CSM/SP: Registro de Imóveis – Instrumento particular de conferência de bens para integralização de capital social – Imóveis que foram avaliados pelo Município, para efeito de declaração de isenção do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), com valores superiores aos atribuídos no instrumento de conferência de bens – Recusa fundada na ausência de comprovação da declaração e recolhimento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação (ITCMD) sobre a diferença entre a soma dos valores atribuídos aos imóveis e os da sua avaliação pelo Município – Exigência indevida – Recurso provido para julgar a dúvida improcedente.


  
 

Apelação Cível nº 1002258-19.2020.8.26.0081

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002258-19.2020.8.26.0081
Comarca: ADAMANTINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002258-19.2020.8.26.0081

Registro: 2021.0000195904

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002258-19.2020.8.26.0081, da Comarca de Adamantina, em que é apelante AGROPECUÁRIA BOI FORTE LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ADAMANTINA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 11 de março de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1002258-19.2020.8.26.0081

Apelante: Agropecuária Boi Forte Ltda

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Adamantina

VOTO Nº 31.473

Registro de Imóveis – Instrumento particular de conferência de bens para integralização de capital social – Imóveis que foram avaliados pelo Município, para efeito de declaração de isenção do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), com valores superiores aos atribuídos no instrumento de conferência de bens – Recusa fundada na ausência de comprovação da declaração e recolhimento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação (ITCMD) sobre a diferença entre a soma dos valores atribuídos aos imóveis e os da sua avaliação pelo Município – Exigência indevida – Recurso provido para julgar a dúvida improcedente.

1. Trata-se de apelação interposta por AGROPECUÁRIA BOI FORTE LTDA. contra r. sentença que julgou a dúvida procedente e manteve a recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Adamantina em promover os registros, nas matrículas nºs 3.544, 9.433 e 13.033, do contrato de conferência de bens para integralização do seu capital social porque não comprovada a isenção, ou o pagamento, do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação – ITCMD incidente sobre a diferença entre as avaliações dos imóveis transmitidos e os valores que lhes foram atribuídos no contrato social.

A apelante alegou, em suma, que o sócio Arlindo de Barros promoveu a transmissão dos imóveis, no instrumento de constituição da sociedade, visando integralizar a sua participação no capital social. Disse que os valores atribuídos aos imóveis correspondem aos declarados pelo sócio para efeito de imposto de renda, como permitido pelo art. 23, alínea “a”, da Lei nº 9.249/95.

Asseverou que a transmissão de bens para integralização de capital social é sempre onerosa porque enseja a transferência, ao alienante, de ações ou quotas sociais correspondentes aos bens adquiridos pela sociedade. Ademais, cada sócio recebeu quotas com valores proporcionais aos dos bens que integralizou, o que afasta a natureza gratuita da transmissão. Em razão disso, a integralização de capital social não caracteriza fato gerador do Imposto de Transmissão “Causa Mortes” e Doação – ITCMD que, portanto, é indevido. Aduziu que a exigência formulada teve como fundamento o resultado da Consulta Tributária nº 00022028/2020, formulada pelo Oficial de Registro de Imóveis que, porém, é conflitante com a resposta da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo à Consulta Tributária nº 22070/2020 em que reconhecida a não incidência do ITCMD na integralização de capital social, ressalvada a possibilidade de desconsideração do ato, na esfera administrativa, quando destinado a ocultar negócio jurídico de natureza distinta. Requereu o provimento do recurso para que a dúvida seja julgada improcedente (fl. 113/124).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 147/149).

É o relatório.

2. A recusa do registro, mediante exigência de comprovação da isenção, ou recolhimento, do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação – ITCMD decorreu da resposta da Consulta Tributária nº 00022028/2020, formulada pelo Oficial de Registro de Imóveis à Secretaria da Fazenda e Planejamento, em 19 de agosto de 2020 (fl. 5 e 57/62), em que afirmado:

Nota-se, assim, que, sem o correspondente reflexo nas quotas do sócio integralizador, o valor do imóvel que ultrapassa o valor pelo qual ele é integralizado acaba por se configurar como uma transferência voluntária (doação) do patrimônio dos sócios integralizadores para o outro sócio, caracterizando-se, portanto, como hipótese de incidência do ITCMD” (fl. 61).

Nessa resposta foi adotado o decidido na Consulta Tributária nº 22.070, de 10 de agosto de 2020, que teve como um de seus fundamentos a possibilidade de transferência de patrimônio aos demais sócios mediante valorização das cotas que integralizaram. Conforme a referida Consulta:

9. Nota-se, assim, que, sem o correspondente reflexo nas quotas do sócio integralizador, o valor do imóvel que ultrapassa o valor pelo qual ele é integralizado acaba por se configurar como uma transferência voluntária (doação) do patrimônio dos sócios integralizadores para o outro sócio, caracterizando-se, portanto, como hipótese de incidência do ITCMD”.

In casu, no contrato social apresentado para registro foi prevista a integralização do quinhão do sócio Arlindo de Barros mediante transmissão, à apelante, dos imóveis que são objeto das matrículas nºs 3.544, 9.433 e 13.033, todas do Registro de Imóveis da Comarca de Adamantina, do imóvel objeto da matrícula nº 631 do Registro de Imóveis da Comarca de Nova Andradina, Mato Grosso do Sul, e dos imóveis que são objeto das matrículas nºs 8.898 e 11.261, ambas do Registro de Imóveis da Comarca de Brasilândia, Mato Grosso do Sul (fl. 13/15 e 27/28).

Além dos imóveis, o sócio Arlindo de Barros se obrigou a transmitir, para a apelante, três tratores, mil cento e três cabeças de gado bovino, e a quantia de R$ 1.122,19, totalizando o valor atribuído para os bens móveis e imóveis, no contrato social, R$ 2.872.600,00 (fl. 15/16).

Por sua vez, cada um dos demais três sócios se obrigou a transmitir para a apelante a quantia de R$ 200,00.

Em razão dos valores atribuídos aos bens que foram transmitidos para efeito de integralização da sua participação no capital da apelante, o sócio Arlindo de Barros recebeu 2.872.000 (dois milhões, oitocentos e setenta e duas mil) quotas, ao passo que os demais sócios receberam, cada um, 200 (duzentas) quotas sociais (fl. 17).

Desse modo, cada sócio recebeu número de quotas proporcional aos valores atribuídos aos bens que transmitiram para integralizar a sua participação no capital social.

Por outro lado, no contrato social foi atribuído o valor de R$ 55.517,82 para o imóvel objeto da matrícula nº 3.544, o valor de R$$ 69.397,27 para o imóvel objeto da matrícula nº 9.433, e o valor de R$ 90.810,23 para o imóvel objeto da matrícula nº 13.033 (fl. 13 e 27/28).

Contudo, para efeito de declaração da incidência de ITBI, o Município de Adamantina atribuiu ao primeiro imóvel o valor de R$ 300.000,00 (fl. 49), ao segundo o valor R$ 450.000,00 (fl. 50), e ao terceiro o valor de R$ 1.200.000,00 (fl. 51), com reconhecimento da isenção tributária mediante adoção de base de cálculo equivalente às avaliações promovidas (fl. 52).

Em que pese a correspondência entre os valores atribuídos aos bens e o número de quotas recebido por cada um dos sócios, a exigência mostrou-se adequada às respostas da Consulta Tributária nº 00022028, de 19 de agosto de 2020, e da Consulta Tributária nº 22.070, de 10 de agosto de 2020, porque a integralização promovida pelo sócio Arlindo terá repercussão no valor real do patrimônio da sociedade e, portanto, nos valores das quotas dos demais sócios.

Ocorre que a transmissão de bem para a integralização do quinhão no capital da sociedade constitui negócio jurídico oneroso porque importa na sua retirada do patrimônio do sócio e na transferência ao patrimônio da sociedade que tem personalidade jurídica própria, com a correspondente atribuição ao sócio de quotas proporcionais ao capital integralizado.

Essa transmissão é imune da incidência do imposto de transmissão “inter vivos”, salvo se for promovida mediante transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica e a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda dos bens ou direitos transmitidos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil, como previsto no art. 156, § 2º, inciso I, da Constituição Federal:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(…)

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

(…)

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;“.

Atribuída a competência tributária ao Município, a Lei Estadual nº 10.750/2000 não dispõe sobre a integralização de capital social como causa de incidência ou de isenção do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação ITCMD.

E o Egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, de 05 de agosto de 2020, de que foi relator o eminente Ministro Alexandre de Moraes, fixou para o Tema nº 796 da repercussão geral a seguinte tese:

A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado“.

Conforme a ementa do v. acórdão, sobre o excedente entre o valor de mercado do bem imóvel integralizado e o valor atribuído no contrato social incide o ITBI, o que exclui a exigência de comprovação da declaração e recolhimento, ou isenção, do ITCMD:

EMENTA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 156, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE ATÉ O LIMITE DO CAPITAL SOCIAL A SER INTEGRALIZADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

1. A Constituição de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis, não incidindo o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica (art. 156, § 2º,).

2. A norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI.

3. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 796, fixada a seguinte tese de repercussão geral: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado” (RE 796376, Relator para o Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-201, Divulg. 24-08-2020, Public. 25-08.2020 – grifei).

Verifica-se no r. voto do Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes, que foi o redator para o acórdão:

Na questão com repercussão geral reconhecida, debate-se o alcance da imunidade tributária do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor desses bens excede o limite do capital social a ser integralizado”.

Ainda conforme o v. acórdão, nas hipóteses não abrangidas pela imunidade tributária incide a tributação pelo ITBI:

Disso decorre, logicamente, que, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, pois a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios quitam as quotas subscritas.

Por outro lado, nada impede que os sócios ou os acionistas contribuam com quantia superior ao montante por eles subscrito, e que o contrato social preveja que essa parcela será classificada como reserva de capital. Essa convenção se insere na autonomia de vontade dos subscritores.

O que não se admite é que, a pretexto de criar-se uma reserva de capital, pretenda-se imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao Fisco municipal. Ainda que o preceito constitucional em apreço tenha por finalidade incentivar a livre iniciativa, estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas, não chega ao ponto de imunizar imóvel cuja destinação escapa da finalidade da norma”.

Destarte, na interpretação da tese fixada para o Tema nº 796 da repercussão geral impõe-se a conclusão de que a integralização de bens imóveis com valor superior ao do capital subscrito constitui fato gerador do ITBI, o que, reitero, afasta a incidência do ITCMD.

Assim decidida a matéria em sede de repercussão geral, para efeito de julgamento do recurso de apelação prevalece a tese fixada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, o que afasta a exigência de comprovação do recolhimento, ou isenção, do ITCMD como requisito para o registro de contrato de integralização do capital social.

Neste caso concreto, a Prefeitura do Município de Adamantina emitiu guias de isenção do ITBI pelos valores das avaliações fiscais dos imóveis integralizados (fl. 49/52), o que basta para os registros pretendidos.

Ressalvo, porém, que a decisão da dúvida não impede que a Fazenda do Estado adote as medidas que considerar cabíveis para o lançamento e cobrança de eventual Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação – ITCMD, mas em procedimento próprio.

3. Ante o exposto, pelo meu voto dou provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 09.06.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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