Mudanças sociais diminuem número de mulheres que adotam sobrenome de casamento

Conforme explica Marília Moschkovich, a antiga tradição possui uma história de manutenção da submissão feminina e está sendo revista a partir das novas maneiras de entender o gênero

Se adotar o sobrenome do marido já foi até regra de casamento no Brasil, os últimos 20 anos indicam que essa decisão vem se reduzindo em quase 25%, segundo cartórios de Registro Civil. Em 2002, 60% das mulheres faziam a troca do sobrenome, em 2010, o porcentual já era de 52%. Atualmente, cerca 45% das mulheres fazem essa opção, índice considerado ainda alto.

O contexto histórico da tradição

Segundo Marília Moschkovich, socióloga e pós-doutoranda do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, o sobrenome de uma pessoa é um símbolo pesado e cheio de significados perante a sociedade: “A gente vive em uma sociedade que se estrutura toda a partir da família. A família tem um papel como instituição que é organizadora de um monte de relações da economia, do direito, da propriedade, da própria organização subjetiva das pessoas”.

O sobrenome é uma marca social de pertencimento a um grupo familiar e carrega uma narrativa de herança, de classe e de origem, além de marcar a circulação de pessoas entre famílias.  No caso do casamento, há o sentido de que a mulher está sendo passada do pai para o marido, saindo da família dela para compor o núcleo familiar do homem. Marília explica que essa é uma prática cristã muito antiga, herdada do tempo em que o Brasil foi colônia de Portugal.

“A figura do Estado é imposta aqui como uma figura diretamente ligada à Igreja. Enquanto esse Estado estava com essas normas que regulavam de uma certa maneira o sobrenome, o casamento e a família ele também representava um pedaço pequeno e específico das pessoas, as quais eram as pessoas brancas, ligadas às famílias portuguesas, às capitanias hereditárias e que tinham propriedade e um posto”, revela a pesquisadora.

Além dos significados históricos, a adoção do sobrenome do homem no matrimônio pode abarcar também significados particulares. “Já escutei mulheres falando, por exemplo: ‘Eu coloquei o sobrenome do meu marido porque tenho muito problema com a minha família, a família do meu marido me adotou e eu queria que isso fosse uma espécie de homenagem’”, conta Marília. Nesse cenário, por mais que o contexto histórico de manter a manutenção de uma tradição de submissão feminina não seja apagado, cada pessoa pode processar o significado que fizer sentido para ela em sua própria experiência.

O casamento também possui o significado de firmar um acordo, como diz a pesquisadora. Antigamente, casamentos arranjados visavam ao compartilhamento de posses entre duas famílias. Para a socióloga, “o casamento é um negócio”, cuja própria documentação para casar não menciona uma questão afetiva, sendo, na verdade, um contrato que regulamenta a transação de bens.

O que está por trás da mudança

Um dos motivos para a diminuição dos números de adoção do sobrenome dos homens pelas mulheres é a mudança de pensamento da sociedade. A maneira de entender o gênero está sendo revista coletivamente, além do próprio matrimônio, algo não visto mais necessariamente como permanente, como revela o aumento dos casos de divórcio no País.

Outro fator é a burocracia envolvida para alterar um nome em casos de separação, por exemplo, já que também é preciso providenciar a alteração de todos os documentos pessoais, algo pouco prático que se reflete também para os filhos. De acordo com Marília, um problema é a falta de legislação reguladora no Brasil: “Não existe uma lei que diga qual deva ser o sobrenome de uma criança que nasce”. Um problema é que o poder de decisão fica com o escrevente do cartório, ou seja, ao mesmo tempo em que a falta de lei promove uma certa flexibilidade ou criatividade com o sobrenome, ele fica nas mãos de uma decisão individual moral.

Após a aprovação da Lei do Divórcio, em 1977, adotar o sobrenome do homem ao se casar se tornou facultativo. E só depois, com o Código Civil de 2002, é que aos homens foi permitido adotar o sobrenome da mulher. Mas a adoção do sobrenome da mulher pelo homem ainda é incomum no País. Em 2021, menos de 1% dos homens fez essa escolha no momento do casamento. O ápice foi em 2005, quando essa decisão chegou a 2%.

Para a socióloga, é pouco provável que os homens passem a adotar o sobrenome da mulher a partir de agora, acompanhando a decisão das mulheres de continuar com o sobrenome da família: “A tendência geral para todo mundo é não mudar de sobrenome”. Isso porque o País possui uma estrutura e uma prática social que permite que ninguém seja penalizado por não mudar de sobrenome. “É quase um enfeite e uma grande burocracia. E acho pouco provável também no sentido de que essa é a identidade do homem e da família à qual pertence”, opina Marília.

Fonte: Associação dos Notários e Registradores do Brasil

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Conferência de bens. Ausência de assinatura do sócio no contrato social. Impossibilidade de retificação ou convalidação do ato, que é nulo.

Processo 1068563-54.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Afx Empreendimentos e Participações Ltda – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, mantendo os óbices. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: MAURIE DA COSTA (OAB 149852/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1068563-54.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Requerente: Afx Empreendimentos e Participações Ltda

Reclamado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado por AFX Empreendimentos e Participações Ltda contra o Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital diante da negativa de registro de instrumento de alteração de contrato social para aumento do capital por meio de conferência dos bens imóveis que são objeto das matrículas n.87.852, n.87.853, n.87.854, n.90.700, n.91.037, n.92.141 e n.93.444, todos daquela serventia.

A parte interessada narra que apresentou, em novembro de 2021, requerimento para registro instruído com o instrumento da primeira alteração do seu contrato social, o qual, por um lapso, foi registrado pela JUCESP sem a assinatura do sócio majoritário, que é o proprietário dos imóveis objeto da conferência de bens. Assim, o título foi devolvido com anotação de que a falta de assinatura torna o contrato plenamente nulo: trata-se de elemento essencial à constituição e à validade do contrato. Também foi exigida comprovação do recolhimento do ITBI.

Para atender as exigências, consultou a JUCESP sobre como validar a primeira alteração do contrato social e foi orientada a apresentar uma nova alteração com cláusula de rerratificação, especificando o arquivamento a ser ratificado e o teor a ser corrigido, além de consolidar, ao final, o contrato social. A parte aduz que providenciou o cumprimento dessa orientação na 10ª alteração do contrato social.

Quanto à exigência pela comprovação de recolhimento do ITBI, apresentou cópia do processo de autos n.1038779-81.2019.8.26.0053, referente a mandado de segurança que impetrou visando recolhimento do tributo sem a incidência de multa e encargos, sendo que a segurança foi concedida para assegurar o pagamento sem encargos, o que foi feito mediante depósito judicial do valor correspondente em cumprimento de sentença.

Com a reapresentação, o título foi novamente devolvido, sob o fundamento de que a falta de assinatura torna o contrato plenamente nulo e insuscetível de ratificação, de modo que não poderia ser objeto das alterações subsequentes.

A parte defende se tratar de ato jurídico anulável, passível de confirmação pelas partes, o que foi providenciado, com observação da forma prescrita.

Documentos vieram às fls.13/96 e 101/106.

O Oficial manifestou-se às fls.109/111, alegando que a hipótese é de dúvida; que, após a devolução, o título foi retirado e não foi reapresentado; que, embora a JUCESP tenha admitido o arquivamento de alterações posteriores, referidos atos não têm força jurídica para convalescer o vício da nulidade absoluta, de modo que permanece a exigência para elaboração de título acessível ao Registro de Imóveis.

O feito foi recebido como procedimento de dúvida, com determinação de reapresentação do título e juntada de certidões atualizadas das matrículas envolvidas (fls.123).

O Oficial confirmou a reapresentação do título na vigência da prenotação n.419.542 e apresentou os documentos de fls.129/311.

A parte interessada reclamou da postura displicente do Oficial, requerendo repressão por ato atentatório à dignidade da justiça (fls.314/316).

O Ministério Público opinou pela manutenção dos óbices (fls.326/327).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No caso concreto, não há controvérsia quanto ao vício da primeira alteração do contrato social da empresa ora suscitada, então denominada AFMF Empreendimentos e Participações Ltda, já que seu instrumento não trouxe a assinatura do sócio Antônio Carlos dos Santos Farroco Júnior.

Dentre os objetivos desse negócio jurídico estava o aumento da participação do sócio Antônio Carlos, bem como a integralização de parte do capital por ele subscrito mediante conferência de sete conjuntos comerciais localizados no Edifício Oxford Paulista, objeto das matrículas n.87.852, n.87.853, n.87.854, n.90.700, n.91.037, n.92.141 e n.93.444, todas do 1º Registro de Imóveis da Capital (fls.148/159).

Apesar da falha grave, a JUCESP registrou o instrumento de alteração acompanhado das demonstrações contábeis e dos títulos de propriedade (fls.131/209).

Identificada a ausência da assinatura, a parte suscitada buscou suprir a deficiência do primeiro negócio mediante simples rerratificação lançada na 10ª alteração do contrato social, que foi registrada na JUCESP em 19 de maio de 2022 (fls.101/106).

Por meio desse novo instrumento, os sócios formalizaram sua vontade de:

“2. Re-ratificar e reconhecer o inteiro teor da 1ª alteração de Contrato Social, registrada na JUCESP sob nº78.003/03-9, em 24/03/2003, na qual não constou a assinatura do sócio Antônio Carlos dos Santos Farroco Júnior”.

Entretanto, ao contrário do que defende a parte suscitada, não é possível convalidar o negócio jurídico, que é nulo nos termos do artigo 166, inciso V, do Código Civil, pela ausência de elemento essencial para a sua validade, que é a assinatura do contratante.

Observe-se que o vício encontrado não corresponde às hipóteses de anulabilidade, pois não decorre de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (artigo 171, inciso II, do CC).

O Código Civil ao tratar da teoria das nulidades, impõe, como regra, a impossibilidade da confirmação do negócio nulo:

“Artigo 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”.

Apenas excepcionalmente é possível converter a substância do negócio jurídico se preenchidos dois requisitos legais, um objetivo e outro subjetivo (destaque nosso):

“Artigo 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”.

O requisito objetivo pressupõe que o negócio jurídico nulo contenha todos os requisitos necessários para o negócio alternativo que será validado.

Já o requisito subjetivo consiste na vontade presumida das partes em realizar outro negócio jurídico caso tivessem previsto a nulidade.

No caso concreto, entretanto, não houve manifestação de vontade do sócio Antônio Carlos na 1ª alteração do contrato social, o que inviabiliza a convalidação do ato.

Importante anotar que não é possível manifestação posterior da parte que não participou do ato original. O requisito subjetivo deve ser aferido no próprio negócio declarado nulo, sob pena de afronta à regra do artigo 169 do Código Civil, que prevê a impossibilidade de confirmação de negócio jurídico nulo.

Convém, ainda, distinguir a convalidação do negócio jurídico da sua renovação, pois, embora o negócio jurídico nulo não possa ser ratificado, é possível a renovação do ato sem o vício que o afetou anteriormente.

A renovação, porém, não implica efeito retroativo à data da celebração do negócio originalmente nulo. Trata-se de negócio novo, autônomo em relação ao primeiro.

Não basta, portanto, simples ratificação remissiva como lançada na 10ª alteração do contrato social, sendo imprescindível a renovação do negócio jurídico, com atendimento dos requisitos legais para a transmissão imobiliária.

O recolhimento do ITBI também deverá ser oportunamente demonstrado.

Considerando que fato gerador será o mesmo debatido no mandado de segurança de autos n.1038779-81.2019.8.26.0053, cujo pagamento foi depositado no cumprimento de sentença de autos n.0024817-71.2020.8.26.0053 e convertido em renda do município (fls.42/96), as cópias desses processos podem servir para comprovar o recolhimento antecipado do tributo, mas será necessário verificar, oportunamente, a exata correspondência entre a base de cálculo do valor recolhido e o crédito que será constituído com a renovação da conferência de bens.

Por fim, quanto à reclamação pela conduta do Oficial, que devolveu documento que instruía o título reapresentado pela parte para depois apontar a sua ausência, conclui-se que se trata de simples mal-entendido, sem consequência mais grave, uma vez que o documento já integrava os autos, pelo que não vislumbro falta funcional passível de sanção.

Contudo, advirto o Oficial que não cabe a ele selecionar previamente, no momento do protocolo, a documentação que será submetida à qualificação, devendo recepcionar e autuar todos os documentos apresentados pela parte, a fim de se evitar deficiência que adie o registro.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, mantendo os óbices.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de agosto de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 18.08.2022 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

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Imóvel de instituição financeira em liquidação extrajudicial não é passível de usucapião

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o imóvel de propriedade de instituição financeira que se encontra em regime de liquidação extrajudicial é insuscetível de usucapião.

A decisão teve origem em ação de usucapião proposta por dois autores contra instituição financeira em processo de liquidação extrajudicial, sob a alegação de que há mais de nove anos ocupavam de forma mansa, pacífica e incontestada o bem pertencente à empresa.

Na primeira instância, o pedido foi negado ao fundamento de que a decretação da liquidação extrajudicial, com a consequente indisponibilidade dos bens da instituição, determinada pelo artigo 36 da Lei 6.024/1974 para a proteção dos interesses dos credores, impede a fluência do prazo da usucapião. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

No STJ, os autores da ação sustentaram que a indisponibilidade de que trata a Lei 6.024/1974 atingiria apenas o devedor e alegaram, ainda, que a suspensão a que se refere a legislação alcançaria somente os prazos prescricionais das obrigações da liquidanda, de modo que não se poderia falar em impossibilidade de usucapião em virtude da liquidação extrajudicial.

Situação da liquidação extrajudicial é semelhante à da falência

A relatoria foi do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Segundo o magistrado, a Terceira Turma já se pronunciou em caso análogo que envolvia a pretensão de reconhecimento de usucapião de imóvel que compunha a massa falida, à luz da antiga Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661/1945).

Ele destacou que, naquela ocasião, o colegiado entendeu que o curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência, pois o possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica.

“Na liquidação extrajudicial de instituição financeira, a exemplo do que ocorre no processo falimentar, cujas disposições contidas na Lei de Falências têm aplicação subsidiária por força do artigo 34 da Lei 6.024/1974, ocorre a formação de um concurso universal para o qual concorrem todos os credores, e no qual se procura garantir-lhes um tratamento igualitário na satisfação dos créditos, por intermédio de seu patrimônio remanescente unificado”, esclareceu.

Preservação do patrimônio da liquidanda é essencial para futura satisfação dos credores

Cueva ponderou que o acolhimento do pedido na ação de usucapião acarreta perda patrimonial imediata, ou seja, perda da propriedade do imóvel, gerando enorme prejuízo para os credores.

“Permitir o curso ou o ajuizamento de ações de usucapião após a decretação da liquidação extrajudicial acabaria por permitir o esvaziamento do patrimônio da instituição financeira em detrimento dos credores”, afirmou o magistrado.

Outro ponto destacado pelo relator é que a aquisição da propriedade pela via da usucapião pressupõe a inércia do proprietário em reaver o bem. No caso da liquidação extrajudicial, o ministro salientou que não se pode atribuir inércia ao titular do domínio que, a partir da decretação da medida, não conserva mais todas as faculdades inerentes à propriedade: usar, fruir e dispor livremente da coisa.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

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