TJ/SP – Registro de Imóveis – Averbação de instrumento particular de renúncia da propriedade – Recusa do oficial pela não aplicação ao caso da regra do art. 1.275, II, CC – Renunciante que figura na matrícula como titular de direito de aquisição decorrente do registro de compromisso particular de compra e venda – Impossibilidade – Renúncia do direito de propriedade que exige o registro desta em momento anterior, pena de ofensa do princípio da continuidade – Promitente comprador que não ostenta a condição de proprietário – Direitos reais distintos, impedindo a aplicação analógica da previsão legal de perda da propriedade pela renúncia, conforme o art. 1.275, II, CC – Direito de aquisição do promitente comprador, embora de natureza real pela inscrição na matrícula, não equivale ao direito de propriedade dele decorrente – Recurso não provido.


  
 

Número do processo: 1002209-64.2018.8.26.0366

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 17

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1002209-64.2018.8.26.0366

(17/2020-E)

Registro de Imóveis – Averbação de instrumento particular de renúncia da propriedade – Recusa do oficial pela não aplicação ao caso da regra do art. 1.275, II, CC – Renunciante que figura na matrícula como titular de direito de aquisição decorrente do registro de compromisso particular de compra e venda – Impossibilidade – Renúncia do direito de propriedade que exige o registro desta em momento anterior, pena de ofensa do princípio da continuidade – Promitente comprador que não ostenta a condição de proprietário – Direitos reais distintos, impedindo a aplicação analógica da previsão legal de perda da propriedade pela renúncia, conforme o art. 1.275, II, CC – Direito de aquisição do promitente comprador, embora de natureza real pela inscrição na matrícula, não equivale ao direito de propriedade dele decorrente – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

1. Trata-se de apelação interposta por Wagner Covizzi contra a r. sentença (fls. 78/82) que manteve a recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Mongaguá em averbar instrumento particular de renúncia da propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 45.393, do Cartório de Registro de Imóveis de Itanhaém, constando no R.02, de 2 de setembro de 1981, a inscrição de promessa de compra e venda datada de 19 de setembro de 1980, firmado pelos proprietários tabulares Salvatore Manzi e sua esposa, Clarice de Araújo Manzi, e o promitente comprador Wagner Covizzi.

A recusa deu-se sobre o fundamento de que a renúncia unilateral se limita ao direito real de propriedade (art. 1.275, II, CC), não se admitindo o ato em relação a outros direitos reais, como o direito do promitente comprador, tendo este por características essenciais a irrevogabilidade e a irretratabilidade (arts. 1.417 e 1.418, CC). Entendeu o Oficial que, ante a impossibilidade da renúncia, haveria o compromissário comprador de obter a extinção do contrato de promessa de compra e venda por meio judicial.

Anotou-se, ainda, a existência de bloqueio judicial sobre a matrícula nº 45.393, do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos de Itanhaém, o que impediria o registro de qualquer ato na matrícula.

2. O recurso sustenta, em resumo, que a renúncia à propriedade prevista no art. 1.275, II, do Código Civil, é genérica e admitida tanto em relação ao direito real de propriedade quanto ao direito do promitente comprador. Sustenta que se direitos reais escriturados podem ser objeto de renúncia, o mesmo haveria de ser em relação a uma escritura de cessão de direitos, figurando o registro da propriedade mera opção do comprador. Ainda que os efeitos da irrevogabilidade e irretratabilidade do contrato não retiram o direito do interessado de não exercer a posse ou a propriedade que não lhe convém, especialmente porque não pode ser localizado pela falta de abertura de ruas ou benefícios urbanos, o que traduziria a existência da propriedade somente para fins burocráticos. Por fim, afirma não há reflexo da ação que determinou o bloqueio de glebas, onde incluído o lote em questão, na questão da renúncia da promessa de compra e venda do imóvel (fls. 93/97).

Não houve resposta ao recurso pelo Oficial do Registro de Imóveis e Anexos de Mongaguá (fls. 113).

O Ministério Público (fls. 116/117) e a Procuradoria Geral de Justiça (fls. 127/129) manifestam-se pelo não provimento do recurso.

A apelação foi distribuída ao C. Conselho Superior da Magistratura, com decisão monocrática desta relataria reconhecendo a inexistência de pretensão de registro em sentido estrito, determinando a remessa dos autos à Corregedoria Geral da Justiça para conhecimento do recurso contra a decisão do pedido de providências (fls. 131/132).

É o relatório.

3. Conheço do recurso, eis que presentes seus requisitos de admissibilidade.

A pretensão do recorrente é de averbação de instrumento particular de renúncia da propriedade por promitente comprador, buscando a aplicação, por interpretação extensiva, da regra do art. 1.275, II, do Código Civil.

O recorrente apresentou ao registrador, para fins de averbação (art. 167, II, 2, da Lei nº 6.015/1973), instrumento particular de renúncia da propriedade, figurando como renunciantes Wagner Covizzi e sua esposa, Fátima Cristina Milani Covizzi, afirmando serem “detentores dos DIREITOS sobre o seguinte imóvel, situado neste Município e Comarca da Estância Balneária de Mongaguá, Estado de São Paulo perímetro urbano, que assim se descreve: ‘O lote de terreno n. 21 da quadra 33, do Balneário Estrela Marinha, no Município de Mongaguá… todos os lotes da mesma quadra de propriedade da Imobiliária Toledo & Magalhães Ltda…. cadastrado na Prefeitura Municipal da Estância Balneária de Mongaguá sob nº 29003302100” (fls. 11).

Na matrícula nº 45.393, do Oficial de Registro de Imóveis de Itanhaém, observa-se o registro da propriedade em nome de Salvatore Manzi e sua esposa, Clarice Araújo Manzi (R.l), datado de 10.07.1979 (fls. 49). Em 2 de setembro de 1981, houve registro de instrumento particular de promessa de venda e compra celebrado entre os proprietários Salvatore Manzi e sua esposa, Clarice Araújo Manzi, e Wagner Covizzi, este figurando no ato como promitente comprador, qualificado como solteiro (fls. 49).

Não há, na matrícula, qualquer outra inscrição.

A pretensão de averbação não pode ser acolhida.

Primeiro, porque ofende o princípio da continuidade registral.

O princípio da continuidade exige que a nova situação fático-jurídica que se busca inscrever deva, necessariamente, se apoiar em situação previamente constante do registro. Exige-se uma ligação formal entre aquilo que se vai inscrever com aquilo que já está inscrito, observando-se o negócio jurídico que o origina em seus aspectos qualitativo, quantitativo e descritivo.

Em se tratando de averbação da extinção de um direito real, nos termos do art. 167, II, 2, da Lei nº 6.075/1973, há de se observar que o fato modificativo ou extintivo do direito real deve ter por objeto situação fática ou direito previamente inscritos no fólio real, não se admitindo a averbação de situação jurídica que, tendo por objeto situação que ali não conste, traduziria inovação absoluta na cadeia de inscrições.

Além disto, a averbação de situação jurídica que não diz respeito a direito real previamente inscrito consistiria em verdadeira inscrição de direito de natureza obrigacional, o que não se admite por força do princípio da tipicidade, previsto no art. 172, da Lei nº 6.015/1973, verbis:

Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.

No caso, pretende o recorrente a averbação de renúncia à propriedade imobiliária, sem que a mesma esteja previamente registrada em favor dos renunciantes. E a renúncia de direito exige sua titularidade pelo renunciante, não equivalendo o direito de aquisição decorrente do compromisso de compra e venda ao direito real de propriedade.

Figurando o recorrente no fólio como promitente comprador, não ostenta a condição de proprietário, mas sim de titular de direito real de aquisição.

Sua renúncia haveria de se limitar ao que possui em sua esfera jurídica e não a um direito real futuro ainda não inscrito. Acolher se um pedido de renúncia de propriedade que ainda não existe, mas apenas em potência por força de outro direito real, de aquisição (art. 1.417, CC), seria subverter o princípio da continuidade, o que não se admite.

Também não se pode acolher a tese recursal no sentido da equivalência do direito real de aquisição ao próprio direito de propriedade, para fins de exercício da renúncia prevista no art. 1.275, II, do Código Civil.

A regulação dos direitos reais deve obedecer, ante suas peculiaridades, ao princípio da legalidade e da tipicidade. Daí que cada direito real previsto na legislação deve seguir necessária e exclusivamente sua regulação legal, não se admitindo o uso da analogia para aplicação das normas atinentes a determinado direito real a outro, salvo autorização expressa na lei.

Ausente norma expressa no sentido da aplicação das causas de perda de propriedade ao direito do promitente comprador, impedido está o uso de um instituto por outro.

No caso concreto, há impossibilidade de aplicação do regramento atinente à renúncia da propriedade imobiliária ao direito do promitente comprador. Não havendo, pelo legislador, autorização para a incidência do art. 1.275, II, do Código Civil nos casos em que o titular do direito real de aquisição de bem imóvel não mais deseje mantê-lo, impossível ao intérprete fazê-lo.

Admitir a aplicação analógica de tal regramento seria subverter o princípio da legalidade e da tipicidade dos direitos reais.

Não é possível, portanto, que o titular de um direito real de aquisição renuncie ao próprio direito a ser adquirido, agindo corretamente o oficial ao recusar o ingresso do título para averbação do ato junto à matrícula.

4. Ante o exposto, o parecer que apresento ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 16 de janeiro de 2020.

PAULO ROGÉRIO BONINI

Juiz Assessor da Corregedoria Geral

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e nego provimento ao recurso. Publique-se. São Paulo, 17 de janeiro de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: MARCOS BUIM, OAB/SP 74.546.

Diário da Justiça Eletrônico de 31.01.2020

Decisão reproduzida na página 013 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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