1VRP/SP: Registro de Imóveis. Formal de Partilha. Cindibilidade do título. Apresentação de ITCMD apenas sobre o imóvel objeto do registro. Possibilidade.


  
 

Processo 1007945-46.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Viviane Zacharias Spinella – Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida apenas para afastar a exigibilidade de comprovação do pagamento do ITCMD devido sobre o quinhão da co-herdeira Virgínia, mantendo o óbice relativo à homologação do recolhimento pelo fisco quanto à transmissão do imóvel da matrícula n. 188.814. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: MURILO BASSI DE PAULA (OAB 406950/ SP), ARTHUR MIGLIARI JUNIOR (OAB 397349/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1007945-46.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Viviane Zacharias Spinella

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Viviane Zacharias Spinella, tendo em vista negativa em se proceder ao registro de formal de partilha expedido pelo juízo da 3ª Vara Cível de Atibaia, relativo ao imóvel da matrícula 188.814 daquela serventia.

Informa o Oficial que a recusa foi motivada pela ausência de recolhimento do ITCMD incidente sobre um dos quinhões e de certidão de homologação do imposto pela Fazenda do Estado. A parte pretende a cisão do título para registro com base apenas no recolhimento parcial feito por ela (a herdeira Virgínia não recolheu sua cota-parte e não recolherá, pelo que não houve homologação pelo fisco).

Não foram apresentados documentos, pelo que foi determinada complementação, com comprovação de notificação da parte suscitada (fl.04).

Independentemente do atendimento ao despacho inicial, a parte suscitada se manifestou às fls. 07/17, aduzindo que o inventário de sua genitora foi marcado pela disputa entre as duas únicas herdeiras, ficando acordado que “cada parte pagaria o ITBI correspondente ao registro de cada propriedade”. Assim, entende que, diante da homologação judicial do acordo com trânsito em julgado, ao lado do recolhimento do tributo correspondente ao seu quinhão, não pode ser prejudicada pela inadimplência da outra herdeira nem obrigada a pagar dívida que não pertence a ela. Sustenta, ainda, que o fisco não dá quitação da parte recolhida, mas apenas do todo, sendo a certidão exigida “mera testificação unilateral” que não pode ser empecilho para o registro do seu direito. Documentos vieram às fls.18/124.

O Ministério Público opinou pela manutenção dos óbices (fls. 127/129).

Os documentos que deveriam acompanhar as razões da dúvida vieram às fls.132/400.

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida é procedente, ao menos em parte. Vejamos os motivos.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa de título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Apelação Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a mera existência de título proveniente de órgão jurisdicional não basta para autorizar automaticamente seu ingresso no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-lo conforme os princípios e as normas que regem a atividade registral, sendo que, para o exercício de tal mister, ele conta com ampla autonomia (artigo 28 da Lei n. 8.935/94).

É importante ressaltar, ainda, que para os registradores vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento de imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73).

No caso concreto, o registro pretendido diz respeito aos direitos sucessórios relativos a um único imóvel, o qual, conforme plano de partilha amigável, coube exclusivamente à herdeira Viviane (item “e” de fl.370 e item “a” de fl.374).

É possível, portanto, a cindibilidade do título para registro da transmissão de um determinado bem que integrou a partilha. Diversa seria a conclusão se a pretensão fosse pelo registro parcial ou isolado das frações de um mesmo imóvel partilhado entre sucessores distintos, o que importaria violação ao princípio da continuidade registral.

Essa matéria foi apreciada pelo E. Conselho Superior da Magistratura em caso de relatoria do Des. Luiz Tâmbara (Ap. Cível n. 96.477-0/3), que assim esclareceu a questão:

“É sabido ser o formal de partilha um título de natureza judicial que, após julgamento dotado de definitividade, instrumentaliza a atribuição de quinhões aos sucessores e, em consequência, confere eficácia à extinção de um estado de indivisão patrimonial.

Decorre da própria essência do ato, a persistência de transferências inseparáveis quando incidentes sobre um mesmo imóvel, pois não há como manter um estado de indivisão limitado, ou seja, parcela de um mesmo bem foi atribuída a um sucessor e o restante permanece, fictamente, compondo um monte já desfeito.

A inscrição analisada ostenta, por isso, natureza múltipla, não se admitindo o registro isolado de apenas uma das transmissões, ainda que só um dos sucessores requeira o registro.

Há, em outras palavras, uma interdependência das estipulações constantes do título judicial de maneira que todas devem ser levadas, acopladamente, ao fólio real.

O registro isolado poderia ser admitido se um mesmo formal reunisse atos não conjugados pelo seu vínculo de interrelacionamento, mas justapostos, independentes entre si e separáveis um do outro.

Tal hipótese, na espécie, porém, não se materializa, em se cuidando de um formal de partilha relativo a partes ideais de um mesmo imóvel”.

O recolhimento apartado do imposto devido por cada sucessor não decorre, portanto, da cindibilidade do título, mas da ocorrência de fatos geradores distintos.

Nos termos do artigo 2º, §1º, da Lei Estadual n.10.705/00, o ITCMD incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito por sucessão legítima ou testamentária, ocorrendo tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros ou legatários, que são os respectivos contribuintes.

Neste ponto, a parte interessada tem razão, pois não é necessária a comprovação do recolhimento do tributo devido por outro sucessor, relativo à transmissão de outro bem, ainda que integrante do mesmo formal de partilha, pois se refere a fato gerador distinto.

Em outras palavras, a comprovação do recolhimento do tributo devido por cada contribuinte é requisito para o registro da transmissão de seu quinhão, desde que não formado por frações de bens como no caso concreto (único imóvel, matrícula 188.814, que coube exclusivamente à herdeira Viviane – item “e” de fl.370 e item “a” de fl.374).

Entretanto, não houve demonstração do recolhimento supostamente efetuado pela parte interessada.

Note-se que, ao final do plano de partilha amigável, as partes informaram que não foi possível declarar e recolher o ITCMD, pelo que requereram a prorrogação do prazo para tanto, o que não foi apreciado pelo juízo da sucessão com apoio na regra do artigo 662 do CPC (fl.377/378).

Nestes autos, a única referência que se encontra sobre o pagamento do tributo devido pela herdeira Viviane está no documento de fl.400, o qual é insuficiente para isentar o Oficial registrador da responsabilidade que a lei impõe a ele, pois não permite conhecer a base de cálculo, o valor devido, a quantia efetivamente paga nem a data de quitação.

Ademais, consta nesse documento expressa ressalva de que aquela declaração deve ser apresentada ao Fisco nos termos dos artigos 8º e 9º da Portaria CAT 15/03, o que é exigido justamente para apuração da base de cálculo do imposto.

Também quanto às hipóteses de incidência do ITCMD, outra normativa expedida pelo ente fiscal (Portaria CAT n. 89, de 26 de outubro de 2020), exige a apresentação de certidão de homologação aos Registros de Imóveis, nos seguintes termos (destaque nosso):

“Art. 12. Quando do registro de alterações na propriedade de imóvel, ocorridas em virtude de transmissão “causa mortis”, os Cartórios de Registro de Imóveis deverão exigir os seguintes documentos:

I – na hipótese de transmissão realizada por meio de inventário judicial:

a) cópia da Declaração de ITCMD em que constem os imóveis objetos da transmissão, avaliados conforme o capítulo IV da Lei 10.705/2000 ;

b) certidão de homologação, expedida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento, referente ao número da Declaração de ITCMD apresentada e, tratando-se de ‘Certidão de Homologação – Sem Pagamento’, comprovante de pagamento dos débitos declarados na referida declaração de ITCMD”.

A jurisprudência atual, por sua vez, também reconhece como necessária a fiscalização da anuência da Fazenda do Estado.

A propósito, com nossos destaques:

“REGISTRO DE IMÓVEIS Dúvida julgada procedente Carta de sentença extraída de ação de divórcio consensual Exigência consistente na apresentação da anuência da Fazenda do Estado com a declaração e o recolhimento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e de Doação de Quaisquer Bens e Direitos – ITCMD Carta de sentença que somente foi instruída com o protocolo da declaração do ITCMD e com as guias de recolhimento, o que impossibilita a análise da alegação de que foi adotada base de cálculo superior aos valores venais dos imóveis transmitidos Recurso não provido” (Conselho Superior da Magistratura, Apelação Cível nº 1018134-43.2019.8.26.0309, Voto n. 31.176, lavrado pelo Corregedor Geral da Justiça Ricardo Anafe).

“Registro de Imóveis Formal de partilha Comprovação de pagamento do ITCMD Necessidade de apresentação de certidão de homologação pela Fazenda Óbice mantido Recurso não provido” (Conselho Superior da Magistratura, Apelação Cível n. 0000534-79.2020, Voto n. 31.465, lavrado pelo Corregedor Geral da Justiça Ricardo Anafe).

Não há, portanto, que se falar em dispensa da homologação: a certidão é requisito de ingresso do título no fólio real.

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida apenas para afastar a exigibilidade de comprovação do pagamento do ITCMD devido sobre o quinhão da co-herdeira Virgínia, mantendo o óbice relativo à homologação do recolhimento pelo fisco quanto à transmissão do imóvel da matrícula n. 188.814.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de fevereiro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 14.02.2022 – SP)

Fonte: DJe/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.