CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Título notarial – Escritura de venda e compra Imóvel rural – Princípio da especialidade objetiva – Descrição tabular deficiente Imóvel que, embora ainda não esteja sujeito a georreferenciamento, vem descrito de modo absolutamente precário, sem nenhum ponto de amarração – Prédio que não pode ser considerado um corpo certo – Impossibilidade de aplicar-se o item 10.1.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ – Apelação a que se nega provimento, mantida a r. sentença.


  
 

Apelação Cível nº 1010738-19.2020.8.26.0361

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1010738-19.2020.8.26.0361
Comarca: MOGI DAS CRUZES

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1010738-19.2020.8.26.0361

Registro: 2021.0000380971

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010738-19.2020.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que é apelante COMERCIAL IBIAÇU DE EMPREENDIMENTOS LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES/SP.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 13 de maio de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1010738-19.2020.8.26.0361

Apelante: Comercial Ibiaçu de Empreendimentos Ltda

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi das Cruzes/SP

VOTO Nº 31.505

Registro de Imóveis – Dúvida – Título notarial – Escritura de venda e compra Imóvel rural – Princípio da especialidade objetiva – Descrição tabular deficiente Imóvel que, embora ainda não esteja sujeito a georreferenciamento, vem descrito de modo absolutamente precário, sem nenhum ponto de amarração – Prédio que não pode ser considerado um corpo certo – Impossibilidade de aplicar-se o item 10.1.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ – Apelação a que se nega provimento, mantida a r. sentença.

1. Trata-se de apelação (fl. 75/81) interposta por Comercial Ibiaçu de Empreendimentos Ltda. contra a r. sentença (fl. 67/68) proferida pelo MM. Juízo Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mogi das Cruzes, que julgou procedente a dúvida (fl. 01/09) e manteve a recusa (fl. 34/35) de registro stricto sensu de compra e venda (fl. 17/22) na matrícula nº 4.216 daquele cartório (fl. 49/52).

Segundo a r. sentença, ao objeto do pretendido registro faltam, no caso, dados de precisão acerca das características, confrontações, localização e área do imóvel: a descrição dada pela matrícula é precária, porque lhe falta a indicação de ângulos e medidas dos limites do prédio; desse modo, antes do registro se faz necessária a retificação do assento e, até lá, a pretendida inscrição não pode ser feita, o que leva à procedência da dúvida.

Em seu recurso, a apelante afirma que a r. sentença tem de ser reformada, porque, havendo identidade entre a descrição dada pela matrícula e aquela contida no título, o prédio está identificado como corpo certo e, portanto, não é necessário exigir-se prévia retificação. Além disso, nesta hipótese não houve alienação parcial nem incerteza sobre a identidade do objeto do negócio e o imóvel matriculado, de maneira que o registro pretendido não ofende o princípio da especialidade objetiva. Pede, assim, a recorrente, que seja reformado o r. decisum e, afastado o óbice, se lhe defira a lavratura do registro que pretende.

A ilustre Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 110/112).

A representação processual da apelante foi regularizada (fl. 98 e 13/16).

É o relatório.

2. A r. sentença tem de ser mantida, em que pese aos bons fundamentos da apelação.

A matrícula nº 4.216 (fl. 49/52) não descreve a contento o imóvel, ao trazer expressões imprecisas, a saber:

“UM TERRENO, com 7,26 ha, mais ou menos, […] com as seguintes confrontações: começa numa pedra que se acha na beira de um ribeirão, daí segue em rumo direito, dividindo com Augusto Antonio Rodrigues, até encontrar outra pedra, daí segue dividindo com Francisco Cardoso, até encontrar terras de Guilherme Pessolato; daí segue rumo direito até encontrar uma pedra e daí dividindo com Benedito Rodrigues, até a pedra, ponto de partida.”

Ou seja: a matrícula não atende com exatidão ao que dispõe a Lei nº 6.015/1973, art. 176, § 1º, II, 3, e §§ 3º-8º e 13, isto é, não dá fiel observância ao princípio da especialidade objetiva, de modo que existe, também, ofensa ao disposto na mesma Lei nº 6.015/1973, art. 225, § 2º: com efeito, o título causal (= a compra e venda documentada pela escritura pública copiada a fl. 17/22) tem por objeto um prédio (cf. fl. 18) que não é possível localizar, e isso impede a inscrição almejada.

Isso já está consolidado no item 10.1.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais NSCGJ (grifou-se):

“A descrição precária do imóvel rural, desde que identificável como corpo certo e localizávelnão impede o registro de sua alienação ou oneração, salvo quando sujeito ao georreferenciamento ou, ainda, quando a transmissão implique atos de parcelamento ou unificação, hipóteses em que será exigida sua prévia retificação.”

In casu, não se pode dizer que tenha mera “descrição precária”, mas possa ser identificado como “corpo certo”, um imóvel cujas confrontações não possuem nenhum ponto de amarração, ou, por outras palavras, cujas confrontações não é possível saber onde se iniciam (“começa numa pedra que se acha na beira de um ribeirão”) nem aonde vão chegar (“daí segue em rumo direito, dividindo com Augusto Antonio Rodrigues, até encontrar outra pedra, daí segue dividindo com Francisco Cardoso, até encontrar terras de Guilherme Pessolato; daí segue rumo direito até encontrar uma pedra e daí dividindo com Benedito Rodrigues, até a pedra, ponto de partida”).

Nesse sentido, há precedentes deste Conselho Superior da Magistratura, dentre os quais vale mencionar:

“Registro de imóveis – Dúvida – Imóvel rural – Não identificação como corpo certo – Descrição precária – Quebra do princípio da especialidade objetiva – Impossibilidade de registro de escritura pública de venda e compra – Recurso desprovido.” (CSMSP, Apelação Cível 0005085-94.2014.8.26.0189, Rel. Des. Elliot Akel, j. 7.10.2015, DJe 26.1.2016).

“Registro de Imóveis – Procedimento de dúvida – 1. Compromisso de venda e compra que se limitou a reproduzir a precária descrição do imóvel constante na matrícula – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – 2. Procuração hábil a alienar deve conter poderes, não só expressos, como também especiais – Inteligência do artigo 661, § 1º, do Código Civil em vigor – 3. Servidão – incerteza na sua localização – Desobediência ao princípio da especialidade objetiva – 4. Procedimento de dúvida julgado procedente, negando o registro – Recurso improvido.” (CSMSP, Apelação Cível 524-6/3, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j. 3.8/2006).

Finalmente, não favorece a apelante a alegação de que o imóvel ainda não esteja sujeito ao georreferenciamento, porque a área deste é inferior a 25 hectares e, assim, o prazo para tanto só se encerra em 20 de novembro de 2025 (inciso VII do art. 10 do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002), e o ato colimado não implica parcelamento ou unificação. É que, como dito, independentemente dessa providência, a descrição atual é de todo insuficiente, e não permite sequer a incidência do mencionado item 10.1.1 do Capítulo XX das NSCGJ.

Por conseguinte, é de recusar-se provimento à apelação para, mantendo o r. decisum e a objeção oposta pelo Oficial de Registro de Imóveis, indeferir o registro da venda e compra (Lei nº 6.015/1973, art. 167, I, 29) instrumentada pela escritura pública copiada a fl. 17/22 (prenotação 272344, do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Mogi das Cruzes).

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantendo-se a r. sentença, como lançada.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 10.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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