CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida registral julgada procedente – Legitimidade para requerer a suscitação da dúvida – Expressão “interessado” utilizada pelo art. 198 da LRP que não se confunde com apresentante, nem com parte do negócio jurídico cuja inscrição é pleiteada – Escritura de Compra e Venda de fração ideal correspondente a 0,1% do imóvel – Ausência de registro de instituição de condomínio edilício – Indícios de formação de condomínio voluntário como negócio jurídico indireto em fraude à lei da existência de condomínio edilício e de incorporação imobiliária – Óbice que encontra amparo no item 166 do Capítulo XX das NSCGJ – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1010138-43.2023.8.26.0506

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1010138-43.2023.8.26.0506
Comarca: RIBEIRÃO PRETO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1010138-43.2023.8.26.0506

Registro: 2024.0000299112

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010138-43.2023.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante JOSE ALFREDO PEDRESCHI MONTEIRO, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE RIBEIRÃO PRETO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010138-43.2023.8.26.0506

APELANTE: Jose Alfredo Pedreschi Monteiro

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto

VOTO Nº 43.305

Registro de imóveis  Dúvida registral julgada procedente – Legitimidade para requerer a suscitação da dúvida  Expressão “interessado” utilizada pelo art. 198 da LRP que não se confunde com apresentante, nem com parte do negócio jurídico cuja inscrição é pleiteada  Escritura de Compra e Venda de fração ideal correspondente a 0,1% do imóvel  Ausência de registro de instituição de condomínio edilício  Indícios de formação de condomínio voluntário como negócio jurídico indireto em fraude à lei da existência de condomínio edilício e de incorporação imobiliária  Óbice que encontra amparo no item 166 do Capítulo XX das NSCGJ  Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por José Alfredo Pedreschi Monteiro contra a r. sentença de fls. 73/75, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 1º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, que, mantendo as exigências do Oficial, negou o registro na matrícula nº 63.874 daquela serventia de escritura de compra e venda.

Alega o apelante, em síntese: que sobre o imóvel objeto da matrícula nº 63.874 foi construído um centro comercial e que frações ideais relativas ao empreendimento já foram alienadas anteriormente; que como não há uso individualizado do imóvel, não há condomínio edilício; que o registro da escritura não descumpre a legislação relativa ao parcelamento do solo; e que na qualidade de representante da empresa vendedora, tem legitimidade para suscitar dúvida e recorrer da sentença prolatada (fls. 88/92).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 115/117).

É o relatório.

De início, considerando que a MM. Juíza Corregedora Permanente entendeu que o apelante não tinha legitimidade para requerer a suscitação da dúvida (fls. 74), necessária a análise dessa questão preliminar.

Nesse ponto, sem razão a MM. Juíza de primeiro grau.

Com efeito, o inciso VI do art. 198 da Lei nº 6015/73 preceitua que a suscitação da dúvida pode ser pleiteada pelo “interessado”, nomenclatura genérica que vai além tanto do apresentante do título, como dos participantes de eventual negócio jurídico cujo registro se pleiteia.

Já o art. 202 da Lei nº 6.015/73 é ainda mais abrangente ao tratar da legitimidade para a interposição de apelação contra a sentença prolatada em procedimento de dúvida:

“Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado”.

O apelante, sócio da pessoa jurídica vendedora do bem, é inegavelmente interessado no registro da escritura de cuja lavratura participou e que assinou na presença do tabelião (fls. 9/12).

No mérito, sem razão o apelante.

Tratam os autos da negativa de registro de escritura de compra e venda, por meio da qual Pedreschi Monteiro Engenharia e Construção Ltda., titular da fração ideal de 59,6% do imóvel matriculado sob nº 63.874 do 1º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, vendeu a Carlos Abud Ristum a fração ideal correspondente a 0,1%.

A desqualificação, confirmada pela Corregedoria Permanente, baseia-se na suspeita de que a pretensão envolve a “formação de condomínio edilício sem o necessário registro da instituição e especificação” (fls. 4).

E a recusa à inscrição está correta.

Preceitua o item 166 do Capítulo XX das NSCGJ:

É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis” (grifei).

No caso, a venda de uma fração ideal de apenas 0,1%, por quem é proprietário de fração ideal de 59,6% de imóvel cuja área é de 16.070 m² (fls. 21/22), alienação essa feita em favor de pessoa física sem nenhuma relação com os demais coproprietários, efetivamente levanta suspeitas de que há condomínio edilício de fato que não foi instituído formalmente perante o registro imobiliário.

A averbação da construção de um centro comercial sobre o imóvel (cf. Av.6 da matrícula nº 63.874 – fls. 23), ao invés de fortalecer, enfraquece a tese recursal, pois reforça a suspeita de que há condomínio edilício informal no imóvel.

Decisão no sentido de permitir o registro, sob o argumento de que atos anteriores semelhantes foram inscritos, serviria de incentivo justamente à prática que se quer evitar, qual seja, a negociação de frações ideais mínimas antes do registro da instituição de condomínio.

E embora haja inscrições na matrícula nº 63.874 concernentes à venda de pequenas frações ideais do bem a terceiros, essas ocorrências são poucas (apenas seis relativas a frações ideais inferiores a 1% – R.17, R.18, R.19, R.20, R.22 e R.26 – fls. 28/34) e antigas (última prenotação de dezembro de 2012 – R.26 – fls. 33/34).

Nota-se, assim, que a desqualificação do título encontra amparo nas NSCGJ, pois visa evitar o uso do condomínio voluntário como forma de esconder um condomínio edilício, que se distingue pela coexistência de partes exclusivas e partes comuns (art. 1.332 do Código Civil).

O caso em exame é típico de negócio jurídico indireto em fraude à lei. O negócio indireto se verifica “quando as partes recorrem, concretamente, a um negócio determinado, para obter, através do mesmo, resultado diverso daquele típico da estrutura do próprio negócio; as partes visam, assim, um escopo que não é típico do próprio negócio” (Alvino Lima, A Fraude no Direito Civil, Editora Saraiva, 1.965, p. 80).

O negócio indireto em si é válido. Não o é, porém, quando celebrado em fraude à lei, com o escopo de driblar norma cogente, tal como ocorre no caso concreto.

Há interesse público e proteção de normas imperativas na alienação de frações ideais durante a construção do empreendimento imobiliário subordinada ao prévio registro da incorporação (L.4.591/64) e após a conclusão da construção, ao registro da instituição de condomínio edilício (arts. 1.331 e seguintes do Código Civil).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 16.04.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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