CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Arrematação – Indisponibilidades – Depois do registro da arrematação em execução forçada, as indisponibilidades anteriores perdem a sua eficácia e não impedem que o arrematante, aliene o imóvel a terceiros voluntariamente, haja ou não cancelamento expresso (“direto”) delas – Apelação a que se dá provimento, afastado o óbice registral e reformada a sentença.


  
 

Apelação Cível nº 1003570-53.2020.8.26.0526

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1003570-53.2020.8.26.0526

Comarca: SALTO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1003570-53.2020.8.26.0526,

Registro: 2021.0000918294

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003570-53.2020.8.26.0526, da Comarca de Salto, em que é apelante ABC DIESEL COMÉRCIO DE AUTO PEÇAS LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SALTO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 3 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1003570-53.2020.8.26.0526

Recorrente: Abc Diesel Comércio de Auto Peças Ltda

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Salto

VOTO Nº 31.629

Registro de Imóveis – Dúvida – Arrematação – Indisponibilidades – Depois do registro da arrematação em execução forçada, as indisponibilidades anteriores perdem a sua eficácia e não impedem que o arrematante, aliene o imóvel a terceiros voluntariamente, haja ou não cancelamento expresso (“direto”) delas – Apelação a que se dá provimento, afastado o óbice registral e reformada a sentença.

1. Trata-se de apelação (fl. 2.281/2.293) interposta por ABC Diesel Comércio de Auto Peças Ltda. contra a r. sentença (fl. 2.274/2.276) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Salto, que julgou procedente a dúvida (fl. 01/09) e manteve óbice ao registro stricto sensu de um compromisso de compra e venda, trazido por instrumento particular (fl. 25/33) e concernente ao imóvel da matrícula n. 12.858, daquele cartório (fl. 16/24).

Segundo a r. sentença (fl. 2.274/2.276), na dita matrícula n. 12.858 constam várias averbações de indisponibilidade. Enquanto perdurarem, as alienações voluntárias, como a pretendida no caso, não são permitidas. Além disso, o interessado deve buscar o levantamento dessas restrições junto às autoridades que as impuseram, sem que possa o juízo corregedor permanente interferir no que foi decretado alhures. Assim, tem lugar o óbice apontado pelo Oficial de Registro de Imóveis.

A apelante alega (fl. 2.281/2.293), em síntese, que arrematou o domínio sobre o imóvel da mencionada matrícula n. 12.858, e fez proceder ao registro desse título. Ato contínuo, a apelante prometeu o imóvel à venda, mas o registro desse compromisso adiou-se enquanto não se cancelassem as constrições pendentes, entendimento esse que também foi adotado pela r. sentença, o que não está certo, uma vez que, por cancelamento indireto, perdem eficácia as indisponibilidades anteriores à alienação em execução forçada, de maneira que o adquirente (aqui, o arrematante) pode alienar o bem voluntariamente. Não fosse assim, as relações jurídicas pessoais do antigo titular seriam como que transferidas ao adquirente em alienação forçada, e isso não é admissível. O entendimento do Oficial, assim, viola o direito de propriedade e de livre disposição dos bens, e acarreta injusta e ilegal restrição à circulação dos bens. Em razão de tudo isso, deve ser reformada a r. sentença, com o afastamento da exigência posta pelo Oficial de Registro de Imóveis.

A ilustre Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 2.354/2.356).

É o relatório.

2. A r. sentença tem de ser reformada, em que pese aos seus fundamentos, aos termos da recusa do Oficial de Registro de Imóveis e ao parecer da DD. Procuradoria de Justiça.

É que, como este Conselho Superior da Magistratura vem reconhecendo desde 2017, depois do registro de alienação em execução forçada (arrematação, adjudicação, remição e alienação por iniciativa particular), as indisponibilidades anteriores ficam indiretamente canceladas, e não impedem que o relativo adquirente (arrematante, adjudicante, remitente e comprador), depois do registro de sua aquisição, possa dispor voluntariamente do bem.

Confira-se:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Averbação de indisponibilidade que não impede a alienação forçada. Ocorrida a alienação, há cancelamento indireto das penhoras, que geraram a indisponibilidade

O cancelamento direto não é condição necessária à posterior alienação voluntária Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada Recurso provido.” (Apel. Cív. n. 0019371-42.2013.8.26.0309, j. 14.3.2017, DJe 26.7.2017)

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Penhoras e decretos de indisponibilidade que não impedem a alienação forçada. Ocorrida a alienação forçada, há, por via indireta, imediato cancelamento das penhoras e indisponibilidades pretéritas. Cancelamento direto que não é condição necessária à posterior alienação voluntária. Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada. Recurso desprovido.” (Apel. Cív. n. 100157093.2016.8.26.0664, j. 19.12.2017, DJe 7.5.2018)

“DÚVIDA DE REGISTRO. ARREMATAÇÃO. CANCELAMENTO INDIRETO DAS INDISPONIBILIDADES. MODO DE PRIVILEGIAR A FACILITAÇÃO DO TRÁFEGO JURÍDICO. PRECEDENTES. 1. Depois da arrematação do imóvel em execução forçada, as indisponibilidades anteriores à hasta perdem a sua eficácia e, portanto, não impedem que o arrematante, voluntariamente, aliene o imóvel a terceiros, haja ou não seu cancelamento expresso (“direto”). 2. Esse modo de decidir, afinal, resguarda o interesse dos beneficiários da indisponibilidade (que poderão satisfazer-se à custa do produto da arrematação), também traz facilidade o tráfego jurídico e aumenta a confiança do público na alienação feita em leilão público. 3. Improcedência da dúvida.” (Apel. Cív. n. 1004286-19.2016.8.26.0236, j. 28.5.2019, DJe 27.6.2019).

Note-se que o precedente referido na nota devolutiva (fl. 06/07) isto é, aquele trazido pela Apelação Cível n. 1014772-77.2019.8.26.0068, deste Conselho (j. 5.6.2020, DJe 19.8.2020) cuida de uma hipótese diferente: com efeito, não se trata, ali, de alienação em execução forçada, mas de adjudicação compulsória, na qual o juízo supriu a outorga de escritura pública, para cumprimento de compromisso de compra e venda. Nesse contexto, é certo que as indisponibilidades subsistem e produzem seus efeitos, impedindo registros e averbações de transferências e onerações por atos entre particulares. No caso destes autos, entretanto, cuida-se, como se viu, de espécie distinta, ou seja, da alienação voluntária depois (frise-se) do registro stricto sensu de uma transmissão coativa (cf. o R. 21 da matrícula n. 12.858, a fl. 23). Logo, o que ficou decidido na Apel. Cív. n. 1014772-77.2019.8.26.0068 não se aplica à situação ora discutida, nem implica alteração do entendimento que este Conselho já adotara nas Apelações Cíveis n. 0019371-42.2013.8.26.0309, 100157093.2016.8.26.0664 e 1004286-19.2016.8.26.0236, antes mencionadas.

Tampouco se nega, como está na Apel. Cív. n. 0006500-59.2019.8.26.0344 (fl. 07/08), que o cancelamento direto deva ser buscado perante a autoridade judicial ou administrativa que proferiu a decisão de indisponibilidade, e nesse sentido é que se deve compreender a cláusula segundo a qual (fl. 08 in fine) “o registro da aquisição da propriedade pelo arrematante não é causa automática de cessação da indisponibilidade que já existia em relação ao antigo proprietário”, quer dizer: o registro stricto sensu da arrematação (ou de qualquer outro título oriundo de alienação coativa) não implica o cancelamento, por averbação, das indisponibilidades e outras constrições anteriores, mas somente o cancelamento indireto (ou seja, supressão de eficácia, sem eliminação do assento), de modo que o cancelamento direto tem de ser buscado pelo interessado, como explicado, perante a autoridade competente.

Em suma, o óbice deve ser afastado, para que se proceda ao registro stricto sensu do compromisso de compra e venda, como foi rogado.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para reformar a r. sentença e afastar o óbice, deferindo o registro stricto sensu pretendido.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 26.01.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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