAÇÃO CÍVEL – REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCD DOAÇÃO – FALTA DE DECLARAÇÃO – CONDIÇÕES DO ART. 150, § 4º, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E DO ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL – AFASTAMENTO DA DECADÊNCIA – SENTENÇA CONCESSIVA DA SEGURANÇA – REFORMA.
Se a contribuinte deixa de prestar as informações específicas aos fisco quando da doação, aplica-se ao caso as condições do art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, que não prevê prazo decadencial para o lançamento, porque seria mesmo impossível se conhecer o fato econômico, daí porque a exação só prescreve em 10 (dez) anos contados do fato gerador, em função da inexistência de prazo prescricional específico para aquele que pratica ação consistente com a sonegação fiscal. Reformada a sentença no reexame necessário, prejudicado o apelo voluntário.
Embargos de declaração rejeitados (fls. 195/202).
O recorrente alega, em síntese, além do dissídio jurisprudencial, a violação do art. 173, I, do CTN, ao argumento de que: “Em que pese o entendimento consignado pela E. 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, trata-se, à toda evidencia, de manobra interpretativa absolutamente desprovida de respaldo legal, na medida em que se pretende criar uma nova modalidade de prazo decadencial, infringindo flagrantemente as disposições do Código Tributário Nacional – CTN, notadamente ao disposto no artigo 173, inciso I, do CTN” (fl. 218).
Juízo positivo de admissibilidade às fls. 258/262 com qualificação do recurso como representativo da controvérsia.
Em despacho de fls. 288/291, o Ministro Presidente da Comissão Gestora de Precedentes Paulo de Tarso Sanseverino entendeu preenchidos os requisitos formais previstos no art. 256 do Regimento Interno do STJ e determinou a distribuição dos autos.
Submetida a afetação do tema à Primeira Seção, acordaram os Ministros integrantes do Colegiado em afetar o processo ao rito dos recursos repetitivos (RISTJ, art. 257-C), com determinação de suspensão da tramitação de processos em todo o território nacional.
O acórdão de afetação foi publicado em 3/4/2020 com a seguinte ementa:
TRIBUTÁRIO. PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO. ITCMD. CONTROVÉRSIA SOBRE O MARCO INICIAL A SER CONSIDERADO
1. Delimitação da controvérsia: Definir o início da contagem do prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN para a constituição do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual.
2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes CPC/2015 e art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24, de 28/09/2016.
(ProAfR no REsp 1841798/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 31/03/2020, DJe 03/04/2020)
O tema repetitivo foi afetado (Tema 1048) com a questão submetida a julgamento descrita nos seguintes termos:
Definir o início da contagem do prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN para a constituição do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual.
É o relatório.
VOTO
Discute-se nesse recurso especial representativo da controvérsia se é juridicamente relevante, para fins da averiguação do transcurso do prazo decadencial tributário, a data em que o Fisco teve conhecimento da ocorrência do fato gerador do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual.
1. ITCMD – Imposto transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos
Para enfrentar o tema da decadência tributária para a constituição do imposto estadual incidente sobre as doações, relevante descortinar preliminarmente o momento da ocorrência do fato gerador da respectiva hipótese de incidência tributária.
O imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos está previsto no art. 155, I, da CF/1988, que tem a seguinte redação:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
A base econômica tributada pelo ITCMD é a transmissão de qualquer bem ou direito, desde que tenha por causa a morte ou a doação. A transmissão de bens ou direitos representa a mutação patrimonial subjetiva. Ou seja, quando o patrimônio muda de titularidade, a Constituição Federal identifica um fato que gera capacidade para contribuir com a existência e o agir do Estado.
De acordo com Leandro Paulsen e José Eduardo Soares de Melo (Impostos federais, estaduais e municipais. 7 ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2012. P. 222):
Como o imposto incide sobre a transmissão gratuita de qualquer bem ou direito, é imprescindível que ocorra a mudança (jurídica) de sua titularidade, da pessoa do doador para o donatário, com espírito de liberalidade, e efetivo animus donandi, mediante o empobrecimento do doador e o enriquecimento patrimonial do donatário.
Considerando a base econômica tributável, o fato gerador do ITCMD especificamente no que diz respeito à doação será: (i) no tocante aos bens imóveis, a efetiva transcrição realizada no Registro de Imóveis; (i) em relação aos bens móveis, ou direitos, a transmissão da titularidade, que caracteriza a doação, se dará mediante tradição, se for o caso, com o respectivo registro administrativo (por exemplo, os veículos, no departamento de trânsito; quotas de capital ou ações, na junta comercial ou registro de títulos e documentos).
A identificação do momento de fato gerador, ou aspecto temporal da respectiva hipótese de incidência, leva em consideração as disposições constantes do Código Civil brasileiro, que assim disciplina, respectivamente, a transmissão da propriedade dos bens imóveis e móveis:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
(…)
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.
Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.
Portanto, o aspecto temporal da hipótese de incidência do imposto sobre a transmissão de bens, mediante doação, se consumará pelo registro da propriedade imóvel ou pela tradição da propriedade móvel.
2. A decadência tributária para a constituição do crédito tributário pelo lançamento
De acordo com o Juiz Federal Agnelo Amorim, o efeito imediato da decadência é a extinção do direito, ao passo que o da prescrição é a cessação da eficácia da ação (entenda-se: da pretensão) (Agnelo Amorim Filho, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961).
No direito tributário, a decadência está relacionada ao direito de o Fisco constituir o crédito tributário mediante o procedimento do lançamento tributário, nos termos do art. 142 do CTN.
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2019), destacando a feição constitutiva o lançamento tributário, nos fornece o seguinte conceito para o instituto:
Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaçotemporais em que o crédito há de ser exigido.
De acordo com a doutrina de Leandro Paulsen (Curso de direito tributário completo. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2020), com a incidência da norma tributária impositiva sobre o fato gerador da obrigação tributária principal, surge a relação jurídico-tributária, cuja natureza jurídica é obrigacional, de caráter bilateral e cujo objeto é o pagamento do tributo.
Apenas quando é formalizada a existência e liquidez do crédito tributário, documentando-o, porém, é que o CTN considera constituído o crédito tributário. Isso pode acontecer mediante lançamento por parte da autoridade fiscal, nos termos do art. 142 e seguintes do CTN, ou através de declaração produzida pelo próprio sujeito passivo, mediante sistemática do lançamento por homologação (art. 150 do CTN).
Lançado o tributo, o Fisco pode opor ao contribuinte a existência do crédito e dele exigir seu cumprimento, notificando-o para pagar. Diz-se, por isso, que o crédito constituído ganha exigibilidade.
Nesse sentido, destaco elucidativo trecho do Informativo de Jurisprudência do STF n. 785 de maio de 2015 referente ao julgamento do RE 598.677, que sintetiza o percurso de surgimento da obrigação tributária e da constituição do crédito tributário exigível:
“O caminho comum para a satisfação da obrigação tributária seria este: com a ocorrência do fato gerador, surgiria a obrigação tributária principal, de forma automática e infalível, a qual teria por objeto o pagamento da exação — ou a penalidade pecuniária —, nos termos do art. 113 do CTN. Nasceria, então, para o contribuinte, o dever de pagar o tributo, e, para o Fisco, o crédito se tornaria exigível após o regular lançamento. Nessa ordem de ideias, antes da ocorrência do fato gerador, não haveria obrigação tributária nem crédito constituído, ao menos nos moldes gerais fixados pelo CTN e estabelecidos na doutrina.”
Sobre o tema, Sacha Calmon ensina que, salvo os casos em que o contribuinte, sem interferência do Estado, ele próprio, recolhe o tributo, o direito de crédito da Fazenda Pública, para aperfeiçoar-se e tornar-se exigível, depende do ato jurídico do lançamento. Se este não é praticado a tempo (preclusão), ocorre a decadência daquele direito (Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020).
3. As formas de lançamento tributário presentes no Código Tributário Nacional (CTN)
O lançamento tributário está relacionado à incidência de uma norma sobre fatos jurídicos; a partir dessa subsunção, se extraí a matéria tributável, sua quantidade, o devedor e eventual penalidade aplicável, nos termos do art. 142 do CTN, acima transcrito.
Para fazer o lançamento, dois elementos são indispensáveis: os fatos e a norma jurídica que sobre eles se pretende incidir. É indispensável ao lançamento, portanto, que os fatos estejam delimitados para que a norma jurídica lhes seja aplicável.
Diante disso, há três possibilidades previstas no CTN.
Em uma situação intermediária, o contribuinte traz ao Fisco os fatos, mediante uma declaração que os contenha, e o Fisco aplica o direito. Essa forma de constituição do crédito tributário se chama “lançamento por declaração” e vem prevista no art. 147 do CTN:
Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.
§ 1º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento.
§ 2º Os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados de ofício pela autoridade administrativa a que competir a revisão daquela.
O contribuinte, nessa situação, “presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação”.
De posse dos fatos, a autoridade administrativa os tributará ou não, a depender dos contornos da norma jurídica e da respectiva atividade de subsunção normativa. Se os fatos se amoldarem à norma, o lançamento é feito pelo Fisco.
Em uma segunda modalidade de lançamento tributário, é o Fisco quem diligencia a respeito dos fatos e lhes aplica o direito. Nesse caso, o contribuinte não faz os fatos conhecidos do Fisco, mas é este quem por eles diligencia, analisando posteriormente se lhes aplica a norma jurídica, lançando o tributo. Essa forma de constituição do crédito tributário é chamada de lançamento direto ou de ofício, e está prevista no art. 149 do CTN.
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I – quando a lei assim o determine;
II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;
IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
Por fim, na última possibilidade aberta pelo CTN, o contribuinte é quem une fato e norma, lançando o tributo sob a condição de ulterior atividade homologatória do Fisco. Essa sistemática é chamada de lançamento por homologação, prevista no art. 150 do CTN e na qual o próprio contribuinte promove a constituição do crédito e o Fisco homologa, ou não, o procedimento adotado pelo contribuinte.
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
4. A contagem do prazo decadencial do art. 173, I, do CTN
O lançamento tributário, conforme assinalado, se submete ao prazo decadencial para a sua efetivação. Por meio do lançamento, se constitui o crédito tributário e o CTN estabelece o seguinte regramento de contagem da decadência para essa atividade constitutiva:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
Para Hugo de Brito Machado Segundo (Código Tributário Nacional. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2017) “a regra do art. 173, I, do CTN deve ser vista com cuidado. Afinal, qual é o exercício em que o lançamento poderia ter sido efetuado? Parece-nos que é o exercício em que houver ocorrido o fato gerador”.
Essa é a mesma opinião de Sacha Calmon Navarro Coêlho (Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020), que exemplifica a aplicabilidade da norma do art. 173, I, do CTN na situação hipotética de um fato gerador ocorrido em março de 1997, cujo termo inicial do prazo decadencial seria 1º de janeiro de 1998.
Assim, a regra geral de contagem da decadência tributária se processa mediante a fórmula normativa do art. 173, I, do CTN, segundo a qual o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
5. A decadência para o lançamento de ofício do ITCMD nos casos de doações que não foram objeto de oportuna declaração pelo contribuinte
Feitos os delineamentos em torno dos conceitos do ITCMD, o seu respectivo fato gerador, o aspecto temporal da hipótese de incidência, a análise dos institutos da decadência e do lançamento tributário, passo à enfrentar a questão do prazo decadencial para o lançamento do imposto sobre a transmissão de bens ou direitos por doação, quando ausente declaração do contribuinte.
De acordo com Leandro Paulsen (Curso de direito tributário completo. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2020), o ITCMD é um tributo tributo sujeito a lançamento por declaração, nos termos do art. 147 do CTN, analisado acima. De acordo com o referido doutrinador, não sendo cumprida pelo contribuinte sua obrigação, surge para o Fisco a possibilidade de proceder ao lançamento de ofício, no prazo de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte, segundo determina o art. 173, I, do CTN.
Desse modo, não sendo apresentada a declaração pelo contribuinte, comunicando o fato da doação, caberá ao Fisco fazê-lo. Aplica-se nesse caso o art. 149, inciso II, do CTN:
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
(…)
II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
Portanto, em regra, o ITCMD será lançado na forma do art. 147 do CTN, sempre que o contribuinte regularmente comunique ao Fisco a respectiva ocorrência fática do fato gerador tributário.
Contudo, caso o contribuinte não proceda com a declaração, caberá ao Fisco efetivar o lançamento de ofício do tributo, nos termos do art. 149 do CTN.
Na situação em que o contribuinte não informe a doação ao Fisco, caberá a este exercer o lançamento tributário na modalidade direta ou de oficio, dentro do prazo decadencial de cinco anos, contados conforme a fórmula do art. 173, I, do CTN.
Para a efetivação do lançamento de ofício, o Fisco poderá firmar convênios ou instrumentos congêneres com órgãos administrativos de registro de bens, como os departamentos de trânsito ou as capitanias de portos, bem como, para o caso de doação de bens imóveis, com os cartórios de registros de imóveis. Ou, ainda, poderá o Fisco estadual celebrar convênio com a própria Receita Federal para que esta lhe forneça as informações dadas pelos contribuintes a respeito de doações lançadas nas declarações de imposto de renda.
Por esse motivo, não prevalece o argumento do acórdão recorrido segundo o qual “não teria o fisco como tomar conhecimento do fato econômico gerador do imposto devido, muito menos das condições para produzir o lançamento” (fl. 159).
As obrigações jurídicas são nascidas para morrer, de modo que o direito lhes impõe um destino de finitude. Não é diferente no direito tributário, pois, conforme disposição do CTN, art. 151, V, a prescrição e a decadência extinguem o crédito tributário.
Assim, seria juridicamente impossível impedir o início da fluência da decadência tributária pelo fato de o contribuinte ter se omitido em dever de declarar o tributo. O CTN impõe, conforme a dicção do art. 173, I, que a decadência flua, o que é da essência dos vínculos de natureza obrigacional.
6. Jurisprudência
Conforme compreensão de ambas as Turmas de Direito Público, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido de que, no caso do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCDM, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador, em conformidade com os arts. 144 e 173, I, ambos do CTN, sendo irrelevante a data em que o fisco teve conhecimento da ocorrência do fato gerador.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ITCD. LANÇAMENTO. PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO SEGUINTE AO QUE O LANÇAMENTO PODERIA TER SIDO EFETUADO. COMUNICAÇÃO DO FATO GERADOR AO FISCO. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que é juridicamente irrelevante, para fins da averiguação do transcurso do prazo decadencial, a data em que o Fisco teve conhecimento da ocorrência do fato gerador, haja vista que o marco inicial para constituição do crédito tributário é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Precedentes.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1795066/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/09/2019, DJe 18/09/2019)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO – ITCDM. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DECADENCIAL NO PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO SEGUINTE ÀQUELE EM QUE O LANÇAMENTO PODERIA TER SIDO EFETUADO. IRRELEVÂNCIA DA DATA EM QUE O FISCO TEVE CONHECIMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR.
I – Na origem, trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que rejeitou exceção de pré-executividade, determinando o prosseguimento da execução fiscal. No Tribunal a quo, o recurso foi provido.
II – O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido de que, no caso do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCDM, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador, em conformidade com os arts. 144 e 173, I, ambos do CTN, sendo irrelevante a data em que o fisco teve conhecimento da ocorrência do fato gerador. No mesmo sentido, destacam-se, verbis: AgInt no REsp n. 1.756.693/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 13/12/2018, DJe 18/12/2018; AgInt no REsp n. 1.746.055/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 20/9/2018, DJe 26/9/2018.
III – Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1690263/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 16/09/2019)
7. Conclusão
Portanto, é juridicamente irrelevante, para fins da averiguação do transcurso do prazo decadencial, a data em que o Fisco teve conhecimento da ocorrência do fato gerador, haja vista que o marco inicial para constituição do crédito tributário é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Em conclusão, em se tratando do imposto sobre a transmissão de bens ou direitos mediante doação, o fato gerador ocorrerá: (i) no tocante aos bens imóveis, mediante efetiva transcrição realizada no registro de imóveis (art. 1.245 do CC/2020); (i) em relação aos bens móveis, ou direitos, a transmissão da titularidade, que caracteriza a doação, se dará mediante tradição (art. 1.267 do CC/2020), eventualmente objeto de registro administrativo (por exemplo, os veículos, no departamento de trânsito; as quotas de capital ou ações, na junta comercial ou registro de títulos e documentos).
Para o caso de omissão na declaração do contribuinte, a respeito da ocorrência do fato gerador do imposto incidente sobre a transmissão de bens ou direito por doação, caberá ao Fisco diligenciar quanto aos fatos tributáveis e exercer a constituição do crédito tributário mediante lançamento de ofício, dentro do prazo de cinco anos, cujo termo inicial é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorrido a efetiva transcrição no registro de imóveis, ou a tradição do bem móvel.
8. Tese Proposta
Diante do exposto, propõe-se a seguinte tese:
No caso do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCDM, referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador, em conformidade com os arts. 144 e 173, I, ambos do CTN.
9. Caso concreto
A respeito do caso concreto, transcrevo o seguinte trecho do voto condutor do acórdão recorrido (fl. 158):
Na espécie, sustenta a impetrante ter recebido do seu pai, no ano de 2007, uma doação no valor de R$100.000,00, devidamente lançada na Declaração do Imposto de Renda relativa ao exercício de 2008. Salientou, ademais, ter recebido, em 12/04/2016, ofício da Secretaria de Estado de Fazenda com cobrança do valor que seria devido a título de ITCD decorrente da mencionada doação, da qual tivera o Estado conhecimento em 2011, em virtude de informações que lhe haviam sido prestadas pela Receita Federal do Brasil, destacando que a cobrança em questão não se sustentaria, na medida em que já alcançada pela decadência.
Tendo ocorrido a doação em 2007, o marco inicial da decadência ocorreu em 1/1/2008, contando-se a partir de então o lustro quinquenal. Tendo o contribuinte recebido a notificação de cobrança em 12/4/2016, encontra-se decaído o direito de o Fisco lançar o imposto.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar a extinção do crédito tributário pela decadência, invertendo os ônus da sucumbência.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
É como voto. – – /
Dados do processo:
STJ – REsp nº 1.841.798 – Minas Gerais – 1ª Turma – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJ 07.05.2021
Fonte: INR Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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