1VRP/SP: Registro de Imóveis. Como houve declaração negocial de enquadramento do financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com respeito às suas regras, não se justificam as exigências de reconhecimento das firmas dos participantes do negócio (artigo 221, II, da Lei n.6.015/73, e artigo 61, §5º, da Lei n.4.380/64).


  
 

Processo 1004966-14.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Felipe Faria da Silva – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para afastar os óbices registrários. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: FELIPE FARIA DA SILVA (OAB 330907/SP)

Íntegra da decisão:

Processo Digital nº: 1004966-14.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Requerido: Felipe Faria da Silva e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Felipe Faria da Silva e de sua esposa, Michele Nadur Brum, tendo em vista negativa em se proceder ao registro de instrumento particular de compra e venda com garantia de alienação fiduciária envolvendo o imóvel descrito na matrícula n.89.253 daquela serventia (prenotação n.592047).

O Oficial esclareceu que a recusa foi motivada pela necessidade de reconhecimento da firma de todas as partes envolvidas e de depósito integral dos emolumentos, uma vez que o negócio foi celebrado no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI (os recursos utilizados para o financiamento são oriundos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo-SBPE); que o banco interveniente só atua como agente do Sistema Financeiro da Habitação; que deve prevalecer o valor do negócio, pelo que ultrapassado o limite de avaliação do imóvel no âmbito do SFH (R$1.500.000,00).

Documentos vieram às fls.03/50.

Após produzir suas razões perante a serventia extrajudicial (fls. fls.07/14), a parte suscitada apresentou impugnação às 51/62, alegando que o negócio previu que a instituição financeira age na qualidade de agente financeiro integrante do Sistema Financeiro da Habitação e que o financiamento foi enquadrado no âmbito do referido sistema; que deve prevalecer o valor da avaliação do bem realizado pela instituição financeira (R$1.498.000,00), haja vista que o valor global da venda não reflete o valor pago pelo imóvel, já que incluída comissão de corretagem no montante de R$70.000,00; que a cláusula 45 do contrato, referindo-se à Lei n.9.514/97, não desnaturou seu enquadramento, uma vez que referida norma não trata somente do SFI, mas também da alienação fiduciária de coisa imóvel; que o contrato de alienação fiduciária não é privativo das entidades que operam no Sistema de Financiamento Imobiliário; que o Sistema Financeiro da Habitação é financiado com recurso do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo-SBPE conforme preveem os artigos 12, 16 e 15 da Resolução n.4.676/2018 do CMN, pelo que não seria devido o reconhecimento das firmas dos participantes do negócio nem recolhimento integral dos emolumentos (redução em 50% nos termos do artigo 290 da Lei n.6.015/73).

Documentos vieram às fls.64/97.

O Ministério Público opinou pelo afastamento dos óbices (fls.101/102).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

Conforme previsto no contrato de venda e compra de bem imóvel e financiamento com garantia de alienação fiduciária, a instituição financeira Itaú Unibanco S/A figurou como credora na qualidade de agente integrante do Sistema Financeiro da Habitação (fl.18).

O negócio previu, ainda, o enquadramento do financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (item 11 – fl.20), ainda que tenha estabelecido o valor de venda do imóvel em R$1.570.000,00 (item 2, fl.19), em aparente superação do limite normativo a inviabilizar enquadramento no âmbito do SFH (R$1.500.000,00).

Ocorre que, para efeito do referido enquadramento, deve ser considerado o valor da avaliação do imóvel (R$1.498.000,00 – item 13, fl.20), conforme prevê o artigo 13, inciso I, da Resolução CMN n.4.676/2018 do Banco Central do Brasil:

“As operações no âmbito do SFH devem observar as seguintes condições específicas:

I – limite máximo do valor de avaliação do imóvel financiado de

R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais)”.

Há que se ressaltar que, embora a promessa de compra e venda realizada entre os contratantes tenha estabelecido quitação total do valor de R$1.570.000,00, houve esclarecimento sobre o pagamento da quantia de R$70.000,00 pela intermediação do negócio (cláusulas 3.1 e 10.1 – fls.91 e 93), o que evidencia que o valor real do imóvel, R$1.498.000,00 não ultrapassou o limite normativo.

Assim, plenamente possível o enquadramento do financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação.

No que toca à alteração contratual prevista no item 45 do instrumento particular, fl.34, embora tenha se referido à Lei n.9.514/97, que cuida do Sistema de Financiamento Imobiliário-SFI, resta claro que não pretendeu alterar a natureza da operação, mas apenas conferir nova redação ao preâmbulo, a fim de constar: “Pelo Instrumento Particular, com força de escritura pública – Alienação Fiduciária de Imóvel em Garantia Lei nº 9.514 de 20/11/1997”.

Assim, temos que referida cláusula somente pretendeu indicar a legislação aplicável em face da alienação fiduciária do imóvel, sem modificar o enquadramento do financiamento previsto contratualmente de forma expressa.

De igual forma, a previsão negocial de que “os recursos utilizados para a concessão do presente financiamento são originários do SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, concedido à taxa de mercado” (alínea a, item 45, fl.34), não altera a natureza do financiamento previsto, uma vez que também podem se destinar ao financiamento de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação.

É o que prevê a Resolução CMN n.4.676/2018 do Banco Central do Brasil:

“Art. 12. São operações no âmbito do SFH os financiamentos referidos nos incisos I a V do caput do art. 16, contratados pelas instituições de que trata o art. 3º, que observem os critérios de concessão e as condições gerais e específicas estabelecidos neste Capítulo e na legislação em vigor.

(…)

Art. 15. Os recursos captados em depósitos de poupança pelas entidades integrantes do SBPE devem ser aplicados de acordo com os seguintes percentuais: I – 65% (sessenta e cinco por cento), no mínimo, em operações de financiamento imobiliário, dos quais: a) 80% (oitenta por cento), no mínimo, nas operações de que trata o art. 16;

(…)

Art. 16. Para fins do atendimento da exigibilidade estabelecida no art. 15, inciso I, alínea “a”, podem ser computadas as seguintes operações:

I – os financiamentos para aquisição de imóveis residenciais, novos, usados ou em construção; II – os financiamentos a pessoas naturais para construção de imóvel residencial, podendo incluir a aquisição do terreno; III – os financiamentos para reforma ou ampliação de imóveis residenciais; IV – os financiamentos para produção de imóveis residenciais; V – os financiamentos para aquisição de material para a construção, ampliação ou reforma de imóvel residencial em lote de propriedade do pretendente ao financiamento ou cuja posse regularizada seja por este detida”.

Assim, como houve declaração negocial de enquadramento do financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, com respeito às suas regras, não se justificam as exigências de reconhecimento das firmas dos participantes do negócio (artigo 221, II, da Lei n.6.015/73, e artigo 61, §5º, da Lei n.4.380/64), e de complemento de emolumentos: à primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, deve ser aplicada a redução de 50% (artigo 290 da Lei n.6.015/73).

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para afastar os óbices registrários.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 01 de fevereiro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 04.02.2022 – SP).

Fonte: DJe/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.