TJ/SP – Tabelionato de Protesto de Letras e Títulos – Certidão de Dívida Ativa (CDA) – Protesto – Na qualificação dos títulos e outros documentos de dívida apresentados a protesto, cumpre ao Tabelião examiná-los apenas em seus caracteres formais – Análise da alegada inconstitucionalidade da Lei Municipal em que fundada a cobrança de ISS – Impossibilidade – Pedido de sustação do protesto, ou de seus efeitos, que não pode ser deferido na esfera administrativa – Precedentes obrigatórios elencados no art. 927 do Código de Processo Civil que são impositivos para o Tribunal que o produziu e, também, para os demais órgãos a ele subordinados, mas não para os outros órgãos da Administração Pública – Recurso não provido.


  
 

Número do processo: 1077119-50.2019.8.26.0100

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 19

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1077119-50.2019.8.26.0100

(19/2020-E)

Tabelionato de Protesto de Letras e Títulos – Certidão de Dívida Ativa (CDA) – Protesto – Na qualificação dos títulos e outros documentos de dívida apresentados a protesto, cumpre ao Tabelião examiná-los apenas em seus caracteres formais – Análise da alegada inconstitucionalidade da Lei Municipal em que fundada a cobrança de ISS – Impossibilidade – Pedido de sustação do protesto, ou de seus efeitos, que não pode ser deferido na esfera administrativa – Precedentes obrigatórios elencados no art. 927 do Código de Processo Civil que são impositivos para o Tribunal que o produziu e, também, para os demais órgãos a ele subordinados, mas não para os outros órgãos da Administração Pública – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso de apelação interposto por Machado Calil Advogados Associados contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 9° Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Capital que julgou improcedente o pedido de providências, mantendo o indeferimento da pretensão de impedimento ou suspensão dos efeitos do protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA) inscrita, relativa ao ISS cobrado pela Municipalidade (fls. 50/52).

O pedido de providências decorre de manifestação do Sr. Tabelião de Protesto que, sustentando a impossibilidade de declaração, na esfera administrativa, da inconstitucionalidade da base de cálculo utilizada pela Municipalidade para cobrança de ISS, recusou o pedido de negativa de protesto do título, ou suspensão de seus efeitos, formulado pela interessada (fls. 01/02).

Alega a recorrente, em síntese, que a Prefeitura de São Paulo apresentou a protesto Certidão de Dívida Ativa (CDA) relativa ao Imposto Sobre Serviço, calculado sobre o faturamento da sociedade de advogados. Aduz, contudo, que a dívida inscrita é inconstitucional, consoante já decidido pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo e também pelo C. Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral (Tema 918). Requer, então, seja o Tabelião impedido de protestar o título ou, subsidiariamente, que sejam suspensos os efeitos do protesto eventualmente realizado (fls. 57/69).

Nos autos, não há notícia sobre a efetiva concretização do protesto.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 85/87).

Opino.

Desde logo, cumpre consignar que, em se tratando de pedido de providências, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, certo que o inconformismo da parte foi manifestado contra r. decisão proferida no âmbito administrativo pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente da serventia extrajudicial em questão.

Pretende o recorrente impedir o protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA) emitida pelo Município de São Paulo em seu desfavor, ou suspender os efeitos do protesto, sob a alegação de que a dívida inscrita, relativa ao ISS calculado sobre seu faturamento, é inconstitucional.

Em sua manifestação nos autos, o Sr. Tabelião afirma que a sustação do protesto ou de seus efeitos depende de provimento judicial, não lhe sendo possível emitir juízo acerca da alegada inconstitucionalidade da dívida.

A controvérsia, pois, diz respeito à possibilidade de recusa do protesto, pelo delegatário, com fundamento na inconstitucionalidade da lei em que fundada a cobrança de ISS pela Municipalidade.

Conforme o art. 1º da Lei nº 9.492/97, o ”Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida“. O art. 9° do mesmo diploma legal assim dispõe:

“Art. 9°. Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade.

Parágrafo único. Qualquer irregularidade formal observada pelo Tabelião obstará o registro do protesto”.

De seu turno, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em seu Capítulo XV, Seção III, preveem que:

“16. Na qualificação dos títulos e outros documentos de dívida apresentados a protesto, cumpre ao Tabelião de Protesto de Títulos examiná-los em seus caracteres formais.

17. Verificada a existência de vícios formais ou inobservância do estatuído na legislação em vigor ou na normalização administrativa do Conselho Nacional de Justiça ou da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, os títulos e outros documentos de dívida serão devolvidos ao apresentante com anotação da irregularidade, ficando obstado o registro do protesto.

18. O protesto também não será tirado:

a) se o apresentante desistir do protesto;

b) se o título for pago;

c) no caso de sustação por ordem judicial”.

Ao Tabelião de Protesto, portanto, não cabe se imiscuir em matéria de fundo ou de mérito do título ou documento de dívida encaminhado a protesto. Tem ele uma cognição restrita, já que só pode adentrar nos requisitos formais, ou seja, sua qualificação cinge-se ao exame dos aspectos extrínsecos do título e do documento de dívida.

O Tabelião fica limitado em seu juízo qualificatório ao exame extrínseco do título apresentado, não se admitindo investigação intrínseca e tampouco recusa por motivo referente à causa subjacente do documento. Tudo que é além do universo formal do título é indiferente para o protesto e alheio à qualificação notarial [1].

Essa regra da não apreciação das questões de fundo do título por parte do Tabelião de Protesto, cumpre lembrar, admite exceções, desde que expressamente pronunciadas pela Lei ou pela normatização administrativa da Corregedoria Permanente, da Corregedoria Geral da Justiça ou do Conselho Nacional de Justiça.

Neste Estado de São Paulo, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça trazem algumas exceções à referida regra. Contudo, não há norma específica a respeito do tema em análise.

Aliás, no item 21 do Capítulo XV assim está previsto:

“21. Incluem-se entre os documentos de dívida sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”.

E a despeito da alegada declaração de inconstitucionalidade da cobrança do ISS pela Prefeitura Municipal de São Paulo, tendo por base de cálculo o faturamento das sociedades de advogados, consoante decidido pelo C. Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 940.769, com repercussão geral (Tema 918), é preciso ressaltar que a aplicação dos precedentes judiciais foi disciplinada pelo Código de Processo Civil de 2015 sob influência da doutrina dos precedentes oriunda dos países de tradição de common law e da evolução do direito jurisprudencial brasileiro, determinando-se que juízes e tribunais sigam a interpretação do direito sedimentada judicialmente nas instâncias superiores. Nesse sentido, o art. 927 prevê que:

“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1° Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, §1º quando decidirem com fundamento neste artigo.

(…)”.

O novo diploma processual, como se vê, também dispõe que toda decisão judicial deve ter fundamentação consistente e, na aplicação ou não de um precedente, ao juiz se impõe demonstrar a semelhança ou dessemelhança com o caso julgado. Ou seja, da mesma forma que qualquer norma vinculante, a aplicação de precedentes e súmulas não decorre de um ato mecânico de subsunção dedutiva, mas sim, exige verdadeira atividade interpretativa por parte do julgador, bem como o contraditório para garantir a manifestação dos litigantes acerca da forma correta para essa aplicação.

Ademais, apenas a Súmula vinculante deve ser obrigatoriamente observada pelos órgãos de fora do sistema de Justiça, certo que para estes as decisões em repercussão geral possuem força meramente persuasiva. De fato, os precedentes obrigatórios elencados no art. 927 do Código de Processo Civil são impositivos para o Tribunal que o produziu e, também, para os demais órgãos a ele subordinados, mas não para os outros órgãos da Administração Pública.

É que o princípio da legalidade e a sua adoção absoluta, na esfera administrativa, é um limitador à automática aplicação dos precedentes vinculantes. Nesse sentido, o entendimento desta Corregedoria Geral da Justiça, conforme Parecer nº 519/2018-E, por esta magistrada elaborado nos autos do Processo CG nº 51.452/2018, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco.

Nesse cenário, mostra-se inviável a análise da base de cálculo utilizada para cobrança de ISS pela Municipalidade de São Paulo pelo Tabelião de Protesto, assim como a alegada inconstitucionalidade da legislação que instituiu o tributo. Por conseguinte, não há como ser deferida a sustação do protesto, ou de seus efeitos, nesta esfera administrativa, sendo de rigor a manutenção da decisão da MM.ª Juíza Corregedora Permanente que julgou improcedente o pedido de providências formulado.

Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de que a apelação interposta seja recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, e que a ele seja negado provimento.

Sub censura.

São Paulo, 17 de janeiro de 2020.

STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação interposta como recurso administrativo e a ele nego provimento. São Paulo, 17 de janeiro de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: ANTÔNIO CARLOS MACHADO CALIL, OAB/SP 29.354.

Diário da Justiça Eletrônico de 30.01.2020

Decisão reproduzida na página 012 do Classificador II – 2020

Nota:

[1] AMADEI, Vicente de Abreu. Serviços Notariais e de Registro. Teses apresentadas no 1º Simpósio Nacional de Serviços Notariais e Registrais. São Paulo: Edição AnoregSP, 1996, p. 187.

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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