Processual Civil – Embargos de Divergência no Recurso Especial – Submissão à regra prevista no Enunciado Administrativo 02/STJ – Discussão sobre a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa – Regime anterior à vigência da Lei 12.767/2012 – 1. A Segunda Turma/STJ tem reconhecido a possibilidade de protesto da CDA desde a entrada em vigor da Lei 9.492/97, entendendo que a Lei 12.767/2012 veio reforçar essa possibilidade, tratando-se de norma meramente interpretativa. Essa linha de entendimento coaduna-se com os fundamentos adotados pelo Ministro Relator do acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos (REsp 1686659/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 28/11/2018, DJe 11/03/2019) – 2. Considerando a necessidade de uniformização da jurisprudência deste Tribunal e de mantê-la estável, íntegra e coerente – conforme determina o art. 926 do CPC/2015 –, impõe-se a reforma do acórdão embargado, a fim de que seja reconhecida a legitimidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa – 3. Embargos de divergência providos.


  
 

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.109.579 – PR (2008/0281316-7)

RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

EMBARGANTE : MUNICIPIO DE LONDRINA

PROCURADORES : ANA LUCIA BOHMANN E OUTRO(S) – PR015953

FABIO CESAR TEIXEIRA E OUTRO(S) – PR037041

EMBARGADO : BANCO SUDAMERIS BRASIL SOCIEDADE ANONIMA

ADVOGADOS : GABRIELA SILVA DE LEMOS E OUTRO(S) – SP208452

PAULO CAMARGO TEDESCO E OUTRO(S) – SP234916

ARIANE COSTA GUIMARÃES E OUTRO(S) – DF029766

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 02/STJ. DISCUSSÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE PROTESTO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. REGIME ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 12.767/2012.

1. A Segunda Turma/STJ tem reconhecido a possibilidade de protesto da CDA desde a entrada em vigor da Lei 9.492/97, entendendo que a Lei 12.767/2012 veio reforçar essa possibilidade, tratando-se de norma meramente interpretativa. Essa linha de entendimento coaduna-se com os fundamentos adotados pelo Ministro Relator do acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos (REsp 1686659/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/11/2018, DJe 11/03/2019).

2. Considerando a necessidade de uniformização da jurisprudência deste Tribunal e de mantê-la estável, íntegra e coerente — conforme determina o art. 926 do CPC/2015 —, impõe-se a reforma do acórdão embargado, a fim de que seja reconhecida a legitimidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa.

3. Embargos de divergência providos.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:

“A Primeira Seção, por unanimidade, deu provimento aos embargos de divergência, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região), Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 27 de outubro de 2021.

MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):

Trata-se de embargos de divergência apresentados contra acórdão da Primeira Turma cuja ementa é a seguinte:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. DESNECESSIDADE. POSICIONAMENTO ASSENTADO EM AMBAS AS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. ACÓRDÃO PROLATADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 12.767/2012. APLICAÇÃO DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Ambas as Turmas componentes da Primeira Seção do STJ, ao realizarem interpretação do art. 1º da Lei nº 9.492/97, com redação anterior à alteração promovida pela Lei nº 12.767/2012, sedimentaram entendimento no sentido de ser desnecessário o protesto prévio da CDA, por se tratar de título detentor de presunção de liquidez e certeza, servindo tão-somente para aparelhar a execução fiscal, nos termos do art. 38 do CTN.

2. O acórdão recorrido foi prolatado antes da vigência da Lei nº 12.767/2012, pela qual se incluiu parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 9.492/97, admitindo a possibilidade do protesto de certidões de dívida ativa. Assim, seja ante a ausência do indispensável requisito do prequestionamento, seja em respeito à segurança jurídica, considerando a remansosa jurisprudência do STJ sobre o tema à época do julgamento, inviável a aplicação do novel regramento à hipótese dos autos.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

O embargante alega a existência de dissídio com o seguinte aresto paradigma:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O “II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO”. SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/1980.

2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas “entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”.

3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão.

4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer “títulos ou documentos de dívida”. Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais.

5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805/RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado.

6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública.

7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e da imparcialidade.

8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito.

9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.

10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o “Auto de Lançamento”, esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo.

11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.).

12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve “surpresa” ou “abuso de poder” na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio.

13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.

14. A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o “II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a “revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo”.

15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares.

16. A interpretação contextualizada da Lei 9.492/1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação – naturalmente adaptada às peculiaridades existentes – de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços).

17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ.

(REsp 1126515/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013)

Sustenta, em suma, que:

A questão jurídica centra-se, unicamente, na possibilidade de protesto de CDAs antes da vigência da Lei 12.767/2012, partindo-se, pois de uma mesma base empírico-fática ambas as decisões.

Para a decisão recorrida, apenas após a vigência da Lei 12.767/2012, que incluiu o parágrafo único ao art. 1º da Lei 9.492/1997, é que tal forma de cobrança extrajudicial das CDAs se tornou possível ao Poder Público, sendo que, em nome da segurança jurídica, autorizar-se o protesto antes de tal vigência contrariaria o entendimento até então consolidado da jurisprudência deste E. STJ.

Por seu turno, a decisão divergente proclama, textualmente, que ali se está a superar a jurisprudência até então vigente nesta Corte da Cidadania, ao entender-se autorizado o protesto de CDAs no regime da Lei 9.492/1997, ou, sob outra forma, antes mesmo da vigência da Lei 12.767/2012.

(…) Com base em todas as características da atual regulamentação do ato notarial de protesto, Excelência, é possível vislumbrar, desde já, a completa possibilidade ontológica de realização do protesto de CDAs! E isto afirmamos ainda sem levar em conta a recente modificação da Lei Federal n. 9.492/97, realizada pela Lei Federal n. 12.767/2012, de que trataremos mais especificamente no tópico seguinte.

A Lei 9.492/97 permitiu o protesto de outros títulos, além daqueles de natureza cambial, como anteriormente se previa, de modo a não restarem dúvidas que a CDA, como título executivo extrajudicial, é documento hábil a ser levado a protesto. Portanto, falece de presunção de veracidade o argumento apresentado pela parte adversa, de modo a importar na improcedência da lide.

Ab initio, verifica-se que referida lei federal, em sua redação original, não excepcionou ou proibiu o protesto de CDAs; pelo contrário, ao mencionar que são protestáveis “títulos e outros documentos de dívida”, incluiu, neste novo universo, os créditos públicos. inscritos ou não em Dívida Ativa.

Em razão da ampliação do universo de obrigações passíveis de ser protestadas, a Administração Pública está autorizada a requerer o registro do protesto de seus créditos – sejam os de natureza civil, tributária, sejam os decorrentes de aplicação de multas em razão da prática de ato contrário à sua legislação – desde que materializados em títulos ou qualquer outro documento de dívida.

Legítimo é o interesse da Administração em que o descumprimento da obrigação de pagar seus créditos se torne público, assim como ocorria nas relações comerciais e, hoje, nas obrigações de qualquer natureza.

Requer sejam providos os embargos.

O recurso foi admitido pela decisão de fls. 395/398.

O embargado pugna pelo não provimento do recurso, argumentando que:

Assim, de todos os ângulos que se enxergue a questão, é evidente a inadmissibilidade dos presentes Embargos de Divergência, uma vez que ambas as Turmas de Direito Público já consolidaram o entendimento no sentido da impossibilidade do protesto da CDA nos casos anteriores à vigência da Lei 12.767/2012.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):

A pretensão recursal merece acolhimento.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o presente recurso submete-se à regra prevista no Enunciado Administrativo n. 2, in verbis“Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”.

Em sede de acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos (REsp 1686659/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/11/2018, DJe 11/03/2019), a Primeira Seção/STJ pacificou entendimento no sentido de que a Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997, com a redação dada pela Lei n. 12.767/2012 (Informativo 643/STJ).

Registro que, no caso, o protesto da CDA ocorreu antes da vigência da Lei 12.767/2012 (como bem observado no acórdão embargado), razão pela qual não se aplica a tese jurídica acima mencionada.

Não obstante, em reiterados julgados, a Segunda Turma/STJ tem entendido que:

A jurisprudência da Segunda Turma do STJ, revisando entendimento anterior, concluiu pela legalidade do protesto da CDA desde a entrada em vigor da Lei 9.494/1997, o que veio a ser reforçado após a modificação promovida pela Lei 12.767/2012.

(REsp 1691989/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/11/2017, DJe 19/12/2017)

A orientação da Segunda Turma deste Tribunal Superior é no sentido de admitir o protesto da CDA, mesmo para os casos em que o crédito foi inscrito em Dívida Ativa em período anterior à inserção do parágrafo único do art. 1º da Lei n. 9.492/1997, levada a efeito pela Lei n. 12.737/2012, tendo em vista o caráter meramente interpretativo da novel legislação. Precedente: REsp 1.126.515/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/12/2013, DJe 16/12/2013.

(REsp 1596379/PR, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 14/06/2016)

Em suma, a Segunda Turma/STJ tem reconhecido a possibilidade de protesto da CDA desde a entrada em vigor da Lei 9.492/97, entendendo que a Lei 12.767/2012 veio reforçar essa possibilidade, tratando-se de norma meramente interpretativa. Essa linha de entendimento coaduna-se com os fundamentos adotados pelo Ministro Relator do acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos (REsp 1.686.659/SP).

Peço venia para transcrever o seguinte excerto extraído do voto proferido pelo Ministro Herman Benjamin, no acórdão relativo ao REsp 1.686.659/SP:

(…)

A norma acima, já em sua redação original (ou seja, aquela contida na data de entrada em vigor da Lei 9.492/1997) rompeu com antiga tradição existente no ordenamento jurídico, consistente em atrelar o protesto exclusivamente aos títulos de natureza cambial (cheques, duplicatas, etc.).

O uso dos termos “títulos” e “outros documentos de dívida” possui, claramente, concepção muito mais ampla que a relacionada apenas aos de natureza cambiária. Como se sabe, até atos judiciais (sentenças transitadas em julgado em Ações de Alimentos ou em processos que tramitaram na Justiça do Trabalho) podem ser levados a protesto, embora evidentemente nada tenham de cambial.

(…) Não bastasse isso, o protesto, além de representar instrumento para constituir em mora e/ou comprovar a inadimplência do devedor, é meio alternativo para o cumprimento da obrigação.

Com efeito, o art. 19 da Lei 9.492/1997 expressamente dispõe a respeito do pagamento extrajudicial dos títulos ou documentos de dívida (isto é, estranhos aos títulos meramente cambiais) levados a protesto.

(…) Sob essa ótica, não considero legítima qualquer manifestação do Poder Judiciário tendente a suprimir a adoção de meio extrajudicial para cobrança dos créditos públicos (como se dá com o protesto da CDA, no contexto acima definido). Acrescento, no ponto, que a circunstância de a Lei 6.830/1980 disciplinar a cobrança judicial da dívida ativa dos entes públicos não deve ser interpretada como uma espécie de “princípio da inafastabilidade da jurisdição às avessas“, ou seja, engessar a atividade de recuperação dos créditos públicos, vedando aos entes públicos o recurso a instrumentos alternativos (evidentemente, respeitada a inafastável observância ao princípio da legalidade) e lhes conferindo apenas a via judicial – a qual, como se sabe, ainda luta para tornar-se socialmente reconhecida como instrumento célere e eficaz.

A verificação quanto à utilidade ou necessidade do protesto da CDA, como política pública para a recuperação extrajudicial de crédito, cabe com exclusividade à Administração Pública. Ao Poder Judiciário só é reservada a análise da sua conformação (ou seja, da via eleita) ao ordenamento jurídico. Dito de outro modo, compete ao Estado decidir se quer protestar a CDA; ao Judiciário caberá examinar a possibilidade de tal pretensão, quanto aos aspectos constitucionais e legais.

Ao dizer ser prescindível o protesto da CDA, sob o fundamento de que a lei prevê a utilização da Execução Fiscal, o Poder Judiciário rompe não somente com o princípio da autonomia dos poderes (art. 2º da CF/1988), como também com o princípio da imparcialidade, dado que, reitero, a ele institucionalmente não compete qualificar as políticas públicas como necessárias ou desnecessárias.

Reitere-se, assim, que o protesto pode ser utilizado como meio alternativo, extrajudicial, para a recuperação do crédito.

Considerando a necessidade de uniformização da jurisprudência deste Tribunal e de mantê-la estável, íntegra e coerente — conforme determina o art. 926 do CPC/2015 —, impõe-se a reforma do acórdão embargado, a fim de que seja restabelecido o acórdão proferido pelo Tribunal de segundo grau (inclusive no que se refere aos ônus sucumbenciais), reconhecendo-se a legitimidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa.

Diante do exposto, dou provimento aos embargos de divergência, nos termos da fundamentação.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – Embargos de Divergência em REsp nº 1.109.579 – Paraná – 1ª Seção – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 04.11.2021

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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