1VRP/SP. Registro de Imóveis. Pacto de corvina. Herança de pessoa viva. Princípio da Fungibilidade.


  
 

Processo 1080578-89.2021.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 1080578-89.2021.8.26.0100
Processo 1080578-89.2021.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Izolda de Almeida dos Santos – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada e, em consequência, mantenho o óbice. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: ANTONIO CARLOS DE ALMEIDA CARDOSO (OAB 260084/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1080578-89.2021.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital – Sp
Requerido: Izolda de Almeida dos Santos
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Izolda de Almeida dos Santos, tendo em vista negativa de registro de carta de sentença extraída de ação de divórcio consensual (autos n. 0012024-39.2000.8.26.0009), que tem como objeto imóvel da matrícula n. 11.810 daquela serventia.
Informou o Oficial que a negativa é motivada pela existência de cláusula nula na partilha com indicação de usufruto: “… no caso de falecimento do DIVORCIANDO seu quinhão reverterá automaticamente a favor da divorcianda e caso venha a DIVORCIANDA a falecer, o quinhão pertencente a mesma, reverterá a favor do divorciando …”; que a cláusula é espécie de pacta corvina, vedada pelo art. 426 do Código Civil (na época do acordo era vedada pelo art. 1.089 do CC de 1916); que a transmissão da herança deveria ter ocorrido por testamento; que permitiu a cindibilidade para o registro tão somente da partilha e do usufruto, o que não foi aceito pela parte suscitada.
Vieram documentos às fls. 04/49.
Em manifestação dirigida ao Oficial (fls. 37/42), a parte suscitada, por meio de seu patrono, sustenta que o acordo dos divorciandos, consistente no usufruto do imóvel em favor da divorcianda, com acréscimo futuro da meação pelo cônjuge supérstite, foi devidamente homologado pelo juízo do divórcio, sem oposição do Ministério Público; que referida cláusula fundamenta-se no disposto no art. 1.178 do Código Civil de 1916 (art. 551 do atual); que não se trata de reversão, mas sim de doação conjuntiva do direito de acrescer; que se deve respeitar o princípio da autonomia da vontade. Desse modo, a carta de sentença deve ser registrada tal como extraída da ação de divórcio.
O Ministério Público opinou pela procedência, com manutenção dos óbices (fls. 54/57).
É o relatório.
Fundamento e decido.
No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.
De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real.
O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa de título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
Neste sentido, também a Apelação Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
E, ainda:
“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, não há dúvidas de que a mera existência de título proveniente de órgão jurisdicional não basta para autorizar automaticamente seu ingresso no registro tabular.
No caso específico, na ação de divórcio consensual movida pela parte suscitada e por seu ex-cônjuge (autos n. 0012024-39.2000.8.26.0009), estabeleceu-se a partilha do referido imóvel em partes iguais, com usufruto em favor da divorcianda, sendo que, no caso de falecimento de qualquer dos divorciandos, o quinhão a ele pertencente reverter-se-ia em favor do divorciando supérstite (fl. 09).
De fato, como salientado pelo Oficial e pelo Ministério Público, a cláusula em destaque é nula de pleno direito, pois contrária ao estabelecido no art. 1.089 do Código Civil vigente na época do acordo homologado (atual art. 426, sem qualquer modificação), que assim dispunha:
“Art. 1.089. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.
Ao contrário do que alegou a parte suscitada perante o Oficial, o convencionado entre os divorciandos não se fundou em direito legal de acrescer pelo cônjuge sobrevivo donatário, em consonância como o art. 551 do atual Código Civil, que assim dispõe:
“Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.
Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo”.
E isso por dois motivos simples: 1º) a cláusula considerada nula não tratou de doação, mas de verdadeira transmissão de herança de pessoa ainda viva; 2º) o acordo ocorreu em partilha decorrente de divórcio, pelo que deixou de existir qualquer direito de acrescer decorrente do casamento.
Portanto, a cláusula atacada realmente dispõe sobre transmissão de herança de pessoa viva.
Embora a qualificação registrária, a princípio, restrinja-se aos aspectos formais e extrínsecos do título, não há qualquer dúvida de que o exame da legalidade consiste também na aceitação para registro somente de título que estiver de acordo com a lei.
Nesse sentido, os ensinamentos de Afrânio de Carvalho e Pontes de Miranda (nossos destaques):
“É incontestável, portanto, que, por ser a nulidade um efeito que se produz ipso jure em decorrência apenas da existência do vício, o registrador ao examinar o título, em processo semelhante ao de jurisdição voluntária, deve levá-la em conta para opor a ‘dúvida’ tendente a vetar a inscrição requerida. A regra dominante nesse assunto, no nosso direito como em qualquer outro, é a de que o funcionário público deve negar sua colaboração em negócios manifestamente nulos, inclusive abster-se de fazer inscrições nos registros públicos” (AFRÂNIO DE CARVALHO, Registro de Imóveis, Rio de Janeiro: Forense, edição de 1977, páginas 256 a 257).
“Legalidade e validade são conceitos largos. A referência aos dois [reporta-se o autor ao Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939] não é escusada, porque o título pode ser válido e não ser legal o registo (e.g.: válido mas irregistrável no registo de imóveis). Desde logo afastemos as anulabilidades, porque essas dependem de sentença constitutiva negativa em ação própria, e não poderiam ser invocadas quaisquer anulabilidades ao oficial de registo, ou de ofício. (…) A dúvida do oficial do registo somente pode ser, portanto, quanto às nulidades: a) se o escrito está assinado por pessoa absolutamente incapaz; b) se ilícito ou impossível o seu objeto; c) se foi infringida regra cogente de forma; d) se foi preterida alguma solenidade que a lei considera essencial para a sua validade; e) se a lei diz que é nulo o ato ou lhe nega efeito (Código Civil, art. 145, I-V)” (PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, § 1233, n. 4).
Vale ressaltar que o Oficial permitiu a cisão do título para ingresso no fólio real, com o registro apenas da partilha e do usufruto, ignorando-se, portanto, a cláusula nula.
Porém, o registro não foi aceito pela parte suscitada.
Os elementos dos autos, portanto, demonstram que houve acerto na qualificação negativa do título em razão da existência de cláusula manifestamente nula.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada e, em consequência, mantenho o óbice.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.
P.R.I.C.
São Paulo, 20 de setembro de 2021.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juiz de Direito. (DJe de 22.09.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP. 

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.   

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