CSM/SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de compra e venda – Ausência de outorga uxória – Título qualificado negativamente – Vendedor casado sob o regime da comunhão universal de bens – Imóvel recebido em doação, com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Óbice mantido – Nega-se provimento ao recurso.


  
 

Apelação Cível nº 1001442-18.2020.8.26.0443

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001442-18.2020.8.26.0443

Comarca: PIEDADE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001442-18.2020.8.26.0443

Registro: 2021.0000430459

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001442-18.2020.8.26.0443, da Comarca de Piedade, em que é apelante NEUSA MARIA RODRIGUES DA COSTA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIEDADE.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 27 de maio de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001442-18.2020.8.26.0443

Apelante: Neusa Maria Rodrigues da Costa

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Piedade

VOTO Nº 31.516

Registro de Imóveis – Escritura pública de compra e venda – Ausência de outorga uxória – Título qualificado negativamente – Vendedor casado sob o regime da comunhão universal de bens – Imóvel recebido em doação, com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Óbice mantido – Nega-se provimento ao recurso.

1. Trata-se de apelação interposta por Neusa Maria Rodrigues da Costa contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente da Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Piedade/SP, objetivando o registro de escritura pública de compra e venda referente ao imóvel matriculado sob no 23.863 junto àquela serventia imobiliária (fl. 72/74).

A registradora emitiu nota de devolução, exigindo a outorga uxória de Regina Célia Santos Frederico Secol, casada com o vendedor do imóvel, José Secol Filho, nos termos dos arts. 1.647 e 1.648 do Código Civil (fl. 17/19).

Alega a apelante, em síntese, que a exigência formulada deve ser afastada, vez que o imóvel foi adquirido por meio de escritura pública de doação, com cláusula de incomunicabilidade. Nos termos do art. 1.668 do Código Civil, os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade são excluídos da comunhão, de modo que o óbice não se sustenta (fl. 78/84).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 105/108).

É o relatório.

2. Busca a apelante o registro da escritura pública de compra e venda lavrada perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Paruru, Ibiúna, São Paulo, Livro 76, páginas 381/384, outorgada por José Secol Filho em seu favor, discordando da necessidade de anuência da esposa do vendedor para aperfeiçoamento do negócio.

Da matrícula n.º 23.863 do Registro de Imóveis de Piedade/SP infere-se que, por meio de escritura lavrada em 12 de junho de 2015, o imóvel foi doado a José Secol Filho, casado sob o regime da comunhão universal de bens com Regina Célia Santos Frederico Secol. Da AV. 2/23.863 consta que a doação registrada sob o nº 1 da matrícula encontra-se gravada com cláusula de incomunicabilidade (fl. 35).

A pretensão da apelante esbarra na disposição trazida pelo art. 1.647, inciso I, do Código Civil, in verbis:

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III – prestar fiança ou aval;

IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.”

Daí decorre que, conquanto os bens gravados com cláusula de incomunicabilidade estejam excluídos da comunhão entre os cônjuges, nos termos do art. 1.668, inciso I, do Código Civil, faz-se necessária, à luz do art. 1.647, inciso I, supra referido, a outorga uxória para aperfeiçoar o negócio jurídico do vendedor.

A questão da incomunicabilidade do bem imóvel diz respeito exclusivamente à atribuição patrimonial entre os cônjuges no momento da extinção da sociedade conjugal, ou na fixação de responsabilidades patrimoniais de cada cônjuge por conta da administração de seus bens particulares na constância da sociedade conjugal (art. 1.665 do Código Civil).

Não tem por objeto o direito à livre disposição do bem durante o casamento, mas prevê apenas seu destino e atribuição em razão do fim da sociedade conjugal.

A necessidade da outorga uxória diz respeito às regras de tutela da entidade familiar, impedindo a realização de alienação de bens imóveis particulares por qualquer um dos cônjuges, salvo as exceções legais, sem que o cônjuge não proprietário concorde com o ato ou sua recusa seja formalmente suprida por decisão judicial.

Inexiste qualquer ressalva quanto à natureza do bem imóvel, se comum ou particular, caracterizando norma cogente, salvo exceções previstas expressamente na lei. A respeito:

“(…) O dispositivo em estudo não faz referência à natureza do patrimônio que necessite de anuência de ambos os cônjuges, para ser alienado ou gravado com ônus reais, sendo certo, portanto, que a imposição abrange, também, os bens particulares de cada cônjuge. (…)” (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência/Cláudio Luiz Bueno de Godoy …[et al.]; coordenação Cezar Peluso 14. Ed. Barueri [SP]: Manole, 2020, p. 1857).

A norma visa, em termos finais, a proteção da entidade familiar e seu patrimônio mínimo para fins de consecução de seus objetivos, colocando a norma tal entidade em local privilegiado em relação aos direitos particulares do cônjuge.

E assim porque, embora a pessoa casada possa, livremente, praticar os atos necessários à mantença do casal, alguns negócios jurídicos são tão relevantes para o patrimônio do casal e manutenção do núcleo familiar que, bem por isso, dependem da expressa anuência do outro cônjuge.

Destarte, independentemente da incomunicabilidade do bem, a anuência da cônjuge do alienante é requisito fundamental para a validade do ato, sem o que não se admite o ingresso do título no registro imobiliário. Nesse sentido, recente precedente deste Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de venda e compra – Ausência de outorga uxória – Óbice mantido – Comunhão universal de bens Imóvel doado com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1001438-78.2020.8.26.0443; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 15/04/2021; Data de Registro: 23/04/2021).

Acrescente-se que, se um dos cônjuges não quer ou não pode anuir à venda que o outro pretende realizar e para a qual a lei exige a vênia conjugal, permite o Código Civil, em seu art. 1.648, o suprimento judicial dessa concordância.

Nesse cenário, não há como se concluir pela superação do óbice apontado pela registradora.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 18.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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