CSM/SP: Registro de Imóveis – Desapropriação Parcial de Área Rural – Aquisição Originária da Propriedade – Rodovia Em Área Rural – Prescindibilidade de georreferenciamento da área remanescente do imóvel objeto da desapropriação – Descrição da localização geodésica do imóvel desapropriado – Necessidade de certificação pelo INCRA – Cabimento do Registro no CAR – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1001645-69.2017.8.26.0415

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001645-69.2017.8.26.0415

Comarca: PALMITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001645-69.2017.8.26.0415

Registro: 2021.0000750799

ACÓRDÃO – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001645-69.2017.8.26.0415, da Comarca de Palmital, em que é apelante CONCESSIONARIA AUTO RAPOSO TAVARES S.A. (CART), é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PALMITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 14 de setembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001645-69.2017.8.26.0415

Apelante: Concessionaria Auto Raposo Tavares S.a. (cart)

Apelado: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Palmital

VOTO Nº 31.542

Registro de Imóveis – Desapropriação Parcial de Área Rural – Aquisição Originária da Propriedade – Rodovia Em Área Rural – Prescindibilidade de georreferenciamento da área remanescente do imóvel objeto da desapropriação – Descrição da localização geodésica do imóvel desapropriado – Necessidade de certificação pelo INCRA – Cabimento do Registro no CAR – Recurso não provido.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto pela Concessionária Auto Raposo Tavares S/A contra a r. sentença de fl. 150/153, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registros de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Palmital, mantendo a recusa ao ingresso de carta de adjudicação em razão da ausência de georreferenciamento, cadastro ambiental rural e planta e memorial descritivo georreferenciados, acompanhados de certificação do INCRA.

Aduz o apelante, em suma, cuidar-se de desapropriação de imóvel para fins de instalação de trecho de rodovia, forma originária de aquisição da propriedade, não cabendo as exigências efetuadas. Além disso, sustenta que o imóvel em questão perdeu o status de rural e a obrigatoriedade de apresentação do cadastro ambiental rural encontra-se suspensa (fl. 156/163).

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 197/201).

É o relatório.

2. A apelante, concessionária de serviço público, por sentença proferida em ação judicial, obteve a desapropriação, por utilidade pública, de parte ideal, correspondente a 2,93706595475%, do imóvel objeto da matrícula n.º 2.614 do Oficial de Registros de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Palmital.

Contudo, a carta de adjudicação expedida nos autos da ação de desapropriação (nº 0003081-85.2014.8.26.0415, da 1ª Vara da Comarca de Palmital/SP), apresentada a registro pela apelante, foi negativamente qualificada pela Sra. Oficial Registradora, que apresentou as seguintes exigências (fl. 08):

“I) CAR. Averbar o número do SICAR na matrícula, conforme disposto no Cap. XX, item 125.2 das NSCGJ – Prov 58/89 – Tomo II, mediante a apresentação do comprovante de inscrição no SICAR, mencionando a área total da matrícula.

II) PLANTA/MEMORIAL. Deverá ser apresentado, também, o memorial descritivo georreferenciado e a planta, contendo as coordenadas georreferenciadas, acompanhados da certificação do INCRA, de acordo como que estabelece o §3º do artigo 225 da Lei de Registros Públicos, c/c. §1º do artigo 9º, do Decreto n.º 4.449/02, que regulamentou a Lei n.º 10.267/01, documento pelo qual o INCRA certifica que este imovel não se sobrepõe a nenhum outro existente em seu cadastro, bem como a planta contendo as coordenadas georreferenciadas, devidamente certificada.

III) GEORREFERENCIAMENTO. Para o registro da desapropriação, por se tratar de aquisição originária, há necessidade de ser procedido o georreferenciamento do imóvel, nos termos do artigo 176, §§ 3º e 5º e 225 §3º, ambos da Lei n.º 6.015/73 (Lei de Registros Públicos); artigo 9º, §1º do Decreto n.º 4.449/02 e artigo 2º do Decreto n.º 5.570/05, que poderá ser feito judicial ou extrajudicialmente, por opção dos proprietários.”

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 119 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, vigente à época da qualificação (atual item 117).

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n.º 1001015-36.2019.8.26.0223).

Fixada, assim, esta premissa, indiscutível que a aquisição da propriedade imobiliária por meio da desapropriação judicial encerra forma originária.

E, a despeito de dito caráter originário, a partir da redação dos arts. 176, § 3º e 225, § 3º, da Lei n.º 6.015/73, infere-se que, na hipótese em que há destaque de parcela de imóvel rural, observados, por certo, os prazos constantes do art. 10 do Decreto nº 4.449/2002, existe a necessidade de regular apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado, contendo as coordenadas georreferenciadas, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

“Art. 176, § 3º – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.” (g.n.). “Art. 225, § 3º – Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.” Na expressão consagrada de Afrânio de Carvalho: “o requisito registral da especialidade do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro”[1]

No caso em tela foi realizado o georreferenciamento do imóvel desmembrado, objeto da desapropriação, consoante se observa do memorial descritivo de fl. 26 e 120/126, em que consta a precisa localização do bem conforme as coordenadas de seus vértices, como previsto na Lei de Registros Públicos, de modo que prescindível a apresentação de memorial descritivo georreferenciado da área remanescente do imóvel objeto da matrícula n.º 2.614.

É, nesta linha, o precedente deste C. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação Desapropriação Modo originário de aquisição da propriedade Ausência de transmissão onerosa Comprovação de pagamento de ITBI injustificável Dispensa da exibição de CNDs e declaração de ITR (item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ) Memorial descritivo lacunoso Laudo pericial incompleto Ofensa ao princípio da especialidade objetiva Desnecessidade da apuração da área rural remanescente e da prévia averbação da desapropriação nos registros anteriores Pertinência da exigência de certidões atualizadas das matrículas onde originalmente descrita a área rural desapropriada Recurso desprovido.” [2]

No tema, relevante também destacar trecho do voto exarado nos autos da Apelação nº 1000413-22.2017.8.26.0415 pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco:

“Em razão da transmissão da propriedade por meio de desapropriação, da interpretação teleológica efetuada, bem como o destaque de área menor, faço observação da necessidade do georreferenciamento apenas da área desapropriada sem necessidade de sua efetivação para fins de apuração do remanescente da matrícula da qual será destacada.”

Nesta ordem de ideias, no que tange à exigência de apresentação de planta e memorial descritivo georreferenciado, não há óbice ao pretendido registro.

De outra sorte, a necessidade de certificação pelo INCRA consta do art. 9º do Decreto nº 4.449/2002:

“Art.9º A identificação do imóvel rural, na forma do § 3o do art. 176 e do § 3o do art. 225 da Lei no 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.”

Não se olvida dos prazos de carência estabelecidos no já mencionado art. 10 de referido Decreto, que, na hipótese, ocorreria em vinte e dois anos.

“Art.10 – A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3° e 4º do art. 176 da Lei no 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9o, somente após transcorridos os seguintes prazo:

VII – vinte e dois anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares.”

Contudo, uma vez georreferenciada a descrição perimétrica do imóvel, como ocorre in casu, conquanto ainda não expirado o prazo de carência, afigura-se imprescindível a apresentação, no Registro de Imóveis competente, da certificação expedida pelo INCRA de que não há sobreposição com outro imóvel rural, a fim de se evitar o ingresso de identificação incompleta no fólio real.

Nestes moldes foi o parecer de lavra do então Juiz Auxiliar da Corregedoria Dr. José Antônio de Paula Santos Neto, nos autos do processo nº. 24066/2005, aprovado pelo à época Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale:

“Foi questionado, outrossim, se ‘aqueles que optarem pelo georreferenciamento já, deverão atender de imediato a certificação de que trata o § 1º do artigo 9º do Decreto 4.449/02, ou poderão fazê-lo dentro do prazo que for entendido como aplicável’. Obviamente, a providência deverá ser imediata. A obtenção do certificado de não sobreposição emitido pelo INCRA é parte integrante e relevante do sistema de individualização imobiliária disciplinado no dito decreto. Logo, não é de se admitir o ingresso, no fólio real, de identificação truncada; incompleta.

Nem parceladamente, a prestações. Configura a certificação verdadeiro requisito a ser observado.

Aliás, sua exigência é um dos aspectos essenciais do mapeamento cadastral que se almeja erigir.

Destarte, a bem da própria higidez do Registro Imobiliário, deverá ser desqualificado o ingresso da nova descrição quando o memorial não vier devidamente certificado. Do contrário, ferir-se-ia a lógica da estrutura concebida e se correria o risco, até, de permitir a vulneração da tábua por modificação aventureira das características da área rural, uma vez que sem a chancela de segurança do órgão oficial responsável. Além disso, a certificação diferida para o futuro poderia nunca chegar, criando-se perplexidade acerca do destino a ser dado àquela descrição precipitadamente abrigada.”

Não colhe, ademais, a alegação da apelante de que o imóvel telado perdeu o status de rural.

Com efeito, nos termos do artigo 53 da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.

Não há, contudo, nos autos demonstração de manifestação do INCRA e tampouco comprovação de aprovação por parte do Município da mudança de destinação do imóvel, de modo que não há como ser afastada a exigência.

Neste sentido já se manifestou, também, este Conselho Superior da Magistratura:

Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido” [3]

Finalmente, ainda que dispensada a reserva legal (§8º do art. 12 da Lei n.º 12.651/12), em virtude da área desapropriada encerrar imóvel rural para fins de registro imobiliário, compete exigir o Cadastro Ambiental Rural, nos termos do art. 29, da Lei n.º 12.651/12:

“Art. 29 – É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

(…)

§ 3º – A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais”.

Igualmente neste sentido é o entendimento deste Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis – Desapropriação – Parcial de Área Rural – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Modificação geodésica do imóvel – Cabimento do registro no CAR, nos termos do Código Florestal e das NSCGJ –  Recurso não provido.”4

Finalmente, relevante consignar que o prazo de prorrogação para inscrição no CAR Cadastro Ambiental Rural, promovido pela Lei nº 13.295/2016, estendendo-o até o final do ano de 2017, já expirou, diversamente do alegado pela apelante.

É, nesta linha, a redação do subitem 10.4. do Capítulo XX das NSCGJ:

1“A obrigatoriedade da averbação do número de inscrição do imóvel rural no CAR/SICAR, a ser realizada mediante provocação de qualquer pessoa, fica condicionada ao decurso do prazo estabelecido no § 3.º do art. 29 da Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012”.

3. Por todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

NOTAS:

[1] Registro de Imóveis, pág. 206.

[2] Apelação nº 0001857-17.2012.8.26.0146, Relator Pereira Calças, julgado em 20/05/2016.

[3] Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008. (DJe de 06.12.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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