2VRP/SP:  Tabelião de Notas. Registro Civil das Pessoas Naturais. Não há fundamentação legal para cancelamento do cartão junto da serventia , entendo que haja vista que o mesmo foi aberto pelo próprio signatário e seu cancelamento pode prejudicar terceiros que dependam de eventual reconhecimento de sua chancela, em documento regularmente assinado.


  
 

Processo 1039946-21.2021.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – S.L. – Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio VISTOS, Cuida-se de pedido de providências formulado pela Senhora S. L., que se insurge contra supostas irregularidades em atos de reconhecimento de firma de seu falecido esposo, J. A. P., perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais dos 34º e 46º Subdistrito desta Capital. Os atos combatidos encontram-se acostados às fls. 34 e 37. Entre a documentação carreada aos autos ainda verifica-se a juntada de laudo grafotécnico, realizado no bojo do IP de nº 431/2019, que confirma a falsidade das assinaturas questionadas em nome de J. A. P. (fls. 64/71). Manifestou-se o Senhor Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do 46º Subdistrito Vila Formosa, Capital (fls. 106/110, 129/131, 143/146 e 158/163). Sobreveio manifestação pelo Senhor Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do 34º Subdistrito Cerqueira Cesar, Capital (fls. 111/112). Adicionalmente, prestou esclarecimentos o Senhor Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do 26º Subdistrito Vila Prudente, Capital (fls. 132/133). A Senhora Representante tornou aos autos, às fls. 114/117, 134/135 e 147/150, para reiterar os termos de seu protesto inicial. O Ministério Público acompanhou o feito e pugnou, ao final, pelo arquivamento dos autos (fls. 166/168). É o relatório. Decido. Trata-se de representação formulada pela Senhora S. L. em face dos Senhores Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais dos 34º e 46º Subdistrito desta Capital. Em breve suma, insurge-se a Senhora Representante contra atos de reconhecimento da firma de seu falecido esposo, realizados perante as indicadas serventias, os quais reputa falsos, requerendo, assim, além das providências correicionais pertinentes, o bloqueio dos cartões de firma em nome de J. A. P.. Adicionalmente, verifica-se da documentação carreada aos autos a existência de ato de reconhecimento de firma, em nome de E. C., da lavra do Senhor Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 26º Subdistrito Vila Prudente, desta Capital. De início, o Senhor Titular do Subdistrito de Vila Formosa veio aos autos para informar que, de fato, o ato foi regularmente realizado perante sua serventia. Apontou que o signatário possui ficha de firma arquivada na serventia, de modo que a assinatura contida no cartão e aquela aposta no documento são deveras semelhantes, não se tratando de forja grosseira, o que de certo induziu o preposto da unidade em erro. No mesmo sentido, destacou o Senhor Registrador que não há qualquer vedação ao reconhecimento de firma em ato pretérito, observadas as normas e cautelas necessárias a sua prática. Ademais, destacou que nunca houve ocorrência assemelhada perante sua serventia, sendo que a orientação e a fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade são rotineiramente realizadas. Igualmente, afirmou o d. Titular que exerce rígido controle dos selos e papéis de segurança da unidade. Além disso, o próprio Oficial, juntamente com colaboradores do setor de firmas, já realizou curso de documentoscopia e grafotécnica. Com efeito, apontou que, após os fatos verificados nos presentes autos, estabeleceu sistema de dupla conferência de firmas, de modo a evitar a repetição de fatos assemelhados. Por fim, ressaltou que desde 05.09.2018 a serventia utiliza controle físico e informatizado dos selos e pode afirmar que a partir de 10.06.2019, nenhum ato de reconhecimento em nome de J. A. P. foi realizado junto de sua serventia. Noutro turno, o Senhor Oficial do Subdistrito de Cerqueira César, desta Capital, informou que o reconhecimento da firma de J. A. L., atribuído a sua serventia, é falso, visto que o signatário não possui cartão de firmas depositado no ofício. Ademais, o sinal público do escrevente, a etiqueta e o carimbo não conferem com os padrões adotados na serventia. De sua parte, o Senhor Titular do Subdistrito de Vila Prudente noticiou que o ato atribuído a sua unidade, qual seja, o reconhecimento de firma por semelhança em nome de E. C., foi realizado pela unidade, sendo válido, inclusive em conformidade aos dados do sistema informatizado do Cartório. O Ministério Público opinou pelo arquivamento dos autos, ante a ausência de indícios de descumprimento de dever funcional por parte das serventias correicionadas. Pois bem. Primeiramente, ressalto, por pertinente à matéria posta em análise, que o reconhecimento de firma por semelhança, conforme realizado sobre o ato pertencente ao Registro Civil das Pessoas Naturais do 46º Subdistrito Vila Formosa, Capital (bem como sobre o ato do 26º Subdistrito, cuja autenticidade, todavia, não restou contestada), não exige o comparecimento ou identificação pessoal do signatário quando este já possui cartão de firma válido depositado na unidade, conforme ocorreu no caso em questão. Nesse sentido, leciona Leonardo Brandelli [in: Teoria Geral do Direito Notarial. 4ª edição, Saraiva. Cap VI, item 8]: O reconhecimento de firma é o ato notarial mediante o qual o notário atesta, com fé pública, que determinada assinatura é de certa pessoa. O notário atesta a autoria da assinatura aposta em documento privado, com diferentes graus de eficácia, conforme a espécie de reconhecimento de firma. Firma, em direito notarial, é assinatura. No dizer de Cláudio Martins, é a assinatura usual de uma pessoa física ou jurídica. O reconhecimento de firma pode ser por autenticidade, quando o signatário assina na presença do tabelião, e este certifica que determinada pessoa, por ele identificada, foi quem assinou o documento. Neste reconhecimento de firma há a necessidade de que o signatário identifique-se ao tabelião, já que este certificará efetivamente a autoria da assinatura. No reconhecimento de firma por autenticidade há uma responsabilidade grande do tabelião em identificar o signatário, mediante documento hábil para tanto, e dar fé de que foi esta pessoa quem assinou o documento apresentado para reconhecimento. Geralmente, é a espécie de reconhecimento exigida no tráfico jurídico em documento de maior vulto econômico. O reconhecimento de firma pode ser ainda por semelhança, quando o tabelião atesta a similitude entre a assinatura aposta no documento apresentado e a aposta na ficha-padrão arquivada no tabelionato. Para que possa ser reconhecida uma firma por semelhança, mister se faz que o signatário tenha comparecido previamente ao tabelionato e aberto ficha-padrão contendo, dentre outros elementos, a sua assinatura, que será comparada com a assinatura aposta nos documentos, a qual se queira reconhecer. No reconhecimento por semelhança, ao contrário do que ocorre no por autenticidade, o notário não atestará que foi determinada pessoa quem assinou o documento, mas sim que a assinatura aposta no documento é semelhante à assinatura aposta na ficha-padrão arquivada no tabelionato. Se não houver similitude, o notário recusará o reconhecimento. Com efeito, firmes são os precedentes desta Corregedoria Permanente (a exemplo, processos nº 0014415-81.2021.8.26.0100, 1123125-81.2021.8.26.0100, 0000458-76.2021.8.26.0100, 0042081- 57.2020.8.26.0100), no sentido de que se houve o devido cumprimento das normas incidentes sobre a matéria e a assinatura reconhecida não se trata de forja grosseira, não há que se imputar responsabilidade ao Notário, que apenas cumpre seu mister de comparar as chancelas e certificar o fato. Por isso, no que tange ao pedido deduzido pela parte autora, referente ao cancelamento do cartão junto da serventia de Vila Formosa, entendo que não há fundamentação legal para tanto, haja vista que o mesmo foi aberto pelo próprio signatário e seu cancelamento pode prejudicar terceiros que dependam de eventual reconhecimento de sua chancela, em documento regularmente assinado. Não obstante, à vista de todo o narrado, reputo por bem determinar o bloqueio do referido cartão de assinaturas em nome de J. A. P., junto da serventia do 46º Subdistrito, de modo que eventuais reconhecimentos de firma somente possam ser realizados por meio de expressa autorização desta Corregedoria Permanente, haja vista que falecido o interessado. No mesmo sentido me manifesto em relação ao pedido de bloqueio de todas as fichas de firma (em abstrato) em nome de J. A. P.. Por certo, em que pese a relevância do argumento trazido pela Senhora Representante, a medida não comporta acolhimento, tendo em vista a inexistência de amparo legal ou normativo para se cancelar ou bloquear definitivamente cartão de assinaturas regularmente preenchido. Destaco, por oportuno, que o reconhecimento de firma e o zelo pelo cartão de assinaturas é típico exemplo da atividade certificadora do notário, sendo inserto na gama mais ampla de atribuições notariais relativas à conferência de segurança jurídica às partes e a terceiros. Não é outro, senão, o entendimento da E. Corregedoria Geral da Justiça: “E, de fato, para os atos civis em geral, o reconhecimento de firma por semelhança é o previsto em lei e mais utilizado, feito por comparação entre a assinatura constante no documento e as assinaturas da ficha de firma do interessado. Como estamos no campo administrativo, ligado à legalidade estrita, não há como se impor que todo e qualquer reconhecimento de firma do recorrente possua a certificação de que ele compareceu à serventia, foi identificado, e assinou o documento e o Livro de Termo de Comparecimento na presença do Tabelião ou escrevente. Por ausência de previsão legal, não é possível determinar ao Tabelião o cancelamento de cartões de firma, ou então que se abstenha de realizar o reconhecimento por semelhança em toda e qualquer hipótese.” (Recurso Administrativo nº 1078855- 40.2018.8.26.0100, j. 15/07/2019 grifo meu) Além de inexistir previsão legal ou normativa, que por si só já inviabilizaria o acolhimento do pleito nesta via administrativa, tem-se, ainda, conforme já destacado, a possibilidade concreta da ocorrência de prejuízo a terceiros, pois o interesse na prática do ato não pertence apenas a quem terá a assinatura reconhecida, mas também a todos com os quais o interessado negociou e que possuem instrumentos regularmente firmados. Bem assim, a despeito da fraude perpetrada em relação a unidade do Subdistrito de Vila Formosa, verifica-se que não há indícios convergindo no sentido de que a serventia extrajudicial concorreu diretamente para o ato vicioso engendrado, uma vez que a assinatura reconhecida não se cuida de forja grosseira ou simples adulteração de traços, sendo que sua falsidade foi somente constatada por meio de perícia grafotécnica. Noutra senda, no que tange ao falso ato atribuído à serventia do Subdistrito de Cerqueira César, verifica-se que não há indícios convergindo no sentido de que a unidade correicionada concorreu diretamente para o ato fraudulento engendrado, que foi efetuado por meio da montagem dos elementos que o formam. Por conseguinte, a hipótese dos autos não dá margem à adoção de providência censório-disciplinar em relação aos serviços correicionados, não se vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar. Outrossim, reputo conveniente a extração de peças de todo o expediente para encaminhamento à autoridade policial competente (IP. 431/2019 – 29DP), nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal. Oportunamente, determino o arquivamento dos autos. Ciência aos Senhores Titulares e ao Ministério Público. Encaminhe-se cópia desta decisão, bem como das principais peças dos autos (conforme relatório), à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício, para ciência e eventuais providências pertinentes. P.I.C. – ADV: CASSIA BIANCA LEBRÃO CAVALARI FERREIRA (OAB 146690/SP), HENRIQUE FELIPE FERREIRA (OAB 154275/SP) (DJe de 26.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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