Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF – Cessão gratuita de imóvel a filho – Aluguel a terceiros – No caso de cessão gratuita de imóvel a filho, para posterior aluguel a terceiros: a) caso a cessão se dê por meio de contrato, registrado em cartório, com cláusula que permita a locação pelo filho, este será o titular dos rendimentos de aluguéis percebidos e o contribuinte do IRPF correspondente; b) caso a cessão se dê sem formalidades, o titular dos rendimentos de aluguéis será o proprietário do imóvel, o qual deverá registrar em sua Declaração de Ajuste Anual (DAA) os referidos rendimentos, fazendo constar esses valores como doação de numerários ao filho – Normas de administração tributária – Ineficácia parcial – Não produz efeitos a consulta: (1) formulada em tese, com referência a fato genérico, ou, ainda, que não identifique o dispositivo da legislação tributária e aduaneira sobre cuja aplicação haja dúvida; ou (2) quando não descrever, completa e exatamente, a hipótese a que se referir, ou não contiver os elementos necessários à sua solução

Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF – Cessão gratuita de imóvel a filho – Aluguel a terceiros – No caso de cessão gratuita de imóvel a filho, para posterior aluguel a terceiros: a) caso a cessão se dê por meio de contrato, registrado em cartório, com cláusula que permita a locação pelo filho, este será o titular dos rendimentos de aluguéis percebidos e o contribuinte do IRPF correspondente; b) caso a cessão se dê sem formalidades, o titular dos rendimentos de aluguéis será o proprietário do imóvel, o qual deverá registrar em sua Declaração de Ajuste Anual (DAA) os referidos rendimentos, fazendo constar esses valores como doação de numerários ao filho – Normas de administração tributária – Ineficácia parcial – Não produz efeitos a consulta: (1) formulada em tese, com referência a fato genérico, ou, ainda, que não identifique o dispositivo da legislação tributária e aduaneira sobre cuja aplicação haja dúvida; ou (2) quando não descrever, completa e exatamente, a hipótese a que se referir, ou não contiver os elementos necessários à sua solução. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

Solucao de Consulta nº 93 – Cosit – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Data 25 de marco de 2019

Processo

Interessado

CNPJ/CPF

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF

CESSÃO GRATUITA DE IMÓVEL A FILHO. ALUGUEL A TERCEIROS.

No caso de cessão gratuita de imóvel a filho, para posterior aluguel a terceiros: a) caso a cessão se dê por meio de contrato, registrado em cartório, com cláusula que permita a locação pelo filho, este será o titular dos rendimentos de aluguéis percebidos e o contribuinte do IRPF correspondente; b) caso a cessão se dê sem formalidades, o titular dos rendimentos de aluguéis será o proprietário do imóvel, o qual deverá registrar em sua Declaração de Ajuste Anual (DAA) os referidos rendimentos, fazendo constar esses valores como doação de numerários ao filho.

Dispositivos legais: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN), arts. 43 e 45; Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil (CC/2002), art. 565; Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, art. 6º, inciso III; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 49; e Instrução Normativa RFB nº 1.500, de 29 de outubro de 2014, art. 11, inciso II, art. 30, art. 53, inciso I, e art. 54.

ASSUNTO: NORMAS DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

INEFICÁCIA PARCIAL.

Não produz efeitos a consulta: (1) formulada em tese, com referência a fato genérico, ou, ainda, que não identifique o dispositivo da legislação tributária e aduaneira sobre cuja aplicação haja dúvida; ou (2) quando não descrever, completa e exatamente, a hipótese a que se referir, ou não contiver os elementos necessários à sua solução.

Dispositivos Legais: Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013, art. 18, incisos I, II e XI.

Relatório

A pessoa física acima identificada dirige-se a este órgão buscando esclarecimentos em relação ao Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza de Pessoa Física (IRPF).

2. Informa que é beneficiário de uma cessão gratuita para uso de imóvel feita por seus pais. Acrescenta que pensa em alugar o referido imóvel (um apartamento) para terceiros e gostaria de saber como proceder em relação à declaração dos aluguéis perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).

3. Apresenta como fundamentação legal o inciso III do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988.

4. Por fim, questiona:

“1) Como o cessionário deverá proceder para declaração dos alugueis recebidos em imóvel cedido para uso nos termos do artigo 6º, III da Lei 7713/98?

2) Como o cedente deverá proceder com relação à declaração de cessão dos direitos ao cessionário?”.

Fundamentos

5. O instituto da consulta sobre a interpretação da legislação tributária, relativa aos tributos administrados pela RFB, subordina-se ao disposto nos arts. 46 a 53 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e nos arts. 48 a 50 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, regulamentados pela Instrução Normativa (IN) RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013.

6. Cabe destacar que a Solução de Consulta não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações, interpretações ou ações procedidas pelo consulente e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, aplica-se a solução de consulta.

7. O consulente trouxe como fundamentação legal o disposto no inciso III do art. 6º da Lei nº 7.713, de 1988, equivocadamente informado por ele como sendo do ano de 1998. A seguir transcreve-se o dispositivo legal acima citado norteador desta a solução da consulta:

“Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:

I – (………)

III – o valor locativo do prédio construído, quando ocupado por seu proprietário ou cedido gratuitamente para uso do cônjuge ou de parentes de primeiro grau;

(………)”

8. Este mesmo dispositivo legal é citado na IN RFB nº 1.500, de 29 de outubro de 2014, nos seguintes termos:

“Art. 11. São isentos ou não se sujeitam ao imposto sobre a renda, os seguintes rendimentos:

(…)

II – valor locativo do prédio construído, quando ocupado por seu proprietário ou cedido gratuitamente para uso do cônjuge, pais ou filhos;”

9. Da análise do dispositivo em questão compreende-se que está isento do IRPF, o valor locativo do prédio construído, somente se esse for:

a) ocupado por seu proprietário, ou

b) cedido gratuitamente para uso do cônjuge ou de parentes de primeiro grau.

10. Quando cedido gratuitamente a terceiros que não o cônjuge ou parentes de primeiro grau, o valor locativo do prédio construído será tributável, adotando-se para tal 10% do valor venal do imóvel cedido, podendo ser adotado o constante na guia do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) correspondente ao ano-calendário da Declaração de Ajuste Anual (DAA), nos termos do § 1º do art. 49 do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999):

“Art. 49. (…)

(…)

§ 1º Constitui rendimento tributável, na declaração de rendimentos, o equivalente a dez por cento do valor venal de imóvel cedido gratuitamente, ou do valor constante da guia do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU correspondente ao ano-calendário da declaração, ressalvado o disposto no inciso IX do art. 39 (Lei nº 4.506, de 1964, art. 23, inciso VI).”

11. O consulente, no entanto, não trouxe indagações sobre o conteúdo do fundamento legal apresentado, mas sim, sobre os procedimentos inerentes a uma possível utilização do imóvel para locação a terceiros. O primeiro questionamento é o seguinte:

“1) Como o cessionário deverá proceder para declaração dos aluguéis recebidos em imóvel cedido para uso nos termos do artigo 6º, III da Lei 7.713/98?”

12. Como se vê, a consulta versa sobre a conceituação do fato gerador do IRPF e do respectivo contribuinte, numa das hipóteses de rendimento decorrente de negócio jurídico feito com bem imóvel, no caso o contrato de aluguel, especificamente, naquela em que o rendimento tem origem no uso ou exploração de prédio construído, quando o imóvel é recebido graciosamente para uso de cônjuge ou parente de primeiro grau e é locado por estes a terceiros.

13. Ou seja, na questão apresentada têm-se dois momentos, o da cessão gratuita do imóvel ao filho, cujo valor locatício estaria isento do imposto sobre a renda e o do posterior aluguel do imóvel a terceiros, situação sujeita à tributação do IRPF, nos termos do art. 49 do RIR/1999 e do art. 30 da IN RFB nº 1.500, de 2014:

“RIR/1999

Art. 49. São tributáveis os rendimentos decorrentes da ocupação, uso ou exploração de bens corpóreos, tais como (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. , Lei nº 4.506, de 1964, art. 21, e Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 4º):

(…)

IN RFB nº 1.500, de 2014

Art. 30. Para determinação da base de cálculo sujeita ao recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão) de que trata o Capítulo IX, no caso de rendimentos de aluguéis de imóveis pagos por pessoa física, devem ser observadas as mesmas disposições previstas nos arts. 31 a 35. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1756, de 31 de outubro de 2017)

Parágrafo único. Ressalvado o disposto no inciso II do caput do art. 11, o valor locativo do imóvel cedido gratuitamente (comodato) será tributado na DAA.”

14. Para a definição sobre procedimentos de declaração de aluguéis faz-se necessário definir quem é o responsável pelo IRPF inerente à relação tributável decorrente dos rendimentos de aluguel.

15. A Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN) traz a definição do contribuinte do IRPF como o titular da disponibilidade:

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.

(…)

Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.

(…)”

16. Compreenda-se que nos termos do art. 565 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil (CC/2002), na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição. Assim, essa retribuição caracteriza a existência de uma disponibilidade econômica de interesse da tributação.

17. Se a cessão gratuita do imóvel para a ocupação pelo filho se der por meio de contrato, registrado em cartório, com cláusula que permita a locação do imóvel pelo cessionário, estar-se-á diante de uma alteração do titular da disponibilidade da renda, a qual dá ensejo à configuração da sujeição passiva do filho quanto à tributação dos rendimentos de aluguel recebidos.

18. No entanto, caso a cessão gratuita ao filho seja feita sem as formalidades contratuais legalmente estabelecidas, o titular da disponibilidade dos rendimentos do aluguel continua a ser o proprietário do imóvel, razão pela qual será este considerado contribuinte do IRPF, sendo o repasse de valores ao filho (ainda que este receba diretamente o pagamento) configurado como doação. Destarte, deverá o proprietário apresentar os rendimentos de aluguel em sua declaração de ajuste e declarar os valores correspondentes ao aluguel repassado ao cessionário como doação de numerários.

19. Em ambos os casos o contribuinte dever apurar a base de cálculo sujeita ao recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), no caso de rendimentos de alugueis pagos por pessoa física, os quais integrarão a base de cálculo do imposto na Declaração de Ajuste Anual, sendo o imposto pago considerado antecipação do devido.

“IN RFB nº 1.500, de 2014

Art. 53. Está sujeita ao pagamento mensal do imposto a pessoa física residente no País que recebe:

I – rendimentos de outras pessoas físicas que não tenham sido tributados na fonte no País, tais como decorrentes de arrendamento, subarrendamento, locação e sublocação de móveis ou imóveis, e os decorrentes do trabalho não assalariado, assim compreendidas todas as espécies de remuneração por serviços ou trabalhos prestados sem vínculo empregatício;

(…)

Art. 54. Os rendimentos sujeitos ao recolhimento mensal obrigatório (carnêleão) devem integrar a base de cálculo do imposto na DAA, sendo o imposto pago considerado antecipação do apurado nessa declaração. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1756, de 31 de outubro de 2017)

20. Cita-se o segundo questionamento apresentado pelo consulente:

“2) Como o cedente deverá proceder com relação à declaração de cessão dos direitos ao cessionário?”.

21. Do modo como foi formulado, ficou explicitado que o consulente não trouxe os elementos necessários à sua solução e que o questionamento não se relaciona diretamente com a fundamentação legal apresentada. Assim, a questão não pode ser respondida, devendo ser considerada ineficaz, conforme exige a IN RFB nº 1.396, de 2013:

“Art. 18. Não produz efeitos a consulta formulada:

I – com inobservância do disposto nos arts. 2º a 6º;

II – em tese, com referência a fato genérico, ou, ainda, que não identifique o dispositivo da legislação tributária e aduaneira sobre cuja aplicação haja dúvida; (…)

XI – quando não descrever, completa e exatamente, a hipótese a que se referir, ou não contiver os elementos necessários à sua solução, salvo se a inexatidão ou omissão for escusável, a critério da autoridade competente.”

Conclusão

22. Diante dos fundamentos expostos, propõe-se a solução parcial da presente consulta, declarando-a ineficaz quanto ao questionamento 2, tendo em vista os incisos I, II e XI da IN RFB nº 1.396, de 2013, e respondendo à consulente, quanto à parte considerada eficaz, que:

a) no caso de cessão gratuita de imóvel para filho, formalizado por meio de contrato, registrado em cartório, com cláusula que permita a locação do imóvel pelo cessionário, o filho é o titular dos rendimentos do aluguel desse imóvel locado a terceiros e, portanto, contribuinte do IRPF correspondente;

b) caso a cessão gratuita ao filho se dê de forma informal, o titular do rendimento do aluguel a terceiros e contribuinte do imposto sobre a renda é o proprietário do imóvel, o qual deve apresentar os rendimentos de aluguel em sua declaração de ajuste, informando os referidos valores como doação de numerários ao filho.

À Coordenação de Tributos sobre a Renda, Patrimônio e Operações Financeiras (Cotir) da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).

Assinado digitalmente

MILENA REBOUÇAS NERY MONTALVÃO

Auditora-Fiscal da RFB – Chefe da Disit 05

De acordo. À consideração do Coordenador-Geral da Cosit.

Assinado digitalmente

FÁBIO CEMBRANEL

Auditor-Fiscal da RFB

Coordenador da Cotir

Ordem de Intimação

Aprovo a Solução de Consulta. Divulgue-se e publique-se nos termos do art. 27 da Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013. Dê-se ciência ao consulente.

Assinado digitalmente

FERNANDO MOMBELLI

Auditor-Fiscal da RFB – Coordenador-Geral da Cosit – – /

Dados do processo:

Subsecretaria de Tributação e Contencioso – Coordenação-Geral de Tributação – Solução de Consulta nº 93/2019 – Coordenadora-Geral da COSIT Fernando Mombelli – D.O.U.: 01.04.2019

Fonte: INR Publicações

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Escritura pública de compra e venda de imóvel em que figura, como vendedora, pessoa jurídica – Distrato social registrado anteriormente na Jucesp que não enseja a automática extinção da personalidade jurídica da empresa – Panorama fático desenhado nos autos que permite concluir pela regularidade da representação da pessoa jurídica no título levado a registro – Óbices apresentados pela registradora que merecem ser afastados para ingresso do título no fólio real – Apelação provida

Apelação n° 1027686-09.2016.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1027686-09.2016.8.26.0577
Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1027686-09.2016.8.26.0577

Registro: 2018.0000726424

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1027686-09.2016.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante SÉRGIO ANTÔNIO MONTEIRO PORTO, é apelado TABELIAO DO PRIMEIRO CARTORIO DE REGISTRO DE IMOVEIS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, para o fim de julgar improcedente a dúvida registral e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), DAMIÃO COGAN (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 13 de setembro de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1027686-09.2016.8.26.0577

Apelante: Sérgio Antônio Monteiro Porto

Apelado: Tabelião do Primeiro Cartório de Registro de Imóveis de São José dos Campos

VOTO Nº 37.557

Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Escritura pública de compra e venda de imóvel em que figura, como vendedora, pessoa jurídica – Distrato social registrado anteriormente na Jucesp que não enseja a automática extinção da personalidade jurídica da empresa – Panorama fático desenhado nos autos que permite concluir pela regularidade da representação da pessoa jurídica no título levado a registro – Óbices apresentados pela registradora que merecem ser afastados para ingresso do título no fólio real – Apelação provida.

Trata-se de recurso de apelação[1] interposto por Sérgio Antônio Monteiro Porto contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São José dos Campos/SP[2], que em procedimento de dúvida inversa confirmou os óbices impostos pela registradora para registro da escritura de compra e venda tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 101.583 naquela serventia extrajudicial.

Em suas razões de inconformismo, alega o apelante, em síntese, ter adquirido o apartamento nº 11 do edifício localizado na Rua Bárbara K. Loureiro, 91, da empresa Concrex, da qual foi sócio majoritário. Aduz que a escritura de compra e venda foi lavrada em 10.08.2012, nela tendo figurado como comprador e também como representante legal da vendedora, nos termos do contrato social da empresa. Esclarece que, em 19.08.1998, a sócia Guilhermina doou a totalidade de suas quotas (1,32%) ao sócio, filho e herdeiro, ora apelante, com a expressa anuência e concordância de Luiz Roberto Monteiro Porto, seu outro filho e herdeiro, tendo constado que o valor correspondente às quotas integrava a parte disponível do bens da doadora, com dispensa da colação. Sustenta o apelante, assim, que todas as quotas da empresa passaram a lhe pertencer, sendo nomeado procurador da doadora, com poderes especiais para, a qualquer tempo, formalizar a transferência das quotas doadas para seu próprio nome ou de terceiros que indicasse e firmar alterações contratuais da empresa Concrex. Afirma que, em 20.01.1993, o apelante e Guilhermina, que já havia doado suas cotas, mas ainda constava formalmente dos quadros societários da empresa, firmaram distrato social em que constou a realização do ativo da sociedade e a inexistência de passivo ou de patrimônio a ser rateado entre os sócios. Acrescenta que, em 28.06.1997, ocorreu o óbito de Guilhermina, certo que, em razão da doação das quotas sociais realizada em favor do apelante e da anuência do outro herdeiro, nem as referidas quotas, nem o apartamento registrado em nome da sociedade dissolvida foram objeto de partilha. Dessa forma, entende que não há necessidade de transferência do imóvel, na proporção de 1,93%, ao espólio de Guilhermina, tampouco de partilha das quotas da empresa ou mesmo do imóvel, eis que válida a doação das quotas antes da dissolução da sociedade. Acrescenta que as exigências formuladas revelam extremo formalismo, pois demonstrada a ausência de prejuízos a terceiros.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso[3].

É o relatório.

O dissenso versa sobre a registrabilidade da escritura de venda e compra lavrada em 10 de agosto de 2012, por meio da qual a empresa Concrex – Tecnologia de Concreto Usinado Ltda. (dissolvida), representada por seu sócio, Sérgio Antônio Monteiro Porto, a ele vendeu o imóvel objeto da matrícula nº 101.583 do 1º Oficial de Registro de Imóveis de São José dos Campos/SP[4].

Na nota de devolução[5] elaborada por ocasião da qualificação negativa do título, a Oficial registradora formulou as seguintes exigências:

“a) A liquidação da sociedade, devendo existir uma alteração contratual para nomear um liquidante, sendo o espólio de Guilhermina Monteiro Porto representado por alvará judicial.

b) Lavratura de uma escritura de dação em pagamento, subscrito pelo liquidante, onde o imóvel será transferido para o sócio Sérgio Antonio Monteiro Porto e para o espólio do Guilhermina Monteiro Porto, na proporção da cota que cada um possuía na sociedade.

c) Partilha da parte pertencente ao espólio de Guilhermina Monteiro Porto, podendo essa ser judicial ou extrajudicial, essa última modalidade se preenchidos os requisitos exigidos pela lei.”

Aduz o apelante que as exigências apresentadas pela registradora não se sustentam porque a falecida Guilhermina havia lhe doado todas as suas quotas sociais, com a anuência do outro herdeiro, bem como porque, no instrumento de distrato social, constou expressamente que a pessoa jurídica realizou seu ativo e não deixou passivo, nem patrimônio a ser rateado entre os sócios. Assim foi feito, pois os bens da sociedade seriam revertidos ao sócio remanescente, ora apelante, a quem passou a pertencer a totalidade das quotas sociais.

Por conseguinte, afirma ser dispensável a transferência do imóvel, na proporção de 1,93%, ao espólio de Guilhermina, bem como sua partilha.

No caso concreto, mister consignar que o contrato de doação de quotas sociais não foi devidamente averbado na JUCESP, de forma que, à época do distrato social, Guilhermina ainda constava formalmente como sócia da pessoa jurídica denominada Concrex Tecnologia de Concreto Usinado Ltda.

Por outro lado, no instrumento de distrato acostado aos autos, datado de 20.01.1993 e averbado na JUCESP em 04.03.1993, ficou constando, expressamente, que: “a sociedade realizou o seu ativo e resolveu os compromissos, não restando passivo, nem patrimônio a ser rateado entre os sócios”. Consta, ainda, que “Os sócios dão-se, reciprocamente, ampla quitação, nada mais tendo a reivindicar a qualquer título, em qualquer época”, sendo que o “sócio Sérgio Antonio Monteiro Porto assume a responsabilidade da guarda dos livros e documentos da sociedade”[6].

O art. 51, caput, do Código Civil dispõe que nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para fins de liquidação, até que esta se conclua. Na hipótese em análise, não houve liquidação, tendo os sócios deliberado pela extinção da sociedade de plano ao declarar a inexistência de passivo e ativo, o que, contudo, não corresponde à realidade na medida em que apenas em 2012 foi lavrada escritura de compra e venda tendo por objeto o imóvel de titularidade da Concrex.

É preciso lembrar que a dissolução da pessoa jurídica não extingue, de imediato, sua personalidade, que irá persistir até a finalização de sua liquidação, quando então se dará o cancelamento de sua inscrição no órgão competente (art. 51, § 3º, c.c. art. 1.109, caput, do Código Civil). É dizer: optando os sócios da pessoa jurídica pelo encerramento das atividades mercantis, o registro obrigatório do documento que formaliza a dissolução extrajudicial se caracteriza apenas como a primeira das três fases do procedimento de extinção da personalidade, disciplinadas pela lei (dissolução, liquidação e partilha).

Entende-se por liquidação a total destinação do acervo líquido da pessoa jurídica, com pagamento do passivo e rateio do ativo remanescente. Para tanto, se não houver designação do liquidante no contrato social, os sócios deverão deliberar a respeito (CC, art. 1.038, caput), ficando o escolhido incumbido de pagar o passivo e de receber os ativos, prestando contas ao final (CC, art. 1.108). Apenas após a prestação de contas tem-se por extinta a sociedade (CC, art. 1.109).

No caso concreto, considerando o panorama fático desenhado nos autos, é possível concluir que o sócio Sérgio, ora apelante, não está a ocultar ou desviar bens da pessoa jurídica a fim de fraudar os demais herdeiros de Guilhermina, sócia falecida, tampouco o direito de terceiros. De fato, por constar do distrato que a sociedade já havia realizado seu ativo e resolvido seus compromissos, não restando passivo, nem patrimônio a ser rateado entre os sócios e, ainda, porque ao sócio Sérgio, ora apelante, coube a guarda dos livros e documentos da sociedade, conclui-se que há implícita autorização da parte de Guilhermina para que este atue na qualidade de liquidante, de forma a concluir as formalidades necessárias ao cumprimento das obrigações assumidas pela pessoa jurídica. Entendimento contrário revelaria demasiado apego a um formalismo exacerbado.

Assim sendo, à luz do disposto no art. 1.103, inciso IV, e no art. 1.105, ambos do Código Civil, há que se admitir a regularidade da representação da pessoa jurídica na escritura de compra e venda em questão, o que leva à superação dos óbices apresentados pela registradora, bem como à desnecessidade do referido alvará judicial para venda do imóvel. Ademais, é certo que as questões referentes à partilha do produto da venda ou da finalização do procedimento de liquidação, para regular encerramento da pessoa jurídica, são estranhas aos autos e irrelevantes para alterar a solução da dúvida suscitada pela registradora.

Cumpre ressaltar, ainda, que as cláusulas do contrato de doação e do mandato outorgado por Guilhermina ao filho, ora apelante, além da anuência dos demais herdeiros com o negócio celebrado em nome da sociedade dissolvida, permitem afirmar que os prejuízos trazidos pela negativa de registro superam os benefícios advindos da estrita obediência ao formalismo dos registros públicos.

Daí porque, a despeito dos respeitáveis fundamentos da r. sentença, o recurso, dada a peculiaridade do caso, comporta provimento.

Diante do exposto, dou provimento à apelação, para o fim de julgar improcedente a dúvida registral e determinar o registro do título.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Fls. 82/87.

[2] Fls. 78/79.

[3] Fls. 90/92.

[4] Fls. 34/37.

[5] Fls. 45/51.

[6] Fls. 19/20.

Fonte: DJe/SP de 18/03/2019

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