2VRP/SP: Legitimidade, em concreto, da Negativa de concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública de Inventário.

Processo 1156991-75.2023.8.26.0100

Pedido de Providências – Tabelionato de Notas – C.B. – – N.B. – – Y.S.B. – Juiz(a) de Direito: LETICIA DE ASSIS BRUNING VISTOS, Cuida-se de representação formulada por C. B. e outros, que se insurgem quanto à negativa de concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública de Inventário perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 32º Subdistrito – Capela do Socorro, da Capital. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 06/89. O Senhor Interino, responsável pela delegação vaga, prestou esclarecimentos (fls. 94/115). A parte Representante retornou aos autos para reiterar os termos de seu protesto inicial (fls. 117). O Ministério Público ofertou parecer (fls. 131/132). É o breve relatório. Decido. Trata-se de pedido de providências instaurado a partir de representação relativa à suposta negativa de concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública de Inventário perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 32º Subdistrito – Capela do Socorro, da Capital. Narra a parte Reclamante que solicitou a concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública, por não ter condições de arcar com os custos do ato notarial. Aduz que a edição da Resolução 326/2020 (combinada com a Resolução 35/2007), ambas do CNJ, prevê o benefício àqueles que declararem a condição de pobreza. Entendendo que a negativa, pela serventia extrajudicial, é infundada, interpôs a presente Representação. A seu turno, o Senhor Interino veio aos autos para esclarecer que a negativa da concessão do benefício da gratuidade se fundou no fato de que não foi constatado, pela unidade, o estado de pobreza da parte interessada, na concepção jurídica do termo, não obstante a alegação efetuada. Nesse sentido, explanou o Designado que o pedido de gratuidade foi deduzido somente ao fim de todo o procedimento, após inclusive a lavratura do ato, coibindo a devida análise do pedido pela unidade de notas. Ainda, a documentação comprobatória de miserabilidade foi requerida às partes, constatando-se que o rendimento mensal médio de cada um dos herdeiros é da soma de R$ 8.500,00, valor bem acima do critério de pobreza adotado pela própria Defensoria Pública e corroborado pela jurisprudência majoritário do TJSP. Por conseguinte, explica o Senhor Interino que foi emitida a devida nota devolutiva e informado à parte interessada que poderiam impugnar a decisão. Todavia, decidiram os interessados representar diretamente a esta Corregedoria Permanente. A seu turno, a parte Representante, instada a se manifestar quanto aos esclarecimentos prestados, reiterou os termos de sua insurgência inicial, deduzindo que a serventia descumpre a Resolução CNJ 326/2020. Pois bem. Primeiramente, consigno que não há dúvidas da previsão legal de gratuidade aos reconhecidamente pobres, nos termos da mencionada Resolução CNJ 326/2020. Por outro lado, sabidamente, não há uma norma jurídica objetiva que fixe um teto de rendas para concessão do benefício da gratuidade, competindo ao serviço extrajudicial o exame de caso a caso de modo a estabelecer um critério igualitário. Com efeito, é devidamente assentado na doutrina e nas normas administrativas que regem a matéria, bem como em firmes precedentes deste Juízo Corregedor Permanente (p. ex.: 0045661-95.2020.8.26.0100; 0013594-43.2021.8.26.0100 e 1024142- 76.2022.8.26.0100) que a declaração de pobreza não pode ser aceita por si só, devendo ser contextualizada mediante a apresentação de documentos comprobatórios da alegada miserabilidade, nos termos do item 80.2, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça. Nesse sentido, a declaração acerca da situação jurídica de pobreza não tem caráter absoluto, portanto, observado o respeito à intimidade, deve a Serventia Extrajudicial solicitar maiores esclarecimentos acerca dos rendimentos dos requerentes. Do contrário, a afirmação seria absoluta. No mais, o deferimento do benefício da gratuidade, de maneira indiscriminada, contemplando aqueles que não são, de fato, pobres, na acepção jurídica do termo, traz prejuízos aos cofres públicos, afetando negativamente o cidadão que realmente necessita do amparo do poder estatal. O item 80.2, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, é claro ao afirmar a possibilidade de questionamento da declaração efetuada, ao deduzir que se o Tabelião de Notas, motivadamente, suspeitar da veracidade da declaração de miserabilidade, deverá comunicar o fato ao Juiz Corregedor Permanente, por escrito, com exposição de suas razões, para as providências pertinentes. Ademais, em situação análoga, o disposto no item 3.1, Capítulo XVII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, ao referir o procedimento de habilitação para o casamento, indica a possibilidade de se averiguar o status de pobreza declarado, destacando-se, assim, o caráter não-absoluto de tal declaração. 3.1. Os reconhecidamente pobres, cujo estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, sob pena de responsabilidade civil e criminal, estão isentos de pagamento de emolumentos pela habilitação de casamento, pelo registro e pela primeira certidão, assim como pelas demais certidões extraídas pelos Registros Civis das Pessoas Naturais, podendo o Oficial solicitar documentos comprobatórios em caso de dúvida quanto à declaração prestada. Sem menos, Alberto Gentil aponta pela possibilidade e necessidade de verificação minuciosa da declaração de miserabilidade, nos seguintes termos: “(…) entendemos que a melhor compreensão do termo “insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas e os honorários (…)” [CPC, art. 98] ainda é exigir da parte interessada na benesse legal a demonstração de insuficiência econômica para o custeio das despesas do Processo e emolumentos. Desse modo, prestigiado o acesso efetivo à justiça na busca da concretização de direitos dos necessitados, ainda manteremos um sistema pautado na boa-fé objetiva e razoabilidade. Boa-fé objetiva, pois trata-se de comportamento leal da parte arcar com as despesas judiciais e extrajudiciais se possui patrimônio suficiente para tanto, ainda que tenha que se desfazer de parte dele. Afinal, prestado um serviço público que exige contrapartida, não se mostra razoável a concessão da gratuidade apenas pela falta de liquidez patrimonial do beneficiado. [Gentil, Alberto. Registros Públicos. – 2º ed. – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021. P. 53]. Na mesma senda direciona a jurisprudência dominante, a exemplo: (…) Com efeito, a gratuidade da justiça é devida apenas àqueles com comprovada insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, conforme vigente regramento do NCPC, art. 98. Mesmo na plena vigência da Lei 1.060/50, os requisitos ali estabelecidos eram avaliados à luz do que dispõe a CF – art. 5°, LXXIV, que determina que a assistência jurídica integral e gratuita é devida aos que efetivamente comprovarem insuficiência de recursos. Assim, é lícito ao Juízo tanto exigir a apresentação de documentos comprobatórios quanto denegar o beneficio se os elementos dos autos desde logo indicarem a ausência dos requisitos para a concessão do beneficio. No caso concreto, o que se verifica é que um dos agravantes tem valores expressivos em aplicações financeiras (fls. 155), marcadas pela fácil liquidez, situação a elidir a declaração de pobreza apresentada. Disso tudo decorre que os agravantes não são pobres na acepção juridica do termo, de modo que foi bem o juizo monocrático ao indeferir os beneficios da justiça gratuita. (…) (TJSP, Agravo de Instrumento 2118797-42.2016.8.26.0000, 1ª C. de Direito Privado, Rel. Durval Augusto Rezende, j. 09.09.2016). Diante disso, no caso concreto, não houve ilícito funcional a ensejar quebra de confiança na atuação do Senhor Designado ou falha na prestação do serviço extrajudicial, em acertada negativa que visa coibir a concessão do benefício desmedidamente, sem justa necessidade, e garantir a manutenção da gratuidade para aqueles que efetivamente não têm condições de arcar com as custas e emolumentos dos atos extrajudiciais. Por conseguinte, a insurgência formulada pela parte Representante não pode prosperar, razão pela qual mantenho a negativa imposta pelo Senhor Interino, devendo os interessados providenciar o recolhimento das custas devidas para o prosseguimento do ato. Não havendo outras medidas de cunho administrativo a serem adotadas, determino o arquivamento dos autos. Ciência ao Senhor Designado e ao Ministério Público. P.I.C. – ADV: JEFFERSON ZAMITH (OAB 393310/SP), JEFFERSON ZAMITH (OAB 393310/SP), JEFFERSON ZAMITH (OAB 393310/SP) (DJe de 14.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Imóvel adquirido a título oneroso, na vigência de união estável sob regime de comunhão parcial de bens – Posterior constituição de usufruto sobre a metade ideal do imóvel em favor da convivente – Comunicação dos aquestos – Inteligência dos artigos 1.658, 1.660, I e 1.725 do Código Civil – Injustificável a constituição de usufruto em favor de um dos conviventes sobre imóvel sujeito ao regime de comunhão parcial de bens – Usufruto que é direito real sobre coisa alheia – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1010167-54.2021.8.26.0477

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1010167-54.2021.8.26.0477
Comarca: PRAIA GRANDE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1010167-54.2021.8.26.0477

Registro: 2023.0001107430

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010167-54.2021.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que é apelante SEBASTIANA RODRIGUES DE JESUS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PRAIA GRANDE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010167-54.2021.8.26.0477

APELANTE: Sebastiana Rodrigues de Jesus

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Praia Grande

VOTO Nº 39.257

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Imóvel adquirido a título oneroso, na vigência de união estável sob regime de comunhão parcial de bens – Posterior constituição de usufruto sobre a metade ideal do imóvel em favor da convivente – Comunicação dos aquestos – Inteligência dos artigos 1.658, 1.660, I e 1.725 do Código Civil – Injustificável a constituição de usufruto em favor de um dos conviventes sobre imóvel sujeito ao regime de comunhão parcial de bens – Usufruto que é direito real sobre coisa alheia – Recurso não provido.

Cuida-se de apelação interposta por Sebastiana Rodrigues de Jesus em face da r. sentença (fls. 54/55), de lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Praia Grande, que julgou procedente a dúvida suscitada, negando o acesso ao registro imobiliário da escritura pública de instituição de usufruto, que tem por objeto o imóvel de matrícula n.º 165.653, da referida serventia imobiliária (fls. 58/63).

Da nota devolutiva de nº 116965 (fls. 08), que qualificou negativamente o título, constou o seguinte óbice:

“Inviável, nesta oportunidade, o registro pretendido, pois constam da escritura como outorgante instituinte do usufruto sobre a metade ideal do imóvel MILTON VIEIRA DO NASCIMENTO, e como outorgada usufrutuária SEBASTIANA RODRIGUES DE JESUS, contudo, conforme se verifica da matrícula nº 165.653, deste registro, a aquisição do imóvel se deu na constância da união estável entre eles, porém os conviventes não estipularam o regime de bens na união estável, que neste caso aplica-se o regime da comunhão parcial de bens, conforme estabelece o artigo 1.725, do Código Civil, e tendo em vista que a aquisição do imóvel foi a título oneroso, importa, consequentemente, a comunicabilidade de bens (artigo 1.658, e artigo 1.660, inciso I, do Código Civil), portanto, segundo entendimento jurisprudencial enunciado na Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal, e sendo Sebastiana também co-titular da nua-propriedade, não poderia ser usufrutuária”.

Sustenta a apelante, em suma, que a decisão recorrida deve ser reformada porque não há impedimento a que seja constituído usufruto por um companheiro em favor de outrem relativamente a bem que está sob o domínio do casal em mancomunhão.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 89/91).

É o relatório.

O apelo não merece guarida.

A apelante pretende o registro da escritura pública de instituição de usufruto sobre metade ideal do imóvel objeto da matrícula nº 165.653 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Praia Grande, em que figuram como instituinte Milton Vieira do Nascimento e como usufrutuária Sebastiana Rodrigues de Jesus, que são conviventes em união estável e que adquiriram o imóvel durante essa união.

Quer dizer, Milton Vieira do Nascimento e Sebastiana Rodrigues de Jesus mantêm união estável e, durante essa convivência, adquiriram a totalidade do imóvel em relação ao qual o convivente pretende instituir usufruto em benefício da companheira.

O óbice apresentado pelo Oficial foi no sentido de que a aquisição onerosa do imóvel durante a união estável do casal, a que deve ser aplicado o regime da comunhão parcial de bens porque não houve estipulação de regime à união estável (artigo 1.725 do Código Civil), faz com que ocorra a comunicabilidade do referido bem (artigos 1.658 e 1.660, I, do Código Civil), de tal sorte que a beneficiária do usufruto, por já deter a copropriedade do imóvel, não pode ser usufrutuária.

O usufruto, como é cediço, constitui direito real sobre coisa alheia, razão pela qual não se admite a instituição de usufruto para beneficiar quem já detém o domínio do bem, como ocorre no presente caso.

Nesse sentido, destaca-se:

“O usufruto tem natureza de direito real sobre coisa alheia e, portanto, não pode ser constituído em favor daquele que já detém o domínio. Em decorrência, não se justifica a constituição de usufruto em favor de um dos cônjuges sobre a totalidade de imóvel sujeito ao regime da comunhão de bens, ou que integrar a universalidade decorrente do regime da comunhão parcial.

A constituição de usufruto em favor do outro cônjuge, desse modo, somente subsiste em relação aos bens particulares de um deles” (Apelação Cível nº 1000578-42.2018.8.26.0348).

Muito embora o precedente se refira a casamento, há de se aplicar a mesma regra à união estável, por força dos já mencionados artigos 1.658, 1.660 e 1.725 do Código Civil.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 15.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Legitimidade de parte dos requerentes não demonstrada por ausência de descrição da posse ad usucapionem – Ata notarial que faz referência a apenas um dos requerentes – Escritura de sobrepartilha que não supre a exigência da descrição da posse na ata notarial – Divergência na indicação do fundamento legal da usucapião entre a ata notarial e o requerimento – Incompletude das certidões cíveis e criminais exigidas para o processamento do pedido – Notificação do proprietário do imóvel necessária por ausência de prova de quitação do compromisso de compra e venda – Afastadas as exigências quanto ao instrumento de procuração e à descrição de benfeitorias/edificações e acessões no imóvel – Dúvida procedente – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1013607-34.2022.8.26.0506

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1013607-34.2022.8.26.0506
Comarca: RIBEIRÃO PRETO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1013607-34.2022.8.26.0506

Registro: 2023.0001107392

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1013607-34.2022.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante FERES SABINO, é apelado OFICIALA DO 2º CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE RIBEIRÃO PRETO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso e julgaram procedente a dúvida inversa suscitada, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1013607-34.2022.8.26.0506

Apelante: Feres Sabino

Apelado: Oficiala do 2º Cartório de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ribeirão Preto

VOTO Nº 39.242

Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Legitimidade de parte dos requerentes não demonstrada por ausência de descrição da posse ad usucapionem – Ata notarial que faz referência a apenas um dos requerentes – Escritura de sobrepartilha que não supre a exigência da descrição da posse na ata notarial – Divergência na indicação do fundamento legal da usucapião entre a ata notarial e o requerimento – Incompletude das certidões cíveis e criminais exigidas para o processamento do pedido – Notificação do proprietário do imóvel necessária por ausência de prova de quitação do compromisso de compra e venda – Afastadas as exigências quanto ao instrumento de procuração e à descrição de benfeitorias/edificações e acessões no imóvel – Dúvida procedente – Recurso não provido.

Trata-se de apelação (fls. 1075/1085) interposta por Feres Sabino contra a r. sentença (fls. 1063/1064) que “julgou improcedente a dúvida inversa suscitada” e manteve a recusa do registro da usucapião extrajudicial requerida com referência ao lote 8, da quadra 2, do loteamento denominado Royal Park, de matrícula nº 114.261 da 2ª Oficial de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, por não afastados os óbices registrários.

O apelante sustenta, em síntese, que houve encerramento abrupto e ilegal do pedido de usucapião extrajudicial, negando-lhe o deferimento da aquisição da propriedade do lote, de que é possuidor há mais de 40 anos, conforme a robusta prova documental apresentada, assim como a seus filhos, que receberam os direitos ao imóvel por sobrepartilha da falecida mãe. Imputa infundadas as exigências, e pede o prosseguimento do processo administrativo com a realização do registro.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 1110/1112).

É o relatório.

Desde logo, cumpre observar que o dispositivo da sentença menciona a improcedência da dúvida inversa, no entanto, na hipótese de manutenção dos óbices apresentados pelo Oficial de Registro, como ocorreu, a dúvida, seja ela qual for, é sempre procedente.

Feita a observação, importa consignar tratar-se de processo de dúvida suscitada pelo interessado em razão da negativa de registro do pedido de usucapião do imóvel de matrícula nº 114.261 do 2º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto.

A Oficial de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto indeferiu o pedido de usucapião enumerando vários óbices, conforme a nota devolutiva referente à prenotação nº 529.637 (fls. 28/34), que, encerrada, deu ensejo à nova prenotação, sob nº 558.442 (fls. 292), para assegurar a prioridade e a preferência dos direitos reais envolvidos, nos termos dos artigos 182 e 188 da Lei nº 6.015/73.

As exigências formuladas foram assim sintetizadas na manifestação da Oficial a fls. 293/304:

“Em síntese, considerando o caso concreto, bem como os fatos e documentos apresentados a esta serventia até a formulação da nota de rejeição datada de 10/02/2022, ocasião em que realizada a qualificação registraria derradeira; e considerando este procedimento como Pedido de Suscitação de Dúvida Inversa, verifica-se que a requalificação registrária por este MM. Juízo refere-se à adequação recíproca entre requerimento e ata notarial, além da indicação e do cumprimento dos elementos abaixo:

– legitimidade dos herdeiros José Feres Sabino e José Guilherme Sabino para requerer a usucapião extrajudicial, mesmo sem a caracterização e comprovação da posse qualificada;

– origem e características da posse; existência de edificação/benfeitorias e datas de ocorrência; valor atribuído ao imóvel usucapiendo; poderes especiais nos instrumentos públicos de mandato; certidões negativas cíveis e criminais da Justiça Estadual e da Justiça Federal em nome do requerente Feres Sabino; cópias de requerimento e da ata notarial (artigo 3º do Provimento 65/2017 e itens 416 e seguintes, capítulo XX, das NSCGJ);

– recibos de pagamento como instrumento hábil à comprovação de quitação do valor pactuado;

– adequação de todos os elementos indicados na ata notarial com os elementos do requerimento, tais como: fundamento legal do pedido; legitimidade (pessoas detentoras da posse); requerentes da usucapião; tempo de posse; valor atribuído”.

Pois bem.

Ao tempo do pedido de usucapião extrajudicial deduzido pelo ora recorrente e por seus filhos, estava em vigor o Provimento CNJ nº 65/2017, destinado a estabelecer “diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis”.

Com a consolidação de todos os atos normativos do Corregedor Nacional de Justiça, relativamente aos serviços notariais e registrais, por meio do Provimento CNJ nº 149/2023, o procedimento de usucapião passou a ser nele tratado.

O artigo 3º do Provimento CNJ nº 65/2017, atual artigo 400 do Provimento 149/2023, prescreve que o requerimento de reconhecimento da usucapião atenderá, no que couber, aos requisitos da petição inicial, estabelecidos no art. 319 do CPC, e indicará: I – a modalidade de usucapião requerida e sua base legal ou constitucional; II – a origem e as características da posse, a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo, com a referência às respectivas datas de ocorrência; III – o nome e estado civil de todos os possuidores anteriores cujo tempo de posse foi somado ao do requerente para completar o período aquisitivo; IV – o número da matrícula ou a transcrição da área em que se encontra inserido o imóvel usucapiendo ou a informação de que não se encontra matriculado ou transcrito; e V – o valor atribuído ao imóvel usucapiendo.

O artigo 4º, inciso I, do Provimento CNJ nº 65/2017, hoje artigo 401, I, do Provimento CNJ nº 149/2023, por sua vez, dispõe:

“O requerimento será assinado por advogado ou por defensor público constituído pelo requerente e instruído com os seguintes documentos:

I – ata notarial com a qualificação, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do requerente e o respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, e do titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião que ateste:

a) a descrição do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo;

b) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores;

c) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente;

d) a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional;

e) o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização; se estão situados em uma ou em mais circunscrições;

f) o valor do imóvel; e

g) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, tais como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes.”

E, por fim, o artigo 8º do Provimento CNJ nº 65/2017, substituído pelo artigo 405 do Provimento CNJ nº 149/2023 estabelece:

O reconhecimento extrajudicial da usucapião pleiteado por mais de um requerente será admitido nos casos de exercício comum da posse”.

Pela leitura dos dispositivos normativos transcritos, conclui-se que deve existir congruência entre o requerimento e a ata notarial, além de ser imperioso que sejam atendidos todos os itens enumerados nos incisos dos atuais artigos 400 e 401 do Provimento CNJ nº 149/2023, anteriormente artigos 3º e 4º do Provimento CNJ nº 65/2017.

Na espécie, todavia, não se atendeu a contento tais dispositivos normativos.

Analisados os autos, constata-se que o requerimento de usucapião foi formulado por Feres Sabino e por seus filhos, José Feres Sabino e José Guilherme Sabino (fls. 61 a 73), mas a ata notarial só faz referência ao primeiro (fls. 94 a 99).

Além disso, no requerimento, a postulação da usucapião está fundamentada no artigo 1.242 do Código Civil (fls. 66), diversamente do que consta na ata notarial, em que o embasamento do pedido é o artigo 1.238 do mesmo diploma legal.

Bem por isso é que a Oficial levanta óbices quanto à legitimidade dos requerentes José Feres Sabino e José Guilherme Sabino e à congruência da ata notarial com o pedido de usucapião.

E, quanto ao ponto, está com a razão.

A ata notarial é documento indispensável à postulação extrajudicial da usucapião e ela deve identificar o requerente e descrever a posse ad usucapionem, mantendo pertinência com o requerimento formulado.

Na hipótese em julgamento, a ata notarial só identifica Feres Sabino como possuidor do imóvel, sem qualquer menção aos herdeiros filhos, que figuram apenas no requerimento da usucapião.

A escritura de sobrepartilha não supre a omissão porque nela consta tão somente que Catarina Chibebe Sabino transmitiu aos filhos os direitos sobre metade do imóvel, sendo ¼ para cada qual, decorrentes de compromisso de compra e venda firmado por instrumento particular em 31/12/1980, nada além.

Não existe descrição da posse com referência aos herdeiros filhos de Catarina Chibebe Sabino com todas as exigências inseridas nos atos normativos transcritos.

Quer dizer, ainda que se admitisse suprir a ausência dos herdeiros José Feres Sabino e José Guilherme Sabino na ata notarial de justificação de posse, a escritura pública de sobrepartilha não contém todos os requisitos exigidos pelo ato normativo incidente na espécie no tocante à descrição da posse.

Razão assiste, portanto, à Oficial no que se refere à necessidade de ser demonstrada a posse ad usucapionem de José Feres Sabino e José Guilherme Sabino, filhos de Feres Sabino e herdeiros de Catarina Chibebe Sabino para requerer a usucapião do imóvel em pauta.

Não se trata de pretender exigir, como alegou o apelante, que os filhos do requerente tivessem nascido no lote em pauta, mas é preciso que seja descrita a posse que exercem.

De todo modo, deve ser considerado que a sentença se equivoca quando fundamenta o indeferimento pelo fato de residirem José Feres Sabino e José Guilherme Sabino em São Paulo, o que indicaria a inexistência de posse para aquisição de usucapião.

Não se exige residência no imóvel em que se postula a decretação da usucapião, a não ser que se trate da modalidade de usucapião especial de imóvel para fins de moradia, prevista no artigo 183 da Constituição Federal e no artigo 1.240 do Código Civil, que não se requer na hipótese em apreço.

A posse pode ser comprovada por outros meios, à evidência.

O que é necessário, todavia, é a perfeita identificação da posse ad usucapionem tal como exigida pela normatização incidente.

Sem que os requerentes José Feres Sabino e José Guilherme Sabino sejam incluídos na ata notarial com a indicação da posse que exercem, não é mesmo possível acolher a postulação de usucapião.

Outras exigências deduzidas pela Oficial merecem acolhimento.

Como já mencionado, a origem e as características da posse são exigências ainda pendentes com referência aos requerentes José Feres Sabino e José Guilherme Sabino, e, com relação a todos, será necessário indicar o fundamento legal para a postulação, ante a divergência entre o requerimento, que indica o artigo 1.242 do Código Civil, e a ata notarial, que informa o artigo 1.238 do mesmo diploma legal.

Além disso, faltaram as certidões cíveis e criminais das Justiças Estadual e Federal, expedidas dentro do prazo de 30 dias (atualizadas), em nome do requerente Feres Sabino (fls. 301), o que não pode ser suprido pela apresentação intempestiva da certidão criminal da Justiça Estadual, justamente porque trazidas após a formulação da nota de rejeição do pedido e anexadas ao processo de dúvida (fls. 49/50).

Necessária também a notificação do titular do domínio a respeito da pretensão de usucapião do imóvel porque, apesar da prova documental apresentada, não há termo de quitação da dívida do compromisso de compra e venda, daí porque não se aplica o disposto no artigo 13 do Provimento nº CNJ 65/2017, atual artigo 410 do Provimento nº 149/2023. Em razão disso, deveria ter sido apresentada mais uma cópia do requerimento e da ata notarial, como exigido pela Oficial (artigo 4º, §2º, do Provimento CNJ nº 65/2017, atual artigo 401, §2º, do Provimento CNJ nº 149/2023, e item 416.9 do Capítulo XX das NSCGJ).

Algumas das exigências, todavia, não eram cabíveis.

Os instrumentos públicos de mandato atendem, a contento, o disposto no artigo 4º, VI, do Provimento 65/2017.

Não há impedimento a que a pretensão de usucapião seja postulada por mandatário, contanto haja conferência de poderes específicos.

As procurações outorgadas por José Feres Sabino e José Guilherme Sabino a seu genitor, o ora apelante Feres Sabino, poderiam ter sido aceitas para o processamento do pedido, não fossem os outros óbices apresentados, porque mencionam poderes para “descrever a origem da posse” (fls. 85), para “melhor descrever e caracterizar o imóvel, fornecer origem” (fls. 90) e para “representar perante repartições públicas e autarquias federais, estaduais e municipais, tabelionatos de notas e registros de imóveis, autorizando registros, aberturas de matrículas e averbações” (fls. 85/86 e 90/91).

Como as procurações foram outorgadas pelo prazo de dois anos, findo tal período, deveriam ser substituídas, como de rigor.

Quanto à descrição do imóvel, como se trata de lote de terreno, não há razão para a exigência de que seja informado sobre a existência de edificação/benfeitorias e datas de ocorrência.

O valor atribuído ao imóvel usucapiendo consta apenas da ata notarial, devendo ser feita referência a ele no requerimento de usucapião (art. 4º, V, Provimento CNJ nº 65/2017, atual art. 400, V, Provimento CNJ nº 149/2023).

Relativamente ao nome da esposa de Feres Sabino que constou do instrumento particular de compra e venda, Cátia, em vez de Catarina, vê-se que não houve exigência formulada porque ela não figurou como requerente da usucapião, como a própria Oficial informa a fls. 32, de forma a ser descabida qualquer consideração a respeito.

Por fim, não há que se falar em encerramento abrupto e ilegal do processo de usucapião. Como o recorrente não cumprira as exigências formuladas pela Registradora no tempo oportuno, o procedimento foi encerrado, e os efeitos da prenotação cessaram, o que ensejou, inclusive, nova prenotação por ocasião da suscitação da presente dúvida pelo próprio interessado.

Ante o exposto, nego provimento à apelação, e julgo procedente a dúvida inversa suscitada.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 15.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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