CNJ: Extrajudicial – Pedido de Providências – Pleito de que as Corregedorias locais reconheçam a vigência e apliquem a Lei Federal n° 6.739/79 – Diploma autoaplicável – Pedido manifestamente improcedente – Recurso improvido – 1. A decisão impugnada deve ser mantida por seus próprios e hígidos fundamentos, haja vista que o Ministério Público não trouxe argumentos suficientes para desconstituí-la – 2. O reconhecimento da vigência e compulsoriedade de uma Lei Federal se dá por todos os cidadãos e órgãos do Estado a partir do momento em que tem início a sua vigência. Ou seja, ela é autoaplicável, sem necessidade de intervenção deste Órgão Correcional. Tanto que, segundo o artigo 3º da LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” – 3. Nada impede que esta Corregedoria Nacional ou a Corregedoria Local apreciem algum caso concreto, individualizado, advindo da vulneração de algum dispositivo da norma ou do desrespeito concreto à Lei Federal n° 6.739/79, o que difere do pleito genérico e sem destinatário específico, nos moldes deduzidos pelo Ministério Público Federal – 4. Recurso administrativo a que se nega provimento


  
 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0003582-47.2014.2.00.0000

Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF

Requerido: CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ACRE e outros

EMENTA

EXTRAJUDICIAL. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PLEITO DE QUE AS CORREGEDORIAS LOCAIS RECONHEÇAM A VIGÊNCIA E APLIQUEM A LEI FEDERAL N° 6.739/79. DIPLOMA AUTOAPLICÁVEL. PEDIDO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. RECURSO IMPROVIDO.

1. A decisão impugnada deve ser mantida por seus próprios e hígidos fundamentos, haja vista que o Ministério Público não trouxe argumentos suficientes para desconstituí-la.

2. O reconhecimento da vigência e compulsoriedade de uma Lei Federal se dá por todos os cidadãos e órgãos do Estado a partir do momento em que tem início a sua vigência. Ou seja, ela é autoaplicável, sem necessidade de intervenção deste Órgão Correcional. Tanto que, segundo o artigo 3º da LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

3. Nada impede que esta Corregedoria Nacional ou a Corregedoria Local apreciem algum caso concreto, individualizado, advindo da vulneração de algum dispositivo da norma ou do desrespeito concreto à Lei Federal n° 6.739/79, o que difere do pleito genérico e sem destinatário específico, nos moldes deduzidos pelo Ministério Público Federal.

4. Recurso administrativo a que se nega provimento.

ACÓRDÃO 

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Votou o Presidente. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Regional Federal, da Justiça Federal, do Ministério Público Estadual e os representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 14 de dezembro de 2021. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Tânia Regina Silva Reckziegel, Richard Pae Kim, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Manifestou-se o Subprocurador-Geral da República Alcides Martins.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Trata-se de recurso administrativo interposto pelo Ministério Público Federal, contra decisão que determinou o arquivamento do corrente pedido de providências (Id 41490592), haja vista o pleito requerido ser manifestamente improcedente.

Relata o requerente em seu recurso administrativo que “primeiramente, cumpre destacar a falta de equilíbrio patente, no que toca à aplicação da Lei 6.739/79, entre as diversas Corregedorias, como se observou das manifestações colhidas no curso da instrução, o que leva a decisões díspares e temerárias”.

Afirma, ainda, que há anseio por parte das próprias Corregedorias na uniformização da matéria e “que outros entes, como o INCRA, comungam do entendimento acerca do possível cancelamento administrativo de registros de imóveis que padeçam de vícios de nulidade”.

Aduz que “assim como compete à Corregedoria Nacional de Justiça expedir provimentos e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos serviços extrajudiciais (art. 8º, X, do RICNJ), há a obrigação dos serviços extrajudiciais de cumprir as normas técnicas estabelecidas pelo Poder Judiciário (arts. 37 e 38 da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994)”.

Por fim, o Ministério Público Federal “requer a reconsideração da decisão de arquivamento, a fim de que seja determinado a todas as Corregedorias Gerais de Justiça dos Tribunais de Justiça dos Estados que reconheçam uniformemente a vigência e apliquem de forma efetiva o disposto na Lei 6.739/79, de maneira a exercerem plenamente as funções administrativas previstas no diploma federal, fixando-se prazo razoável a fim de ser editada regulamentação infralegal neste sentido, com vistas ao atendimento do pleito ministerial”.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

A decisão impugnada deve ser mantida por seus próprios e hígidos fundamentos, haja vista que o Ministério Público não trouxe argumentos suficientes para desconstituí-la.

Com efeito, de acordo com o constante no decisum monocrático, o pedido do Ministério Público é manifestamente improcedente, tendo sido a razão do arquivamento do respectivo pedido de providências.

O pedido inicial do Ministério Público Federal consiste em “determinar às Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados para que reconheçam a vigência e apliquem de forma efetiva o disposto na Lei 6.739/79, de forma a exercerem plenamente as funções administrativas previstas neste diploma federal, fixando prazo razoável a fim de ser editada regulamentação infralegal neste sentido”.

Todavia, o reconhecimento da vigência e compulsoriedade de uma Lei Federal se dá por todos os cidadãos e órgãos do Estado a partir do momento em que tem início a sua vigência. Ou seja, ela é autoaplicável, sem necessidade de intervenção deste Órgão Correcional. Tanto que, segundo o artigo 3º da LINDB, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Ora, se não é dado a ninguém descumprir a lei alegando que não a conhece (LINDB, art. 3º), não há cogitar da escusa, em tese, sob tal pretexto, por ocupantes de cargos do alto escalão da administração local. Trata-se de norma cogente, estando tanto as partes como o administrador vinculados ao comando por ela emanado.

Outrossim, nada impede que esta Corregedoria Nacional ou a Corregedoria local apreciem algum caso concreto, individualizado, advindo da vulneração de algum dispositivo da norma ou do desrespeito concreto à Lei Federal n° 6.739/79, o que difere do pleito genérico e sem destinatário específico, nos moldes deduzidos pelo Ministério Público Federal.

Além do mais, segundo o artigo 8° do Regimento Interno do CNJ, “compete ao Corregedor Nacional de Justiça, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I – receber as reclamações e denúncias de qualquer interessado relativas aos magistrados e tribunais e aos serviços judiciários auxiliares, serventias, órgãos prestadores de serviços notariais e de registro”, não sendo o requerido pelo Ministério Público atribuição desta Corregedoria Nacional.

Desse modo, a Corregedoria Nacional de Justiça não tem competência para obrigar quem quer que seja a dar cumprimento a uma Lei Federal, muito menos por meio de um mero ato administrativo. No mais, a regulamentação infralegal de uma Lei Federal, hodiernamente, se dá  por meio de ato do Poder Executivo, e não pela Corregedoria Nacional, que não detém competência para tanto.

Por oportuno, saliente-se que a negativa de vigência a uma Lei Federal pode ser questionada por mecanismo jurídico próprio junto ao Superior Tribunal de Justiça, este sim, órgão constitucionalmente competente para sua análise, consoante prevê o artigo 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal.

Assim, considerando a natureza do pedido formulado na inicial e a impossibilidade jurídica respectiva, não há como se acolher a pretensão formulada pelo Ministério Público Federal.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto. 

VOTO DIVERGENTE

Adoto, na íntegra, o relatório bem lançado pela Excelentíssima Senhora Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Corregedora Nacional, todavia, quanto ao mérito, peço vênia a Sua Excelência para apresentar divergência, mediante os fundamentos a seguir expostos.

O Ministério Público Federal insurge-se contra a decisão monocrática de arquivamento do presente Pedido de Providências com o objetivo de determinar, de forma uniforme, que as Corregedorias Gerais de Justiça dos estados reconheçam a vigência e apliquem o disposto na Lei 6.739/79, que dispõe sobre a matrícula e o registro de imóveis rurais e dá outras providências[1].

A referida lei foi editada com vista a evitar a contínua apropriação indevida de terras públicas por particulares, prática popularmente conhecida como grilagem, situação recorrente, em especial, nas regiões Norte e Nordeste do país

Sobre os impactos da grilagem, o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão de Rondônia, Raphael Luis Pereira Bevilaqua, destacou[2], a partir de elementos colhidos em diversas ações judiciais e expedientes relativos à matéria sub examine[3], que abarcam “verdadeiros grileiros” de terras públicas e particulares, que ao se aproveitarem da falta da negativa de cancelamento administrativo dos títulos irregulares, estabelecem, em benefício próprio, um mercado especulativo bilionário, constituindo-se, ao final, em grandes organizações criminosas.

Não é demais lembrar que, no âmbito da Operação amicus regem[4]no ano de 2020, deflagrada pela Polícia Federal, apurou-se foram pagos cerca 330 milhões em indenizações de reforma agrária, realizadas por meio de precatórios, alvarás judiciais e títulos da dívida agrária, mediante fraudes em diversos processos judiciais relativos às desapropriações de imóveis rurais no estado.

Nesse sentido, são inúmeras outras situações detectadas tanto pelo Ministério Público (Federal e Estadual), como pela Polícia Federal e que seguem a título meramente exemplificativo:

I) Ação de Desapropriação Indireta contra a União, pleiteando indenização no valor de R$ 145 milhões de reais por título público nulo de pleno direito expedido por determinada unidade da federação, no ano de 1942 – em desacordo com as regras aplicáveis, à época – de uma área de 40 mil hectares, posteriormente arrecadada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por intermédio de acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

II) Em 1975, um cidadão, utilizando-se de interpostas pessoas, adquiriu, de forma subsidiada pela Sociedade para Colonização do País, a propriedade de 11 lotes rurais, que totalizavam 22 mil hectares. Menos de um ano após, as glebas foram alienadas ao referido cidadão, por escritura de compra e venda “por procuração” em nome dos supostos adquirentes. Posteriormente, em 1984, o INCRA ajuizou Ação de Desapropriação que resultou na indenização indevida de quase 111 milhões de reais da União – atualmente objeto de Ação Civil Pública.

III) Operação Castanheira[5] deflagrada pela Polícia Federal investiga organização criminosa especializada em grilagem de terras e crimes ambientais na Floresta Amazônica. Segundo apurado, os indivíduos invadiram, entre 2006 e 2014, mais de 7 mil hectares de terras públicas e realizaram desmatamentos e queimadas para formação de pastos para, posteriormente, lotearem e revenderem para terceiros, mediante utilização de documentos falsos, como se fossem proprietários da área degradada.

Constata-se, pois, que os principais detentores de títulos que pleiteiam indenizações, ao contrário que alegam, não são posseiros legítimos ou aqueles que atendem a função social da propriedade (arts. 5º, XXIII; 170, III; e 184, caput, e parágrafo único, da Constituição Federal), mas indivíduos que têm plena ciência da ilicitude que praticam.

Vale dizer, ao se adotar a tese da impossibilidade de anulação, olvida-se a má-fé dos adquirentes, concedendo-lhes indiretamente um “prêmio bilionário”, com dinheiro público, destinado a quadrilhas de grileiros e especuladores.

A essas ações, dantes mencionadas, acrescente-se milhares de outros casos em trâmite no Poder Judiciário, que buscam a recuperação de imóveis mediante a anulação de matrículas, pela via judicial. Dados da Procuradoria Federal Especializada do INCRA de 2010, por exemplo, apontam para mais de três milhões de hectares em litígio no Brasil[6].

Nesse diapasão, justamente para que sejam evitadas tamanhas irregularidades – que atingem posseiros legítimos que vivem legalmente de suas terras e várias comunidades indígenas, sobretudo – as quais desaguam em prolongadas e quase intermináveis ações judiciais, o artigo 1º, caput, da Lei 6.739/79[7] atribuiu aos Corregedores-Gerais de Justiça o poder-dever de, mediante requerimento de pessoa jurídica de direito público, subsidiado em provas robustas, declarar a nulidade das matrículas e registros de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito, impondo o seu cancelamento pelo Oficial de Registro!

Essa normatização, cuja constitucionalidade foi reconhecida, à época, pelo STF, no julgamento da Representação n.º 1070/DF[8], tem por finalidade preservar o patrimônio público, permitindo que, pela via administrativa, obtenha-se de forma célere e eficaz o cancelamento de um ilícito praticado, muitas das vezes, com a colaboração dos tabeliães, seja por erro ou dolo.

Sob a regência da Constituição de 1988, os Ministros da Primeira Turma do STF também confirmaram, em 21/6/2019, quando da apreciação do Mandado de Segurança n.º 31.681/DF, de relatoria do Excelentíssimo Senhor Ministro Luiz Fux, a possiblidade de cassação administrativa de registros imobiliários, nos termos da ementa, in verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROVIDÊNCIA DO CNJ DIANTE DO GRAVE PROBLEMA FUNDIÁRIO DO ESTADO DO PARA. CANCELAMENTO DE MATRÍCULA DE IMÓVEIS RURAIS ANTERIORMENTE BLOQUEADAS. IRREGULARIDADES NOS REGISTROS DOS TÍTULOS. ALEGAÇÃO DE REGULARIDADE DO TÍTULO DE PROPRIEDADE. VIA INADEQUADA PARA ESTE DEBATE. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO ASSEGURADA AO IMPETRANTE. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA SEM PREJUÍZO DA POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO DEBATE ACERCA DA TITULARIDADE DO IMÓVEL SUB JUDICE NA VIA PRÓPRIA. REVOGAÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 1. A Lei 6.739/1979, que dispõe sobre a matrícula e o registro de imóveis rurais e dá outras providências, prevê o cancelamento administrativo do registro (art. I’), ressalvando ao particular o direito de impugnar o ato se considerar lesivo ao seu interesse, mediante ação declaratória de nulidade de ato administrativo. 2. In casu, a questão alusiva à regularidade do título de propriedade já é objeto de discussão na ação civil pública proposta pelo Estado do Pará em face do ora impetrante, fundada na “flagrante apropriação de terras públicas’; de modo que o exame dessa matéria não tem lugar nesta via, que reclama a demonstração de pronto da liquidez e da certeza do direito, mediante a apresentação de prova pré-constituída. 3. A Corregedoria de Justiça das Comarcas do Inferior e da Região Metropolitana do Estado do Pará, em conjunto com a Corregedoria de Justiça da Região Metropolitana de Belém, editou o Provimento Conjunto CJCI-CJRMB n.º 10, de 17/12/2012, colocando à disposição do interessado instrumento destinado à requalificação da matrícula eventualmente cancelada conferindo-lhe a oportunidade de apresentar as provas de regularidade de seu título, e, consectariamente, de exercer o contraditório da maneira adequada, de modo que não há falar em violação ao direito à ampla defesa e ao contraditório 4. Segurança denegada, sem prejuízo da discussão da regularidade do título de propriedade nas vias ordinárias. Liminar cassada. Prejudicado o agravo regimental interposto pela União.

A propósito, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao julgar o Pedido de Providência n.º 0001943-67.2009.2.0.0000, de relatoria do então Corregedor-Nacional de Justiça, Ministro Gilson Dipp, determinou a baixa de 5.500 títulos irregulares nos Cartórios de Registro de Imóveis do Estado do Pará, amparado no disposto na Lei 6.739/79.

A despeito do entendimento supramencionado, a anulação administrativa de matrículas irregulares não está uniformizada no âmbito das Corregedorias-Gerais de Justiçao que tem provocado insegurança jurídica, decisões díspares e prejuízo ao erário, a depender da unidade da federação.

É o que se vê, por exemplo, das manifestações exaradas pelos Corregedores dos estados do Maranhão (Id. 1531138), de Alagoas (Id. 1533318), do Acre (Id. 1535039) e do Amapá (Id. 1875764) que informaram dar efetivo cumprimento a Lei n.º 6.739/79.

De forma diversa, porém, as Corregedorias dos estados do Rio Grande do Norte (Id. 1532247), de Santa Catarina (Id. 1534532), do Mato Grosso (Id. 1540866) e de Minas Gerais (Id. 1531899 e 1560330), que sustentaram ser imprescindível uma determinação judicial.

Por sua vez, os Corregedores dos estados do Rio de Janeiro (Id. 1546820), de Goiás (Id. 1555280) e do Paraná (Id. 1536719), apesar de não procederem ao cancelamento administrativo dos títulos imobiliários, reconheceram a complexidade da matéria e a necessidade de padronização em nível nacional.

Nota-se, portanto, que o CNJ, dentro da sua competência funcional, pode, e deve, uniformizar a matéria, conforme proposto pelo requerente, até porque há previsão constitucional para tanto como se vê do artigo 103-B, § 4º, incisos I e II, da Constituição Federal[9], que atribuiu a este Conselho o controle da atuação administrativa do Poder Judiciário, dentre as quais o de zelar pela legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do referido Poder e o de expedir atos regulamentares.

A propósito, o Regimento Interno do CNJ delegou ao Plenário, no artigo 102, caput[10], a expedição de recomendações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento do Judiciário, dos serviços notariais e de registro, bem como dos demais órgãos correcionais.

Desta forma, embora haja norma e decisões que admitam o cancelamento de registros de imóveis pela via administrativa, a resistência da maior parte dos Corregedores-Gerais de Justiça em dar efetividade a Lei 6.739/79, impõe, concessa maxima venia, a uniformização do tema, por meio de ato regulamentar.

Outrossim, vale rememorar, que a orientação para observância e cumprimento de lei por intermédio de Recomendação não é novidade no âmbito do CNJ, tendo em vista que, em 29/03/2021, foi publicada a Recomendação n.º 92 que orienta aos Magistrados que, à luz da independência funcional que lhes é assegurada, atuem para fortalecer o sistema brasileiro de saúde e preservar a vida, amparado nos preceitos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

De igual forma, a Recomendação n.º 67, de 17/06/2020, ao dispor sobre a adoção de medidas de urgência, durante a pandemia, para a proteção da integridade física, psíquica e da vida das vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher, determinou que os juízes adotem os procedimentos necessários para o cumprimento do disposto no art. 12, inciso III, da Lei 11.340/2006[11].

E mais recentemente, em 15/09/2021, foi editada a Recomendação n.º 108, que orientou os órgãos do Poder Judiciário com competência para julgamento de questões que envolvem refúgio e migrações a observância de diretrizes estabelecidas nos tratados internacionais sobre Direitos Humanos.

Cabe, ainda, registrar que, o Procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida, então coordenador do Grupo de Trabalho de Terras Públicas da 1ª Câmara de Coordenação de Revisão do Ministério Público Federal, em prodigiosa manifestação, que também serviu de importante subsídio na elaboração do presente voto, destacou a importância de regulamentar a questão judiciária administrativamente para evitar os conflitos fundiários[12]in verbis:

A uniformização da aplicação da norma representará valiosa ferramenta aos inúmeros casos de grilagem de terras ainda existentes no território nacional com a consequente diminuição dos conflitos fundiários associados. Dados da Comissão Pastoral de Terra (CPT) apontam que 2016 teve registro recorde no número de conflitos no campo: foram 61 assassinatos de trabalhadores rurais (o dobro em relação à média dos últimos dez anos) e 1.536 conflitos, envolvendo 909.843 famílias.

Em linhas finais, verifica-se, pois, que o CNJ detém competência para editar ato normativo objetivando o cumprimento da Lei 6.739/79, diante da complexidade da questão fundiária e da importância de regulamentação do tema, não só contribuindo para a drástica diminuição de conflitos judiciais na espécie, como também para a preservação do erário.

Contudo, à vista da proposta de criação do grupo de trabalho para análise de casos específicos em relação à matéria, apresentada pela Excelentíssima Senhora Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, adiro à solução de razoabilidade proposta, por entender que o encaminhamento melhor atende aos interesses do MPF, no que tange ao cumprimento da Lei 6.739/79, com ressalva do entendimento que fundamenta o presente.

É como voto.

Brasília/DF, data registrada em sistema

SIDNEY PESSOA MADRUGA

Conselheiro 

Notas:

[1] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6739.htm>. Acesso em: 12 out. 2021.

[2] Relatório encaminhado, a pedido, ao Conselheiro Sidney Madruga, no dia 15/09/2021, que envolve situações particulares e de terceiros, muitas há anos sub judice.

[3] Ação de Desapropriação n.º 10925-89.2012.4.01.4100,  n.º 1511-67.2012.4.01.4100, n.º 12259-61.2012.4.01.4100, Ação de Desapropriação indireta n.º 9668-92.2013.4.01.4100, n.º 0001668-35.4.01.4100 e Ação de Reintegração de Posse n.º 2005.41.00.003701-3, n.º 2008.41.00.004101-4.

[4] Operação deflagrada pela Polícia Federal que investiga fraude em processos judiciais de desapropriação de terras em Rondônia, envolvendo agentes públicos e privados. Disponível em: <https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2020/07-noticias-de-julho-de-2020/amicus-regem-pf-investiga-fraudes-em-processos-judiciais-de-desapropriacao-de-terras-em-rondonia>. Acesso em: 12 out. 2021.

[5] Disponível em: <http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2014/08/operacao-castanheira-combate-grilagem-de-terras-e-crimes-ambientais>. Acesso em: 12 out. 2021

[6] Balanço da Gestão PFE/Incra de 2003 a 2010 e perspectivas – MDA/ Incra. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_docman&Itemid=314>. Acesso em: 12 out. 2021.

[7] Art. 1º. A requerimento de pessoa jurídica de direito público ao Corregedor Geral da Justiça, são declarados inexistente e cancelados a matrícula e o registro de imóvel rural vinculado a título de pleno direito, ou feitos em desacordo com o art. 221 e seguintes da Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterada pela Lei 6.216, de 30 de junho de 1975.

[8] Relatoria Ministro Moreira Alves. DJ de 27/5/1983.

[9] Art. 103-B, § 4º. Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I- zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II- zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

[10] Art. 102. O Plenário poderá, por maioria absoluta, editar atos normativos, mediante Resoluções, Instruções ou Enunciados Administrativos e, ainda, Recomendações.

[11] Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no código de Processo Penal: […] III- remeter, no prazo de 48 horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência.

[12] Disponível em <https://mpf.jusbrasil.com.br/noticias/474840609/mpf-quer-aplicacao-efetiva-de-lei-que-permite-cancelamento-de-titulos-de-terras-griladas>. Acesso em: 12 out. 2021.

[13] Art. 102. O Plenário poderá, por maioria absoluta, editar atos normativos, mediante Resoluções, Instruções ou Enunciados Administrativos e, ainda, Recomendações; […] § 2º. Decidida pelo Plenário a edição do ato normativo ou da recomendação, a redação do texto respectivo será apreciada em outra sessão plenária, salvo comprovada urgência. – – /

Dados do processo:

CNJ – Pedido de Providências nº 0003582-47.2014.2.00.0000 – Acre – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJ 31.03.2022

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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