1VRP/SP: Registro de Imóveis. Incorporação societária. Recuperação social. Necessidade de alvará judicial.


  
 

Processo 1033350-84.2022.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Industrias Arteb S/A “em Recuperação Judicial” – – Sian Sistemas de Iluminação Automotiva do Nordeste S/A “em Recuperação Judicial” – – Arteb Fl Participações Ltda “em Recuperação Judicial” – – Artcris Participações Ltda “em Recuperação Judicial” – – Artur Eberhardt S/A “em Recuperação Judicial” – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, mantendo o óbice. Regularize, a serventia judicial, o cadastro deste feito, invertendo-se os polos. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: JORGE NICOLA JUNIOR (OAB 295406/SP), TIAGO ARANHA D ALVIA (OAB 335730/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1033350-84.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: Industrias Arteb S/A “em Recuperação Judicial” e outros

Requerido: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Indústrias Arteb Ltda (em recuperação judicial), Sian – Sistemas de Iluminação Automotiva do Nordeste Ltda (em recuperação judicial), Arteb FL Participações Ltda (em recuperação judicial), Artil Participações Ltda (em recuperação judicial), Artcris Participações Ltda (em recuperação judicial) e Artur Eberhardt Indústria e Comércio Lda (em recuperação judicial), após negativa de averbação de instrumento particular de alteração contratual que tratou da incorporação de Artil Participações Ltda, a qual figura como proprietária tabular nas matrículas n. 72.161, 72.189 e 72.203 daquela serventia, por Indústrias Arteb Ltda.

O Oficial esclarece que, por se tratar de ato de averbação, a apreciação deve ser feita por meio de pedido de providências; que há óbice porque o plano de recuperação empresarial, cláusula 10 do instrumento modificativo, estabelece condições à incorporação de empresas, cuja análise compete ao juízo da recuperação (art. 66 da Lei n. 11.101/05), bem como porque a cláusula em questão autoriza a aquisição de capital de outras empresas e a proprietária estaria transmitindo bens.

Documentos vieram às fls. 06/1.458.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte interessada aduz que a averbação do instrumento particular de 3ª alteração de contrato social, datado de 1º de outubro de 2021, tem por finalidade a alteração da propriedade dos imóveis em decorrência da incorporação de Artil Participações Ltda (em recuperação judicial) e Artur Eberhardt Indústria e Comércio Ltda (em recuperação judicial) por Indústrias Arteb Ltda (em recuperação judicial); que o Grupo Arteb foi surpreendido com exigência de apresentação de alvará judicial que autorize a operação e discrimine individualmente os imóveis que serão transferidos, em virtude de interpretação subjetiva do plano de recuperação judicial; que a exigência não possui respaldo legal, uma vez que somente é possível a verificação, pelo Oficial, de vicissitudes que impeçam a averbação da incorporação e a alteração da titularidade dos imóveis, não sendo devido questionamento das cláusulas do plano de recuperação judicial homologado judicialmente; que a absorção dos ativos e passivos decorre do ato de incorporação; que os atos estão arquivados e registrados perante a Junta

Comercial, sem necessidade de autorização judicial para modificação da propriedade dos imóveis; que desnecessária autorização judicial também por se tratar de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico; que a incorporação encontra amparo no plano recuperacional, no Código Civil (artigos 1.116 a 1.118) e na Lei n. 11.101/05 (artigo 50, II); que a incorporação deve ser precedida, unicamente, de deliberação da sociedade e da incorporadora, na forma prevista para alteração dos respectivos contratos sociais ou estatutos; que, em se tratando de sociedade limitada, a reforma do contrato social e a consequente incorporação necessitam de deliberação dos sócios correspondentes a 3/4 do capital social (art. 1.076 do CC); que não há vedação à incorporação envolvendo empresas em recuperação judicial; que os requisitos legais foram atendidos perante a Junta Comercial (art. 40 da Lei n. 8.934/94 – fls. 06/10).

Em sede de impugnação, a parte requerente acrescenta que a exigência é manifestamente indevida, uma vez que se trata de grupo de empresas conexas e interdependentes; que a recuperação judicial foi concedida em consolidação substancial, ou seja, com a unificação de ativos e passivos e apresentação de plano único (art. 69-J da Lei n. 11.101/05); que a incorporação entre empresas do mesmo ramo e na mesma recuperação judicial basta para a compreensão de que se trata de empresas com objeto social compatível, não havendo vedação legal ou obstáculo ao ato registral (fls. 1.462/1.469).

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 1.472/1.473).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Primeiramente, verifica-se que o feito foi corretamente direcionado como pedido de providências, uma vez que o ingresso do ato de incorporação no fólio real se dá por meio de averbação (item 9, letra ”b”, 16, do Cap. XX, das NSCGJ).

No mérito, o pedido é procedente. Vejamos os motivos.

O Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica que rege sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/94), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no Direito Registral, vigem princípios e regras próprios, os quais orientam a prática dos atos registrais.

Dentre eles está o princípio da legalidade estrita: o Registrador, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

O caso concreto trata de averbação da 3ª alteração do contrato social de Indústrias Arteb Ltda (em recuperação) nas matrículas n. 72.161, 72.189 e 72.203 do 1º RI (fls. 21/34). A modificação estatutária cuidou da incorporação da sociedade Artil Participações Ltda (em recuperação judicial), que figura como proprietária (item 1.1, fls. 21/22, R.20/72.203, fl. 256, R.20/72.161, fl. 268 e R.09/72.189, fl. 273).

Todavia, verifica-se que o modificativo ao plano de recuperação judicial, notadamente sua cláusula n. 10, estabeleceu condições à aquisição de capital social de outras empresas, cuja verificação ultrapassa os limites da qualificação registrária (fl. 435, destaque nosso):

“Após a aprovação do Pano e respectiva homologação judicial, fica autorizado às Recuperandas adquirirem, parcial ou totalmente, inclusive mediante cisão, fusão ou incorporação, o capital social de empresas quaisquer, desde que o objeto social não seja incompatível com as suas atividades e que não haja impacto negativo nas projeções de fluxo de caixa a longo prazo”.

A análise acerca do atendimento dos requisitos estabelecidos no plano recuperacional, dado o seu caráter técnico, compete exclusivamente ao juízo da recuperação judicial (processo de autos n. 1002812-96.2016.8.26.0564, em trâmite perante a 8ª Vara Cível do Foro de São Bernardo do Campo).

Esta conclusão se reforça pelo fato de a alteração da titularidade dos imóveis, atualmente pertencentes à pessoa jurídica Artil Participações Ltda (em recuperação judicial), resultar em verdadeira alienação de ativo imobiliário, o que somente pode se dar mediante autorização prévia do juízo da ação de recuperação.

É o que se extrai do artigo 66 da Lei n. 11.101/05:

“Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial”.

Note-se que o registro da alteração do contrato social perante a Junta Comercial não basta ao seu ingresso no fólio real.

Em outros termos, como não comprovada autorização do juízo universal nos moldes exigidos pela legislação competente e pelo próprio plano de recuperação judicial das empresas envolvidas, a qualificação negativa se sustenta.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, mantendo o óbice.

Regularize, a serventia judicial, o cadastro deste feito, invertendo-se os polos.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 12 de maio de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 16.05.2022 – SP)

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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