TJ/PE: Testamento genético


* JONES FIGUEIRÊDO ALVES

A vontade expressa em testamento quanto ao destino de sêmens e óvulos congelados, a constituir o material genético objeto de doação no efeito de uma futura inseminação artificial pela donatária, tem sido definida como um novo instrumento jurídico para o surgimento dos "filhos de herança", programados "post mortem" para pessoas determinadas.

É o denominado "testamento genético", quando os futuros pai ou mãe, doadores de sêmens ou óvulos, deixam instruções inscritas no sentido de o material genético congelado ser utilizado para a concepção e nascimento de seus filhos, após suas mortes, com escolha pessoal de quem os utilize. Escolha feita pelo próprio testador ou pessoa por ele indicada. Em resumo: o material genético passa a se constituir um bem de inventário, destinando-se servir à procriação do(a) falecido(a).

Uma advogada israelense, Irit Rosenblum, foi quem teve a ideia do instrumento legal, elaborando documentos de ultima vontade onde se permitisse aos herdeiros a disposição do material genético, com o uso que lhe fosse determinado pelo testador ou conforme suas diretivas.

Depois disso, ela obteve de um tribunal de Israel a determinação no sentido de o banco de sêmen do Tel Hashomer Hospital, localizado em área de Tel Hashomer de Ramat Gan (o maior do país e de todo o Oriente Médio), proceder a entrega de material genético ali depositado por Baruch Pozniansky, após sua morte. Os pais do jovem falecido queriam um neto e com o material genético então disponível escolher a futura mãe dele.

Muitos bancos de sêmen ou de óvulos congelados conservam o material genético, depositado pelos seus titulares, sem quaisquer instruções sobre o destino a lhe ser dado, quando por óbito daqueles depositantes. Uma descontinuidade atroz que impede uma destinação certa.  O congelamento de esperma ou a chamada criopreservação seminal (com armazenagem a uma temperatura de 196º C negativos) constitui um dos procedimentos biomédicos ao projeto parental; seja no interesse próprio (ou de casal), em bancos de sêmen homólogos; seja em doação, em bancos heterólogos, para as clínicas de reprodução assistida. 

As hipóteses frequentes que indicam o congelamento são: a) a pré-vasectomia, quando por ato de esterilização voluntária; b) o tratamento anticâncer, quando por ato de quimioterapia/radioterapia; c) a baixa qualidade seminal comprometendo a produção de esperma, quando recomendável a preservação de amostras. O tempo de congelamento é indeterminado, havendo casos de recepção exitosa do sêmen congelado, após longo tempo de armazenagem.

No ponto, registra-se o caso de Stela Biblis, na Carolina do Norte (2008) concebida por meio de sêmen congelado há vinte e dois anos, quando seu pai, com leucemia na adolescência e antes do tratamento radioterápico que o tornaria infértil, diligenciou preservar o liquido seminal.
Pois bem. O precedente judicial israelense (2011) admitindo que a liberação de material genético, guardado em bancos de criopreservação, pudesse ser definida por vontade de seu titular, através dos "testamentos genéticos", ensejou novas demandas judiciais. As cortes de Israel aprovaram, em seguida, a execução de outros treze testamentos.

Agora, a advogada Irit Rosenblum é a diretora da Ong "Nova Família", em Israel, uma organização humanitária que dispõe, pela primeira vez no mundo, de acervo de mais de mil "testamentos genéticos", com doações programadas de sêmens e óvulos congelados. Cerca de cem dos testamentos estão em execução, diante do evento morte dos testadores.

Convém anotar que ditos testamentos tem sido, equivocadamente, referidos como "testamentos biológicos", quando é certo que não devem ser confundidos com os chamados "testamentos vitais" ("living will" ou "testament de vie"), também conhecidos como instrumentos de "diretivas antecipadas de vontade" (DAVs), cujas declarações de vontade e instruções devem ser aplicadas sobre uma condição terminal do testador  ou em casos de impossibilidade dele dispor sobre sua vontade, no que diz respeito à dignificação do seu estado de paciente e/ou de sua morte, à recusa ou suspensão de tratamentos paliativos, (ortotanásia), etc. No Brasil, a Resolução nº 1.995/2012, de 30.08.2012, do Conselho Federal de Medicina veio permitir o registro do "testamento vital", dito "testamento biológico", junto à ficha médica ou prontuário do paciente, vinculando o médico à vontade do paciente.

No atinente aos "testamentos genéticos", inexiste previsão na legislação brasileira, dispondo, entretanto, a Resolução nº 1.957, de 06.01.2011, do Conselho Federal de Medicina, que "não constitui ilícito ético a reprodução assistida "post mortem", desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente" (Anexo único, VIII). Este normativo ético é premissa de base suficiente a sugerir a prática mais elaborada de testamentos da espécie.

Lado outro, importa particularizar questão referente aos embriões saudáveis e excedentes das técnicas de fertilização "in vitro", não utilizados nos ciclos de reprodução assistida, e que se encontram crioconservados para eventuais implantações futuras. A atual Resolução nº 2.013/2013, do Conselho Federal de Medicina, que atualizou as regras da reprodução assistida, diferentemente da resolução anterior (nº 1.358/1992) que proibia o descarte de embriões excedentários congelados, vem agora permiti-lo, mediante consentimento dos genitores.

Caso, porém, é pensar, sobre a incidência dos "testamentos genéticos", no tocante à destinação útil dos embriões, mediante a anuência do co-genitor,  se vivo estiver,  consabido que os embriões congelados, submetidos a longo processo de tempo indeterminado de hibernação, são factíveis de implantação posterior. Aliás, caso único na ciência, o da pequena Ryleigh Shepherd, nascida em Midland, Inglaterra (11/2010) após o embrião haver sido crioconservado, durante onze anos. O ser concepto, filha diferida, ganhou vida como irmã das gêmeas Bethany e Megan, nascidas onze anos antes.

No ponto, o nosso Código Ciivil já prevê a paternidade diferida (art. 1.597, inciso IV) e a lei portuguesa (nº Lei 32, de 26.06.2006) admite lícita a transferência "post mortem" de embrião, diante de projeto parental definido por escrito antes da morte do pai (art. 22, 3).

Conclusão inarredável se impõe: diante da vida humana, na sua forma mais incipiente (sêmens, óvulos, embriões) o direito, por certo, deverá intervir de forma mais eficiente e urgente. Os novos "testamentos genéticos", constituem, nessa seara, um projeto parental que celebra a dignidade da vida.

____________________

* O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJ/PE | 13/03/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.




Breves considerações sobre o direito de visitas dos avós aos netos


* Yves Zamataro

Toda criança e adolescente têm o direito de conviver com seus avós paternos e maternos, desde que inexistam justas causas que levem a essa impossibilidade, como maus tratos e comportamentos reprováveis e inidôneos, entre outros.

Infelizmente há diversos casos em que os pais proíbem os avós de conviverem com os seus netos. São casos de conflitos patrimoniais, desavenças entre sogros e entre genros e noras, desentendimentos nas separações, inimizade entre os pais e os avós, etc.

Até pouco tempo os únicos titulares do direito de convivência eram os pais.

Muitos avós reclamavam esse direito perante o Poder Judiciário, mas dependiam do livre arbítrio do juízo, pois eram divididos os posicionamentos dos juízes.

Alguns doutrinadores apontavam a possibilidade de intromissão no exercício do poder familiar dos pais como causa para não estendê-los aos avós.

De outro lado, a doutrina majoritária, acompanhada pela jurisprudência dos Tribunais, era em sentido oposto, ou seja, favorável à extensão do direito.

lei 12.398/11 alterou esse cenário.

Essa lei acrescentou o parágrafo único ao artigo 1.589 do CC/02.

Dessa forma, temos que:

"Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente."

O legislador, ao criar esse dispositivo legal, buscou preservar a integração da criança ou adolescente no núcleo familiar e na própria sociedade, não permitindo, ou não consentindo, que estes se distanciem da família, mesmo quando seus genitores optaram por cortar os laços do matrimônio.

Não se pode negar que o relacionamento dos netos com os avós é muito importante para a formação do indivíduo e para o contato com as raízes e história familiar, auxiliando no processo de autoconhecimento e formação de valores e ideais de vida.

Fato é que, na qualidade de parentes diretos dos netos, o direito à convivência avoenga é uma demonstração de respeito às garantias constitucionais destes, conforme explicita o texto da nossa Carta Magna.

O próprio artigo 227 da CF/88 dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, dentre outros, a convivência familiar.

Havendo resistência injustificada dos genitores em permitir essa convivência, faz-se necessária a atuação jurisdicional.

O juízo, ao analisar o pedido, levará em conta, primeiramente, o interesse do menor em manter-se integrado na comunidade familiar; em seguida, dos pais, pela preservação do indispensável convívio com os ancestrais; e dos avós, na distribuição do seu natural afeto aos descendentes.

Dificultar o exercício desse direito, além de trazer graves consequências ao menor ou adolescente pode, inclusive, levar à aplicação das regras contidas na lei 13.318/10, que trata da alienação parental, disposições que variam desde simples advertência, até a declaração de suspensão da autoridade parental.

Por fim, resta deixar claro que o exercício desse direito de visitas dos avós subsiste em qualquer situação, mesmo quando regular a convivência conjugal dos pais dos menores.

__________________

* Yves Zamataro é advogado do escritório Angélico Advogados.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.