CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Título particular – Ausência de rubricas dos figurantes em todas as folhas do instrumento – Documento que, entretanto, permite concluir pela integridade de seu contexto – Exigência das rubricas que é excessiva, no caso concreto – Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a sentença, permitir o registro pretendido.


  
 

Apelação Cível nº 1002954-21.2021.8.26.0566

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1002954-21.2021.8.26.0566

Comarca: SÃO CARLOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002954-21.2021.8.26.0566

Registro: 2022.0000204718

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002954-21.2021.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é apelante FATIMA MACHADO DE OLIVEIRA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO CARLOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de março de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002954-21.2021.8.26.0566

APELANTE: Fatima Machado de Oliveira

APELADO: Oficial de Resgitro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Carlos

VOTO Nº 38.569 – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Título particular – Ausência de rubricas dos figurantes em todas as folhas do instrumento – Documento que, entretanto, permite concluir pela integridade de seu contexto – Exigência das rubricas que é excessiva, no caso concreto – Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a sentença, permitir o registro pretendido.

Trata-se de apelação (fls. 68/78) interposta por Fátima Machado de Oliveira contra a r. sentença (fls. 51/52 e 62) proferida pela MM.ª Juíza de Direito da 4ª Vara Cível de São Carlos, Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos dessa Comarca, que julgou procedente a dúvida inversa e manteve óbice (fls. 44/45) à lavratura do registro stricto sensu da compra e venda (fls. 15/18) do imóvel da matrícula nº 110.516 (fl. 20; prenotação 423.756 – fls. 45).

Nos termos da r. sentença (fls. 51/52 e 62), o instrumento particular deveria estar rubricado em todas as suas páginas, a bem da segurança jurídica; essas rubricas faltam, entretanto, de sorte que o impedimento levantado pelo Ofício de Registro de Imóveis é procedente e não se pode fazer o registro almejado.

A apelante alega (fls. 68/78) que o contrato de compra e venda foi válida e eficazmente celebrado em 2007, com a assinatura das partes e reconhecimento das firmas por tabelião. Como se vê na Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 221, II, a rubrica de todas as folhas não é requisito legal para a conclusão do negócio jurídico, de maneira que não apenas é descabida a exigência posta pelo Ofício de Registro de Imóveis e mantida pela r. sentença, como ainda colide com a função social dos contratos, a boa fé objetiva e a garantia do direito à propriedade. Ademais, precedentes do Conselho Superior da Magistratura e do próprio Egrégio Tribunal de Justiça já reconheceram a eficácia de instrumento particular ao qual faltassem rubricas, as quais podem ser uma recomendação, mas não uma necessidade. Desse modo, pede a apelante a reforma do r. decisum, para que se afaste o óbice registral.

A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento da apelação (fls. 101/105).

É o relatório.

Em que pese as razões da r. sentença e os bem lançados argumentos da ilustre Procuradoria de Justiça, a apelação deve ser provida.

Acerca da assinatura dos instrumentos particulares, diz o direito brasileiro (grifou-se):

Cód. Civil, art. 221, caput: “O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.”

Lei de Registros Públicos, art. 221, I: “Somente são admitidos registro: II escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;”

Ao mencionar apenas a assinatura, esses textos legais de nenhuma forma podem ser interpretados como se a rubrica das páginas (ou, pelo menos, das folhas) fosse providência sempre dispensável. A assinatura, como regra geral, só fica ligada ao que também foi rubricado, como ensina Pontes de Miranda: “A assinatura somente individualiza aquilo que está acima dela, ou, se há mais páginas, o que está nas outras páginas, se rubricadas. A rubrica não é assinatura, mas é auxiliar da assinatura para ligar as páginas rubricadas à última, que é assinada. A assinatura individualiza e fecha.” (Tratado de Direito Privado III, 3ª ed., reimp. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 366, § 339). Isso decorre do fato de que a primeira característica de um documento qualquer tem de ser a integridade de seu contexto: ainda que a lei não mencione a rubrica, a providência pode fazer-se indispensável para que se garanta que todas as folhas apresentadas efetivamente pertencem a um único e mesmo instrumento.

É claro, pode haver casos em que a integridade do documento esteja certa, independentemente da rubrica de todas as suas folhas ou páginas. Essa hipótese não se pode excluir e, em tal situação (= inexistindo dúvida sobre a composição do instrumento), é realmente excessivo exigir a aposição de rubricas. Nesse sentido o único que resguarda a contento a segurança jurídica, razão de ser dos registros públicos é que se hão de compreender os seguintes julgados deste Conselho da Magistratura

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Instrumento particular de locação – Exigência de rubrica da locadora nas páginas do contrato – Desnecessidade – Exigência que não encontra respaldo na Lei nº 6.015/73 nem nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça Assinatura da locadora devidamente reconhecida por notário – Recurso provido” (Apelação Cível n. 0026786-24.2013.8.26.0100, Rel. Des. Elliot Akel, j. 18.3.2014, DJ 05.05.2014)

“Registro de Imóveis Dúvida julgada procedente Contrato particular de cessão de compromisso de compra e venda Divergências nas descrições das medidas perimetrais e da área total do imóvel contidas no contrato e na matrícula Pretensão de registro abrangendo imóvel com medidas perimetrais e área total superiores às previstas no contrato Impossibilidade Recurso não provido” (Apelação Cível n. 0001775-96.2015.8.26.0140, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 01.11.2019, DJe 09.3.2020).

Consta do relativo voto vencedor:

“Contudo, não se ignora que as rubricas em todas as páginas se destinam a confirmar sua ligação com a página do contrato assinada e que teve as firmas reconhecidas, o que, em tese, permitiria afastar o registro diante de fato indicativo de que o contrato apresentado não corresponde ao seu conteúdo original. No presente caso, porém, não há qualquer elemento que permita afastar a autenticidade do contrato particular apresentado para registro, o que dispensa a exigência de rubrica, também pelo vendedor, da primeira página.”

Em suma: não existindo incerteza sobre o teor do documento, não cabe impor rubricas; se, do contrário, elas faltarem, e não se puder ter certeza sobre a integridade do instrumento, o Oficial de Registro de Imóveis pode exigir que se aponham e negar a inscrição pretendida, por falta de segurança sobre o título formal (Lei n. 6.015/1973, art. 221, II).

In casu, como se verifica a fls. 15/18, é bem verdade que o instrumento não está rubricado por todos em sua primeira folha, e que não traz a rubrica de ninguém na segunda. Porém, a primeira folha está rubricada pelos vendedores, e ali se indicam a coisa e o preço, sem incerteza alguma (fls. 15); de outro lado, a segunda folha não traz cláusula essencial nenhuma do contrato (fls. 16), e está impressa no mesmo tipo de fonte das restantes, dentre as quais a última traz a firma reconhecida de todos (fls. 17/18). Dessa maneira, não obstante o zelo do Oficial de Registro de Imóveis e o cuidado da r. sentença, era realmente excessivo apontar a falta de rubrica como defeito tão grave a ponto de impedir o exame e o ingresso do título formal, de maneira que, provido o apelo, fica afastado o óbice, para permitir o registro rogado.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para, afastado o óbice registral, permitir o registro stricto sensu, como fora rogado (prenotação nº 423.756 fls. 45).

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator ( DJe de 26.05.2022 – SP)

Fonte: INR- Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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