Solução alternativa de conflitos é saída para reduzir a judicialização no setor aéreo

Ampliar canais de diálogo e de negociação entre companhias aéreas e passageiros e utilizar os métodos alternativos de solução de conflitos, como os acordos de conciliação, são alguns dos caminhos que se apresentam para conter a escalada da litigiosidade no setor aéreo. Essas foram algumas das conclusões do painel “A moldura legislativa e jurisprudencial contemporânea do transporte aéreo” que integra a programação do webinário “Setor Aéreo Brasileiro: Caminhos para a Redução da Litigiosidade” realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta terça-feira (25/5).

O Brasil é recordista em processos contra companhias aéreas, país onde a chance de uma empresa do setor ser processada é cinco mil vezes maior do que nos Estados Unidos, informou o secretário-geral do CNJ, Valter Shuenquener, que coordenou os debates. Apenas em 2018, foram propostas 64 mil ações por consumidores contra empresas aéreas, número que passou para 109 mil, em 2019, e com a pandemia indicando movimentações altas também em 2020 e 2021.

Diante desse quadro, o secretário-geral do CNJ disse que é necessário priorizar as soluções alternativas e consensuais. Como parte das soluções, foi lançada a “Cartilha Digital do Transporte Aéreo”, com informações sobre direitos e deveres relacionados a esse segmento em uma contribuição para ampliar o nível de conhecimento sobre o setor.

“É preciso ressaltar a importância desse evento sobretudo no cenário atual de saúde pública, uma vez que, somado a todos esses problemas, a pandemia deu ao setor uma redução de 94% da malha aérea brasileira em viagens, com impactos profundos no mercado. Daí a relevância de debatermos a judicialização do setor aéreo neste momento de crise a fim de evitarmos o agravamento da situação que possa levar ao colapso até mesmo do sistema judicial, que está sendo inundado por um tsunami de ações relacionadas ao setor aéreo”, afirmou Shuenquener.

Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Moura Ribeiro apresentou a jurisprudência que tem orientado os julgamentos na corte. Para ele, devem ser analisados em profundidade os motivos que tornam o Brasil o campeão da judicialização na relação entre as empresas do setor aéreo e os usuários.

Moura Ribeiro destacou cinco casos analisados pelo STJ, dos quais quatro geraram indenização. Entre eles, o da prerrogativa das empresas de cancelamento automático unilateral de bilhetes nos casos de compra de passagens de ida e volta em que o consumidor perde o direito à passagem de retorno se por não ter tiver embarcado.

“Estamos aqui no STJ falando a respeito do diálogo das fontes, mas temos que entender sempre nessa linha de que o consumidor como sendo sempre a parte vulnerável de qualquer relação”, afirmou o ministro. “Pode ser que em determinados momentos isso até não seja verdade, mas o princípio maior é este e devemos nos agarrar a ele como coisa segura e de segurança jurídica para aqueles que pedem a proteção do Código de Defesa do Consumidor.”

Para a presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, uma das vias para a desjudicialização é o maior conhecimento, por parte dos magistrados e magistradas, dos precedentes relacionados a setores com alto nível de litigiosidade. “A proposta é que, além do CNJ apresentar ao consumidor e aos juízes brasileiros os casos mais recorrentes e como são resolvidos, que a gente também trabalhe de braços dados com o setor aéreo para fazer com que todos entendamos como esse segmento funciona.”

Outra contribuição para o entendimento da complexidade do tema foi dada pela secretária nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Juliana Domingues. Ela lembrou que o setor aéreo é regulado, conta com poucos agentes econômicos e cuja oferta de serviços pode ser reduzida ou desaparecer por “medidas radicais e desconectadas com a realidade”.

Em sua visão, a judicialização pode ser contida e evitada a partir da decisão das companhias aéreas de fortalecer os serviços de atendimento ao consumidor (SACs). “Se nos primeiros canais de atendimento o usuário tem uma solução de sua demanda, nos casos em que é um caso simples, isso ajudaria a reduzir a litigiosidade. O treinamento dos atendimentos dos SACs precisa ser feito de forma prioritária para impedir a escalação dos conflitos.”

Juizados especiais

Na análise dos elementos que permeiam a questão, a advogada Thais Strozzi, especialista desse setor, fez um retrospecto do apagão aéreo dos anos de 2006 e 2007 lembrando que, a partir de então, um número expressivo de acordos vem sendo firmados nos juizados especiais. “Embora o índice de judicialização seja extremamente elevado no Brasil, é certo que o número de acordos no âmbito dos juizados especiais cíveis é também igualmente expressivo, com cerca de 20% das demandas submetidas resolvidas por acordo homologado em juízo”, destacou, citando como fonte os dados de 2019 do Relatório Justiça em Números, do CNJ.

Representante das empresas de aviação, a advogada Valéria Curi, da Associação Latino-Americana do Transporte Aéreo, apresentou um retrato da legislação do transporte aéreo no Brasil, formado pela Constituição Federal, o Código Brasileiro de Aeronáutica, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil, a Convenção de Varsóvia, o Código do Processo Civil de 2015 e a regulamentação de Agencia Nacional de Aviação Civil.

Ela também abordou a questão do dano moral como um dos responsáveis pelo excesso de judicialização, apresentando valores médios de indenizações e avaliando que os ressarcimentos não vêm tendo relação com o valor das passagens. “A realidade brasileira é essa na qual em 60% a 70% dos casos ainda há banalização da aplicação de danos morais, o que nos leva à constatação de existência de valores aleatórios. Eles não têm relação com o preço do bilhete aéreo, com o fato de o serviço ter sido provavelmente prestado ou qualquer outro elemento a não ser a experiência do magistrado e, como todo o meu respeito à magistratura, a vontade de dar um caráter punitivo ou não compensatório pela conduta do transportador aéreo, o que é vedado pelo Artigo 29 da Convenção de Montreal.”

Regulação

Um panorama da regulação da aviação brasileira foi apresentada pelo diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Ricardo Bisinotto. Ele afirmou que os serviços prestados pelas companhias possuem qualidade similar ao oferecido em outros países e a elevada judicialização tem dificultado a atração de investimentos e de empresas estrangeiras interessadas em atuar no Brasil.

“O acesso ao Judiciário tem que estar reservado aos casos que realmente sejam inafastáveis e graves, aqueles que mereçam a indenização e reparação. Temos uma justiça gratuita que eventualmente fomenta e gera um incentivo sem maiores consequências para o consumidor pleitear indenização e temos visto que isso afasta investimentos e novos players”, explicou.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

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Lei autoriza o Executivo a alienar imóveis

Nova lei sancionada pelo governador trata da transferência de 74 imóveis em diversos municípios mineiros.

Foi publicada no Diário Oficial de Minas Gerais de sábado (22/5/21) a sanção pelo governador Romeu Zema (Novo) da Lei 23.802, que trata da alienação de imóveis do Executivo. A lei é originária do Projeto de Lei (PL) 1.016/19, de autoria do governador.

O texto autoriza o Poder Executivo e o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER-MG) a alienar onerosamente os imóveis especificados em seu anexo, mediante venda, dação em pagamento, permuta por outro imóvel, produto ou serviço, dação em garantia de operação financeira ou incorporação para fins de integralização de participação em capital social de empresa controlada pelo Estado.

Também prevê a possibilidade de que o Executivo destine os imóveis de propriedade do Estado, constantes no anexo, ou o produto de sua alienação à integralização de cotas em fundos de investimento imobiliário ou em fundos de investimento em participação.

No anexo da lei, constam 74 imóveis localizados em diferentes municípios mineiros. A lei ainda estabelece a alienação dos imóveis deverá ser precedida de avaliação e licitação, na modalidade concorrência.

Segundo a mensagem do governador, na ocasião em que o projeto foi encaminhado para análise dos parlamentares, o objetivo é aportar recursos ao Tesouro Estadual por meio da alienação onerosa de imóveis aos quais não tenha sido dada destinação pública.

Fonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais

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Recurso Especial – Direito empresarial – Execução – Títulos de crédito – Notas promissórias – Divergência entre as datas de vencimento apostas nas cártulas – Nulidade – Não ocorrência – Prevalência da data de pagamento posterior à data de emissão – Presunção que decorre da interpretação sistemática da lei uniforme de genebra – Precedente específico da Terceira Turma – 1. Ação ajuizada em 16/9/2016. Recurso especial interposto em 17/9/2020. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 18/2/2021 – 2. O propósito recursal consiste em definir se a aposição de datas de vencimento divergentes em notas promissórias inquina os títulos de crédito de nulidade – 3. Embora a formalismo constitua princípio regulamentador dos títulos de crédito, pode a lei enumerar determinado requisito e, ainda assim, admitir a possibilidade de a cártula não o conter expressamente – ou de o conter de forma irregular, com a presença de vícios supríveis – sem que o título perca sua eficácia própria – 4. Um desses defeitos supríveis é o da divergência entre os valores da dívida inscritos no título, cuja solução prevista na Lei Uniforme de Genebra (art. 6º) é de fazer prevalecer a expressão grafada por extenso ou aquela de menor quantia, as quais, presumivelmente, correspondem à vontade do emitente da cártula – 5. A data de vencimento da dívida constitui requisito não essencial da nota promissória, pois, em virtude da ausência desse elemento, considera-se que o valor é exigível à vista, por se presumir ser essa a vontade do emitente do título – 6. A interpretação sistemática da LUG permite inferir que, para a solução de questões relacionadas a defeitos supríveis ou requisitos não essenciais, o critério a ser adotado deve ser pautado pela busca da vontade presumida do emitente – 7. Dentre os elementos essenciais de uma operação de crédito inclui-se a concessão de um prazo para pagamento da obrigação, de modo que, por envolver operação dessa natureza, a emissão de uma nota promissória autoriza a presunção de que a efetiva vontade do emitente é a de que o vencimento ocorresse em data futura, após sua emissão – 8. Nesse cenário, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever, nessa hipótese, uma operação de crédito –, deve prevalecer a data posterior – Recurso Especial não provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1920311 – MG (2021/0033764-2)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : WELLINGTON FERNANDES DOS SANTOS

ADVOGADOS : RAFAEL VINICIUS NORMANDIA DA CRUZ – MG113937

JULIA CAROLINA NASCIMENTO E SILVA – MG167587

RECORRIDO : WALDEMAR GONCALVES FERREIRA

ADVOGADO : MAURICIO QUEIROZ DE MELO NETO – MG160792

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. EXECUÇÃO. TÍTULOS DE CRÉDITO. NOTAS PROMISSÓRIAS. DIVERGÊNCIA ENTRE AS DATAS DE VENCIMENTO APOSTAS NAS CÁRTULAS. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PREVALÊNCIA DA DATA DE PAGAMENTO POSTERIOR À DATA DE EMISSÃO. PRESUNÇÃO QUE DECORRE DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI UNIFORME DE GENEBRA. PRECEDENTE ESPECÍFICO DA TERCEIRA TURMA.

1. Ação ajuizada em 16/9/2016. Recurso especial interposto em 17/9/2020. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 18/2/2021.

2. O propósito recursal consiste em definir se a aposição de datas de vencimento divergentes em notas promissórias inquina os títulos de crédito de nulidade.

3. Embora a formalismo constitua princípio regulamentador dos títulos de crédito, pode a lei enumerar determinado requisito e, ainda assim, admitir a possibilidade de a cártula não o conter expressamente – ou de o conter de forma irregular, com a presença de vícios supríveis – sem que o título perca sua eficácia própria.

4. Um desses defeitos supríveis é o da divergência entre os valores da dívida inscritos no título, cuja solução prevista na Lei Uniforme de Genebra (art. 6º) é de fazer prevalecer a expressão grafada por extenso ou aquela de menor quantia, as quais, presumivelmente, correspondem à vontade do emitente da cártula.

5. A data de vencimento da dívida constitui requisito não essencial da nota promissória, pois, em virtude da ausência desse elemento, considera-se que o valor é exigível à vista, por se presumir ser essa a vontade do emitente do título.

6. A interpretação sistemática da LUG permite inferir que, para a solução de questões relacionadas a defeitos supríveis ou requisitos não essenciais, o critério a ser adotado deve ser pautado pela busca da vontade presumida do emitente.

7. Dentre os elementos essenciais de uma operação de crédito inclui-se a concessão de um prazo para pagamento da obrigação, de modo que, por envolver operação dessa natureza, a emissão de uma nota promissória autoriza a presunção de que a efetiva vontade do emitente é a de que o vencimento ocorresse em data futura, após sua emissão.

8. Nesse cenário, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever, nessa hipótese, uma operação de crédito –, deve prevalecer a data posterior.

RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 18 de maio de 2021.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto por WELLINGTON FERNANDES DOS SANTOS, fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Ação: embargos à execução de títulos extrajudiciais, opostos pelo recorrente em face de WALDEMAR GONÇALVES FERREIRA, nos quais se discute se a presença de datas de vencimento distintas nas notas promissórias (uma grafada em numeral e a outra por escrito) constitui circunstância apta a ensejar a nulidade dos títulos exequendos.

Sentença: rejeitou os embargos.

Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados.

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo recorrente, em razão dos fundamentos sintetizados na seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE DEVEDOR – AÇÃO EXECUTIVA – NOTA PROMISSÓRIA – DATA DE VENCIMENTO – NUMÉRICA E ESCRITA – DIVERGÊNCIA – MERO ERRO MATERIAL – LIQUIDEZ, CERTEZA EXIGIBILIDADE PRESERVADAS – NULIDADE – AUSÊNCIA.

– Conquanto a data de emissão da nota promissória seja requisito indispensável para a exigibilidade do título, conforme art.75 e 76 da Lei Uniforme de Genebra, a divergência apontada nos títulos revela mero erro material e não é capaz de afastar a força executiva das notas promissórias porquanto dotadas de certeza, liquidez e exigibilidade.

Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados.

Recurso especial: invoca dissídio jurisprudencial e alega violação do art. 55, parágrafo único, da Lei 2.044/1908, art. 33 do Decreto 57.663/66 e arts. 783 e 803, I, do CPC/15.

Aduz, em síntese, que a divergência entre as datas de vencimento constantes nas notas promissórias que aparelham a ação executiva revela vício apto a ensejar a decretação da nulidade dos títulos de crédito.

É o relatório.

VOTO

O propósito recursal consiste em definir se a aposição de datas de vencimento divergentes em notas promissórias inquina os títulos de crédito de nulidade.

1. ESCLARECIMENTO PRELIMINAR

A questão atinente às consequências jurídicas decorrentes do preenchimento equivocado da data de vencimento de notas promissórias foi enfrentada por este órgão colegiado por ocasião do julgamento do REsp 1.730.682 (DJe 11/5/2020). Todavia, diante da ausência de julgados da Quarta Turma que convirjam com o entendimento a seguir propugnado, faz-se necessário trazer novamente o tema para deliberação deste colegiado, na medida em que, inexistindo jurisprudência consolidada acerca da questão no âmbito da Segunda Seção, inviável o julgamento monocrático.

O entendimento a seguir, vale consignar, foi por mim externado, em sua essência, quando do julgamento do recurso especial retro identificado.

2. DO FORMALISMO CAMBIÁRIO E DA SANABILIDADE DE DEFEITOS NÃO ESSENCIAIS.

Como é cediço, o formalismo constitui fator preponderante para a existência dos títulos de crédito, de modo que, como regra, se faltar ao menos um dos requisitos que a lei considera essenciais, o documento não poderá desfrutar do tratamento especial a eles conferido.

É, pois, o rigor formal o pressuposto que garante segurança jurídica àqueles que se utilizam dos títulos de crédito como instrumento de circulação de riquezas.

Todavia, nem todos os requisitos definidos em lei são essenciais para que o documento ostente natureza de título de crédito, havendo situações em que se pode relevar a ausência de alguma informação ou suprir a presença de algum vício.

Em regra, esses requisitos não essenciais e/ou defeitos sanáveis contam com previsão no próprio texto legal, como ocorre, por exemplo, com as situações constantes nos arts. 6º e 76 da Lei Uniforme de Genebra (promulgada pelo Dec. 57.663/66), relativas à existência de divergência entre as expressões do valor da dívida e à ausência de indicação da data de vencimento.

A “promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada” é requisito da nota promissória, conforme elencado no art. 75, item 2, da lei retro citada; todavia, é possível sanar vício concernente ao preenchimento em duplicidade do valor da dívida sem que a cártula perca seus efeitos cambiais (art. 6º, primeira parte, da LUG).

O próprio diploma normativo estabelece solução objetiva para eventual ambiguidade do valor expresso no título, resolvendo, de antemão, qualquer dúvida que pudesse acometer os titulares a respeito da extensão do crédito nele contido, garantindo segurança à circulação da cártula.

A resposta adotada pelo legislador quanto a esse ponto específico foi a de que deveria prevalecer a expressão que indicasse com maior grau de certeza qual teria sido o conteúdo da obrigação segundo a manifestação de vontade do emitente. Elegeu, para esse fim, a indicação feita por extenso ou, na hipótese de diversas indicações discordantes, a de quantia inferior.

De fato, prevalece, especificamente quanto ao tema, o princípio de que “a soma escrita em letras oferece maior garantia de verdade, por se achar menos exposta a erro, adição ou falsidade do que a soma expressa em algarismos” (MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Vol. III, Tomo II, Campinas: Bookseller, 2003, p. 287, sem destaque no original).

Segundo consigna a doutrina, a finalidade dessa regra se encontra na intenção do legislador de “evitar que, saindo o título das mãos do seu criador (sacador), pudesse o beneficiário, ou terceiro adquirente, alterar o seu valor, acrescentando outras quantias, quer por extenso, quer em algarismo, para compelir o devedor a pagar soma superior àquela a que se obrigou” (ROSA JR., Luiz Emygdio. Títulos de crédito. 7ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 126, sem destaque no original).

O valor expresso em um determinado título de crédito, portanto, de acordo com essa orientação, pode ter sua extensão restringida, em caso de ambiguidade, àquele que mais garanta segurança ao emitente/devedor quanto a eventuais adições ou falsidades inscritas nas cártulas pelos beneficiários do título.

3. DA OMISSÃO NA INDICAÇÃO DA DATA DO VENCIMENTO.

A época do pagamento – ainda que seja enumerada como um dos requisitos da nota promissória, conforme estabelece a Lei Uniforme de Genebra, em seu art. 75, item 3 – não constitui elemento imprescindível para validade do título.

Segundo regra expressa do art. 76, segunda parte, da LUG, a omissão quanto à data de vencimento não retira a eficácia cambial da cártula, haja vista ser presumido que a intenção do emitente era de que o vencimento se desse à vista.

Cumpre mencionar que a essência do entendimento de que a ausência da data de vencimento acarreta a presunção de que a dívida é exigível à vista integra, também, a teoria geral das obrigações (art. 331 do Código Civil). De acordo com abalizada doutrina, “a ausência de termo interpreta-se como reserva, por parte do credor, da faculdade de exigir a prestação em qualquer momento” (TEPEDINO, Gustavo (et. al.). Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. I, 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 629, sem destaque no original).

De igual maneira, a regra de que, na omissão da cártula, o vencimento da dívida dar-se-á à vista, constante no art. 76, primeira parte, da LUG, “se justifica porque as demais modalidades de vencimento dependem de manifestação de vontade do sacador para a sua caracterização” (MARTINS, Fran. Títulos de Crédito, 17ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 142).

Trata-se, portanto, de presunção segundo a qual, na nota promissória, diante da não manifestação do emitente, deve-se assumir que sua vontade era e de submeter a exigibilidade da dívida à potestade do credor, já que essa é a regra dos negócios jurídicos em geral.

4. DOS VENCIMENTOS DIFERENTES E SUCESSIVOS E DO ART. 33 DA LEI UNIFORME DE GENEBRA.

Se, de um lado, o silêncio quanto à época do pagamento é suprível pela presunção legal de que a vontade do emitente era o vencimento à vista; de outro, sua manifestação expressa em sentido oposto aos limites formais da lei acarreta a perda da eficácia cambial do documento.

De fato, segundo a Lei Uniforme de Genebra, o sacador, respeitadas as modalidades preestabelecidas, tem a liberdade de fixar a data do vencimento do título, de forma que a nota promissória somente pode ser emitida: (i) à vista; (ii) a certo termo da vista; (iii) a certo termo da data; ou, ainda, (iv) em dia certo.

Assim, a liberdade do emitente na fixação das modalidades de vencimento é explicitamente restringida pela LUG, que, ao dispor serem nulas notas promissórias “com vencimentos diferentes ou com vencimentos sucessivos”, estabelece a regra da perda da eficácia da “cambial com qualquer outra modalidade de vencimento, que não uma das previstas no art. 33, alínea 1ª, assim como a cambial com vencimentos sucessivos, ou seja, a prestações” (BIMBATO, José Mario. Lei cambial comentada: Letra de câmbio e nota promissória. Barueri: Minha Editora, 2013, sem destaque no original).

A LUG repete, quanto ao tema, a disciplina do revogado Decreto 2.044/1908, no qual prevalecia que, “para estabelecer bases seguras a respeito do vencimento das letras de câmbio, a lei explica os quatro modos por que podem elas ser passadas”, e que, ademais, “a letra de câmbio pagável por prestação não corresponderia ao seu escopo e a sua função; incisa ficaria a soma e múltiplas as épocas do vencimento” (MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Vol. III, Tomo II, Campinas, Bookseller, 2003, p. 313-314, sem destaque no original).

O art. 33 da LUG retira, portanto, a eficácia cambial do documento em que a manifestação de vontade do devedor tenha sido exprimida fora dos limites de sua atuação lícita, ou seja, que estabeleça: (i) modalidades de pagamento distintas das previstas; ou (ii) vencimentos sucessivos, que são aqueles que representem pagamentos fracionados em prestações.

5. DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTS. 6º, 33, 75 E 76 DA LUG E DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

A Lei Uniforme de Genebra, considerando o panorama até aqui traçado, tratou expressamente de três alternativas decorrentes das atitudes do devedor/emitente quanto à época do pagamento: (i) se omite, o que acarreta a presunção legal de que o pagamento deve ser feito à vista ou a critério do credor, circunstância que não retira a eficácia do título de crédito (art. 76, primeira parte); (ii) manifesta vontade de fixar uma modalidade de vencimento dentre aquelas previstas no art. 33, o que garante a eficácia da cártula; ou (iii) escolhe modalidade de vencimento diversa, situação que implicará a invalidade da nota promissória.

O escopo buscado pela LUG, portanto, é o de preservar ao máximo a manifestação de vontade do emitente da cártula, ainda que essa vontade tenha sido expressa por meio do silêncio.

Esse é, também, o intuito da norma do art. 6º da LUG, que considerou que divergências na expressão do valor da dívida deveriam dar ensejo à preservação da vontade presumida do emitente da cártula, estabelecida pela lei como a expressão por extenso ou a menos valiosa.

Assim, embora a LUG não tenha enfrentado especificamente a hipótese de divergência entre datas de vencimento apostas na cártula, como ocorrido na espécie, afigura-se consentâneo com o espírito da lei considerar que se trata de defeito suprível – sobretudo porque a data de vencimento constitui requisito dispensável da nota promissória.

Vislumbrando-se, portanto, disparidade entre a expressão numérica e a grafia por extenso da data em que a dívida se torna exigível, a interpretação sistemática da Lei Uniforme autoriza que seja preservada a vontade presumida do emitente do título no momento de sua confecção.

6. DA VONTADE PRESUMIDA DO EMITENTE QUANTO AO VENCIMENTO.

A nota promissória consiste em título de crédito próprio, de modo que, como tal, se destina à concessão de um prazo para pagamento do valor nela estampado. A vontade presumida do emitente de um título dessa espécie, então, é que seu pagamento ocorra em data futura, não fazendo sentido lógico que a data de sua emissão coincida com a data do vencimento.

A doutrina ressalta que o tempo é elemento essencial do crédito: “o intervalo ou a distância de tempo entre a prestação e a contraprestação […] é o elemento essencial do crédito, traduz a manifestação da confiança, que lhe serve de base ou fundamento” (MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Op. cit., p. 67, sem destaque no original).

Portanto, se a LUG não possui regra expressa acerca da disparidade de expressões da data de vencimento da dívida constantes de um mesmo título, deve prevalecer a interpretação que empreste validade à manifestação de vontade cambial de uma promessa futura de pagamento, a qual, na nota promissória, envolve, necessariamente, a concessão de um prazo para a quitação da dívida.

De se destacar, na nota promissória, a necessidade de respeito à manifestação originária de vontade, pois “o emitente da nota promissória é quem cria o título […] e sendo assim é ele quem vai dispor sobre a modalidade de pagamento do título” (MARTINS, Fran. Op. cit., p. 280, sem destaque no original).

Diante disso, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever uma operação de crédito –, deve prevalecer a data posterior, uma vez que, por ser futura, autoriza a presunção de que se trata da efetiva manifestação de vontade do devedor.

7. DA HIPÓTESE DOS AUTOS.

No particular, o Tribunal de origem assentou as seguintes premissas fáticas:

(i) “as três notas promissórias que amparam a pretensão executiva possuem divergência entre a data de vencimento numérica e àquela escrita por extenso” (e-STJ fl. 201);

(ii) em todas as cártulas, a data de vencimento grafada em numerais coincide com a data de emissão dos títulos (e-STJ fl. 201/202);

(iii) nos três documentos, as únicas datas futuras são as que estão indicadas nos campos relativos às ordens de pagamento (e-STJ fl. 202).

Nesse contexto, transpondo-se o entendimento propugnado neste voto para a hipótese concreta, tem-se que a presunção que milita em favor do devedor é a de que sua vontade era adimplir as obrigações respectivas nas datas grafadas por extenso, uma vez que são as únicas datas futuras inscritas nos títulos.

O acórdão impugnado, portanto, não está a exigir reforma.

8. DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.

Por derradeiro, vale consignar que a presente irresignação não é admissível pela alínea “c” do permissivo constitucional, uma vez que, entre os acórdãos trazidos à colação, não foi feito o cotejo analítico nem foi comprovada a similitude fática entre as situações, elementos indispensáveis à demonstração da divergência.

Ademais, a comprovação do dissenso jurisprudencial exige o confronto entre acórdãos, motivo pelo qual é inadmissível que se invoque – conforme pretende o recorrente ao elencar como paradigma o REsp 1.850.998/RS – decisão unipessoal para essa finalidade.

9. CONCLUSÃO.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

Deixo de majorar os honorários advocatícios sucumbenciais em razão de já terem sido fixados em seu patamar máximo pelo juízo de origem (20% sobre o valor da causa). – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.920.311 – Minas Gerais – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 20.05.2021

Fonte: INR Publicações

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