CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de venda e compra – Ausência de outorga uxória – Título qualificado negativamente – Vendedor casado sob o regime da comunhão universal de bens – Imóvel recebido em doação, com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Óbice mantido – Apelo não provido.


  
 

Apelação nº 1001435-26.2020.8.26.0443

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001435-26.2020.8.26.0443

Comarca: PIEDADE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1001435-26.2020.8.26.0443

Registro: 2023.0000064015

ACÓRDÃO– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001435-26.2020.8.26.0443, da Comarca de Piedade, em que é apelante LUIZ CARLOS LEMES DA SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIEDADE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 27 de janeiro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001435-26.2020.8.26.0443

APELANTE: Luiz Carlos Lemes da Silva

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Piedade

VOTO Nº 38.887

Registro de imóveis – Escritura pública de venda e compra – Ausência de outorga uxória – Título qualificado negativamente – Vendedor casado sob o regime da comunhão universal de bens – Imóvel recebido em doação, com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Óbice mantido – Apelo não provido.

Trata-se de apelação interposta por Luiz Carlos Lemes da Silva contra a r. sentença, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Piedade, que manteve a recusa do registro da Escritura Pública de Venda e Compra referente ao imóvel matriculado sob nº 23.860 da referida serventia extrajudicial (fls. 72/74).

A Oficial de Registro de Imóveis emitiu nota de devolução exigindo a outorga de Regina Célia Santos Frederico Secol, casada com o vendedor do imóvel, José Secol Filho, nos termos dos artigos 1.647 e 1.648, do Código Civil (fls. 17/19).

Sustenta o apelante, em síntese, que a exigência formulada deve ser afastada, uma vez que o imóvel foi adquirido por doação, com cláusula de incomunicabilidade, e que, nos termos do artigo 1.668, do Código Civil, os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade são excluídos da comunhão, prescindindo, assim, da outorga conjugal (fls. 79/85).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 117/120).

É o relatório.

Pretende o apelante o registro da Escritura Pública de Venda e Compra lavrada perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Paruru, Comarca de Ibiúna, São Paulo, Livro 76, páginas 369/372, outorgada por José Secol Filho em seu favor (fls. 21/24), discordando da necessidade de anuência da esposa do vendedor para aperfeiçoamento do negócio (nota de devolução acostada a fls. 17/19).

Da consulta à matrícula nº 23.860 do Oficial de Registro de Imóveis de Piedade diretamente no “site” da ONR, infere-se que o imóvel foi doado a José Secol Filho, casado sob o regime da comunhão universal de bens com Regina Célia Santos Frederico Secol, com cláusula de incomunicabilidade, e, quanto a isso, não há controvérsia.

A pretensão do apelante esbarra na disposição trazida pelo artigo 1.647, I, do Código Civil, in verbis:

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III – prestar fiança ou aval;

IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.”

Daí decorre que, conquanto os bens gravados com cláusula de incomunicabilidade estejam excluídos da comunhão entre os cônjuges, nos termos do artigo 1.668, I, do Código Civil, faz-se necessária, à luz do artigo 1.647, I, supra referido, a outorga uxória para aperfeiçoar o negócio jurídico do vendedor.

A questão da incomunicabilidade do bem imóvel diz respeito exclusivamente à atribuição patrimonial entre os cônjuges no momento da extinção da sociedade conjugal, ou na fixação de responsabilidades patrimoniais de cada cônjuge por conta da administração de seus bens particulares na constância da sociedade conjugal (artigo 1.665, do Código Civil).

Não tem por objeto o direito à livre disposição do bem durante o casamento, mas prevê apenas seu destino e atribuição em razão do fim da sociedade conjugal.

A necessidade da outorga uxória diz respeito às regras de tutela da entidade familiar, impedindo a realização de alienação de bens imóveis particulares por qualquer um dos cônjuges, salvo as exceções legais, sem que o cônjuge não proprietário concorde com o ato ou sua recusa seja formalmente suprida por decisão judicial.

Inexiste qualquer ressalva quanto à natureza do bem imóvel, se comum ou particular, caracterizando norma cogente, salvo exceções previstas expressamente na lei.

A respeito:

“(…) O dispositivo em estudo não faz referência à natureza do patrimônio que necessite de anuência de ambos os cônjuges, para ser alienado ou gravado com ônus reais, sendo certo, portanto, que a imposição abrange, também, os bens particulares de cada cônjuge (…)” (Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência – Cláudio Luiz Bueno de Godoy .[et al.]; coordenação Cezar Peluso 14. Ed. Barueri [SP]: Manole, 2020, p. 1857 – grifei).

A norma visa, em termos finais, à proteção da entidade familiar e seu patrimônio mínimo para fins de consecução de seus objetivos, colocando a norma, tal entidade, em local privilegiado em relação aos direitos particulares do cônjuge.

E assim porque, embora a pessoa casada possa, livremente, praticar os atos necessários à mantença do casal, alguns negócios jurídicos são tão relevantes para o patrimônio de ambos e manutenção do núcleo familiar que, bem por isso, dependem da expressa anuência do outro cônjuge.

Destarte, independentemente da incomunicabilidade do bem, a anuência do cônjuge do alienante é requisito fundamental para a validade do ato, sem o que não se admite o ingresso do título no registro imobiliário.

Nesse sentido, recente precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS Escritura de venda e compra Ausência de outorga uxória Óbice mantido Comunhão universal de bens Imóvel doado com cláusula de incomunicabilidade Dúvida procedente Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1001439-78.2020.8.26.0443; Rel. DES. RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 15/04/2021; Data de Registro: 23/04/2021).

Acrescente-se que, se um dos cônjuges não quer ou não pode anuir à venda que o outro pretende realizar e para a qual a lei exige a vênia conjugal, permite o Código Civil, em seu artigo 1.648, o suprimento judicial dessa concordância.

Nesse cenário, justifica-se a confirmação do juízo negativo de qualificação.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 05.04.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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