1VRP/SP: Registro de Imóveis. Cancelamento de hipoteca em razão de procedimento administrativo ou contencioso, no qual o credor tenha sido intimado (art. 698 do Código de Processo Civil), cf. art. 251, II, da Lei 6015/73.


  
 

Processo 1012934-95.2022.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Dirceu Christofoletti – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para autorizar a averbação de cancelamento das hipotecas. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: ALEXANDRE BISKER (OAB 118681/SP), ITAMAR RODRIGUES (OAB 244323/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1012934-95.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Suscitante: Dirceu Christofoletti

Suscitado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado por Dirceu Christofoletti em face do Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, visando cancelamento de hipotecas registradas nas matrículas n. 78.400, 78.457, 78.462 e 78.463 daquela serventia.

A parte requerente aduz que adquiriu os imóveis, por escritura de compra e venda datada de 28/08/2012, de Silvio José Moredo e de sua esposa, Maria Cristina Teixeira Duarte, que, por sua vez, os haviam adquirido por carta de adjudicação expedida em 16/05/2012 pelo juízo da 3ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, Comarca da Capital (processo de autos n. 0019481-82.2001.8.26.0011, promovido contra a incorporadora do empreendimento em que localizados os bens); que a sentença que adjudicou os bens a Silvio determinou também a baixa das hipotecas; que os títulos translativos de propriedade foram registrados (R.7 e R.9), mas os gravames anteriormente anotados nas matrículas, hipotecas concedidas pela incorporadora a instituição de financiamento, persistiram; que, após nova provocação, o juízo da adjudicação entendeu que a sentença anteriormente proferida naquele processo bastaria ao cancelamento dos gravames.

Documentos vieram às fls. 08/213.

O feito foi recebido como pedido de providências, com determinação de reapresentação do requerimento perante a serventia extrajudicial diante do decurso do trintídio legal da última prenotação (fls. 315).

Cumprida a determinação, o Oficial manifestou-se, esclarecendo que o cancelamento das hipotecas não foi possível porque não atendida a regra do artigo 251 da LRP; que, embora conste na ação de adjudicação compulsória que a hipoteca não tem eficácia perante os adquirentes dos imóveis (súmula n. 308 do STJ), não foi apresentado título hábil ao cancelamento (fls. 323/324). Produziu documentos às fls. 325/329.

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 333/335).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, o pedido é procedente. Vejamos os motivos.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

No caso concreto, quando se analisa o conteúdo da ação que deu origem à carta de adjudicação, processo de autos n. 0019481-82.2001.8.26.0011, verifica-se que Silvio José Moredo ajuizou ação de adjudicação compulsória contra Suarez Incorporações Ltda e Banco Bradesco S/A, pretendendo alcançar a propriedade do apartamento nº 602, situado no 11º pavimento do Edifício The Cup, bem como das vagas de garagem n. 10, 15 e 16, descritos nas matrículas n. 78.400, 78.457, 78.462 e 78.463 do 10º RI.

Respeitado o contraditório, seguiu-se sentença adjudicando os imóveis ao autor da ação, com expressa determinação de liberação de hipoteca que anteriormente os gravava, a qual foi mantida pelo segundo grau (fls. 174/179, 227/229, 267, 268, 272/273 e 275):

“(…) Postas estas considerações, passo às seguintes conclusões. Inequivocamente, há relação de consumo entre o adquirente do bem e a incorporadora, presumindo-se, no mais, a boa-fé daquele no que tange à sua aquisição. Quanto ao Banco, é certo que também se encontra na qualidade de credor, mas não pode ignorar que no instrumento firmado entre a incorporadora e o adquirente do imóvel havia previsão de outorga de Escritura mediante o pagamento do preço, sem qualquer ressalva ou condição que não o prazo estipulado. De mais a mais, se, para o adquirente, o negócio foi feito tendo em vista a específica unidade condominial, para o Banco qualquer garantia poderá servir à adequada satisfação de seu crédito, se sorte que, aqui, encontra-se a perfeita possibilidade quanto à fungibilidade daquela, podendo o Banco, assim, valer-se de outros meios para compelir a incorporadora a saldar seu débito, inclusive mediante substituição da garantia. Nesta linha lógica, portanto, se os interesses parecem efetivamente ser inconciliáveis, há que prevalecer, na espécie, a satisfação da pretensão imediata do adquirente, na medida em que, frise-se, tal solução não representa óbice a que o Banco, ora Exequente da incorporadora, possa satisfazer seu crédito por intermédio de outros bens ou meios. Por esta razão, portanto, prioriza-se a situação do adquirente consumidor, ao qual não se acha disponível alternativa à sua pretensão, lembrando-se, no mais, que a perda da garantia ao agente financeiro pode ser entendida como risco do próprio negócio, sempre assegurada, como é cediço, a possibilidade de satisfação do crédito por qualquer outro meio lícito. Esta, assim, a solução do feito. Ante o exposto e tudo o mais que dos autos consta, com fundamento no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL para conceder à parte Autora a ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL descrito na petição inicial, mediante a liberação da hipoteca incidente sobre o bem.

(…)”.

“Contrato – Compra e venda – Hipoteca instituída sobre unidade condominial autônoma negociada – Ineficácia perante o adquirente (Súmula 308 do STJ) – Reconhecimento da legitimidade do Banco Bradesco S/A para a causa – Falta de registro que sequer impede a adjudicação compulsória (Súmula 239 do STJ) – Sentença mantida – Recurso improvido”.

O juízo da adjudicação, em 01 de dezembro de 2021, ratificou a desnecessidade de qualquer determinação em relação às hipotecas à vista do quanto decidido naquele feito (fl. 312):

“Fls. 463/464: descabida deliberação deste juízo acerca do referido pedido, sobretudo porque inexiste obstáculo ao requerimento do próprio adquirente diretamente ao registrador, nos termos do 198 da Lei de Registros Públicos. De toda sorte, nos termos da mencionada lei, mais precisamente, seu art. 164, ‘o cancelamento poderá ser feito em virtude de sentença ou de documento autêntico de quitação ou de exoneração do título registrado’ (grifo nosso), pelo que resta ainda mais cristalino descaber deliberação deste juízo para que o registrador proceda ao que lhe cumpre na forma da lei (eventual cancelamento da averbação da penhora ou hipoteca), se assim este entender devido. Após a publicação desta, ao arquivo definitivo”.

Vale notar que o credor hipotecário, Banco Bradesco S/A (Av.1, fls. 15, 24, 33 e 42), participou da ação de adjudicação compulsória em que houve reconhecimento expresso de que as hipotecas não possuíam efeito perante o consumidor-adquirente de boa-fé (autor Silvio), com determinação de liberação (fls. 174/179, 227/229, 267, 268, 272/273 e 275).

De rigor, portanto, o cancelamento das hipotecas registradas anteriormente conforme autoriza a Lei de Registros Públicos:

“Art. 251 – O cancelamento de hipoteca só pode ser feito: (…)

II – em razão de procedimento administrativo ou contencioso, no qual o credor tenha sido intimado (art. 698 do Código de Processo Civil)”.

Note-se que não há como se falar em ausência de título hábil à vista da sentença proferida no processo judicial em que formada a carta de adjudicação, com confirmação em segundo grau e ratificação pelo juízo prolator (fls. 174/179, 227/229, 267, 268, 272/273, 275 e 312).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para autorizar a averbação de cancelamento das hipotecas.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 03 de maio de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 05.05.2022 – SP)

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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