CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de sentença – Desapropriação – Rodovia – Imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Necessidade de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA e apresentação de CCIR – Exigência de apresentação dos comprovantes de pagamento do imposto sobre a propriedade territorial rural – ITR relativos aos últimos 5 (cinco) anos que não se justifica – Registrador que não é fiscal de tributos não vinculados ao ato registrado – Item 117.1, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Apelação a que se nega provimento, com observação.

Apelação Cível nº 1026596-32.2022.8.26.0196

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1026596-32.2022.8.26.0196
Comarca: FRANCA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1026596-32.2022.8.26.0196

Registro: 2023.0001041819

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1026596-32.2022.8.26.0196, da Comarca de Franca, em que é apelante DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM – DER, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE FRANCA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 17 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1026596-32.2022.8.26.0196

APELANTE: Departamento de Estradas de Rodagem – DER

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Franca

VOTO Nº 39.202

Registro de imóveis – Carta de sentença – Desapropriação – Rodovia – Imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Necessidade de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA e apresentação de CCIR – Exigência de apresentação dos comprovantes de pagamento do imposto sobre a propriedade territorial rural – ITR relativos aos últimos 5 (cinco) anos que não se justifica – Registrador que não é fiscal de tributos não vinculados ao ato registrado – Item 117.1, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Apelação a que se nega provimento, com observação.

Trata-se de apelação interposta pelo Departamento de Estradas de Rodagem – DER contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Franca, que manteve a recusa do registro da carta de sentença extraída dos autos de ação de desapropriação (fls. 682/686).

Aduziu o apelante, em suma, que a desapropriação, como forma originária de aquisição da propriedade, dispensa, para o registro do título, o georreferenciamento e a sua certificação pelo INCRA.

Ademais, a área desapropriada, destinada ao prolongamento de uma rodovia, não tem mais características de um imóvel rural, de modo que não há que se falar em apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCIR e do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR.

Afastadas as exigências, o título deve ingressar no fólio real (fls. 695/703).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 725/728).

É o relatório.

O apelante, por sentença proferida em ação judicial, obteve a desapropriação, por utilidade pública, de parte ideal do imóvel matriculado sob nº 24.502 junto ao 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Franca.

Contudo, a carta de sentença expedida nos autos da ação de desapropriação (processo nº 1001094-33.2018.8.26.0196, da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Franca), apresentada a registro, foi desqualificada pelo Oficial que exigiu a apresentação do memorial descritivo georreferenciado e certificado pelo INCRA, do Certificado de Cadastro do Imóvel Rural CCIR e dos comprovantes de pagamento dos 5 (cinco) últimos anos do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR (fls. 101).

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7: Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453: Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223.

Fixada, assim, esta premissa, indiscutível que a aquisição da propriedade imobiliária por meio da desapropriação judicial encerra forma originária.

E, a despeito de dito caráter originário, a partir da redação dos artigos 176, § 3º e 225, § 3º, da Lei nº 6.015/1973, infere-se que, na hipótese em que há destaque de parcela de imóvel rural, existe a necessidade de regular apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado, contendo as coordenadas georreferenciadas, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

A propósito:

“Art. 176, § 3º – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

“Art. 225 § 3º- Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

Na expressão consagrada de Afrânio de Carvalho:

“(…) o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro.”1

De rigor a apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado e da certificação expedida pelo INCRA de que não há sobreposição com outro imóvel rural, tudo a fim de se evitar o ingresso de identificação incompleta no fólio real.

O artigo 9º do Decreto nº 4.449/2002 preleciona:

“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 176 e do § 3º do art. 225 da Lei nº 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.”

Não colhe, outrossim, a alegação do apelante no sentido de que o imóvel em questão perdeu o status de rural.

Com efeito, nos termos do artigo 53 da Lei nº 6.766/1979, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.

E não há demonstração de manifestação do INCRA e tampouco comprovação de aprovação por parte do Município da mudança de destinação do imóvel desapropriado.

Neste sentido já se manifestou, também, este Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido” (Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008).

E o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), documento emitido pelo INCRA nas hipóteses de desmembramento, arrendamento, hipoteca, venda ou promessa de venda de imóveis rurais, deve ser exigido com fundamento no artigo 22 da Lei nº 4.947/1996 e, especialmente, por força do estabelecido no artigo 9º do Decreto nº 4.449/2002.

Frise-se que a natureza originária da aquisição pela desapropriação não descaracteriza a submissão dessa situação jurídica à hipótese de desmembramento de imóvel rural, porquanto a área desapropriada foi destacada de imóvel rural com área maior.

A propósito:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. Carta de Adjudicação. Qualificação registral. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Cabimento do georreferenciamento, em cumprimento à Lei de Registros Públicos (artigos 176, § 1º, 3 “a”, 176, §§ 3º e 5º e 225, § 3º) e ao Princípio da Especialidade Objetiva. Cabimento do registro no CAR. Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). Recurso não provido, com observação” (TJSP; Apelação Cível 1001639-44.2018.8.26.0539; Relator PINHEIRO FRANCO (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santa Cruz do Rio Pardo – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/06/2019; Data de Registro: 12/07/2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Desapropriação de imóvel rural. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA. Cadastro Ambiental Rural. CAR. Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCIR. Exigências mantidas, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva. Dúvida procedente Apelação a que se nega provimento.” (TJSP; Apelação Cível 1000463-37.2021.8.26.0341; Relator RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Maracaí – Vara Única; Data do Julgamento: 14/12/2021; Data de Registro: 16/12/2021).

Por fim, cumpre ressaltar que a exigência de apresentação dos comprovantes de pagamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR relativos aos últimos 5 (cinco) anos, não se justifica, à vista do contido no subitem 117.1, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, segundo o qual “com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.

Nesse diapasão é o precedente extraído dos autos da Apelação Cível nº 0001652-41.2015.8.26.0547, julgado pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura deste Tribunal de Justiça de São Paulo, em 31/07/2017, em que foi relator o então eminente Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, valendo destacar os seguintes trechos:

“(…) Não se justifica, por outro lado, a exibição de CND (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários), diante da contemporânea compreensão do C. CSM, iluminada por diretriz estabelecida pela Corte Suprema (ADI n. 173/DF e ADI n. 394/STF, rel Min. Joaquim Barbosa, j. 25.9.2008), a dispensá-la, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política (Apelação Cível n.º 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. 18.4.2013; Apelação Cível n.º 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; e Apelação Cível n.º 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 26.8.2014; Apelação Cível n.º 14803-69.2014.8.26.0269, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 30.06.2016).

A confirmação da exigência importaria, na situação em apreço, uma restrição indevida ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua, instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos.”

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, com as observações acima, no tocante à desnecessidade de apresentação dos comprovantes de pagamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural ITR.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 23.02.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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