TJSP: Registro de Imóveis – Arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Pretensão de cancelamento de hipotecas, penhoras e ordens de indisponibilidade emanadas de Juízos diversos daquele em que arrematado o imóvel – Necessidade de ordem judicial para o cancelamento das penhoras e ordens de indisponibilidade – Ausência de comprovação da notificação dos credores hipotecários – Inteligência do art. 1.501 do Código Civil – Recurso não provido.


  
 

Número do processo: 1000955-26.2019.8.26.0397

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 266

Ano do parecer: 2021

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1000955-26.2019.8.26.0397

(266/2021-E)

Registro de Imóveis – Arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Pretensão de cancelamento de hipotecas, penhoras e ordens de indisponibilidade emanadas de Juízos diversos daquele em que arrematado o imóvel – Necessidade de ordem judicial para o cancelamento das penhoras e ordens de indisponibilidade – Ausência de comprovação da notificação dos credores hipotecários – Inteligência do art. 1.501 do Código Civil – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto por Agropecuária Bazan S.A. contra r. decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente que manteve a recusa de cancelamento dos ônus (hipotecas, penhoras e ordens de indisponibilidade) que gravam o imóvel matriculado sob n.º 13.000 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Tabelião de Protestos de Letras e Títulos da Comarca de Nuporanga, objeto de arrematação em ação judicial n.º 0002160-54.2012.8.26.0397 (fl. 24/25).

Alegou a recorrente, em suma, que arrematou o imóvel, em ação judicial, com o posterior registro da arrematação (R. 04 da matrícula n.º 13.000). A arrematação, como modo de aquisição originária da propriedade, importou no cancelamento automático de todos os gravames incidentes sobre o imóvel arrematado. Por isso, buscou a tutela recursal para ver sua pretensão acolhida, com o cancelamento de todos os ônus inscritos no registro de imóveis (fl. 37/42).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 60/64). Interposto inicialmente como apelação, o recurso vem sendo processado corretamente, nos termos da decisão de fl. 66/67.

É o relatório.

Opino.

Apresentada a carta de arrematação oriunda dos autos n.º 0002160-54.2012.8.26.0397, realizado o georreferenciamento, o Oficial, após encerrar a matrícula originária n.º 255, procedeu à abertura da nova matrícula n.º 13.000, transportando todos os ônus que gravam o imóvel (hipotecas, penhoras e ordens de indisponibilidade), para, ao depois, efetivar o respectivo registro (fl. 10/13).

Inconformado com tal proceder, chancelado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, o recorrente buscou esta via recursal para o cancelamento de todos os gravames incidentes sobre o imóvel arrematado sob o argumento de que se tratou de aquisição originária da propriedade.

Mas não há como lhe conferir razão.

A alienação forçada em processo judicial encerra transmissão derivada do direito de propriedade por envolver manifestação de vontade do adquirente e do Estado, pressupondo relação jurídica anterior, donde emerge o caráter bilateral da aquisição, apesar da ausência de manifestação de vontade do titular do direito real. Essa situação tem natureza de negócio jurídico entre o adquirente e o Estado, caracterizando aquisição derivada.

Não se desconhece que, em data relativamente recente, o C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação constituía modo originário de aquisição da propriedade. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

Como destaca Josué Modesto Passos, “diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária” (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112).

A respeito:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Observância do princípio da continuidade – Indispensável recolhimento do ITBI – Entendimento do Conselho Superior da Magistratura – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1020648-60.2019.8.26.0602; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 28/4/2020; Data de Registro: 14/5/2020).

Como modo derivado de aquisição da propriedade, a arrematação não tem a força que a recorrente lhe pretende emprestar. O seu registro não gera o cancelamento automático de todos os gravames que pesam sobre o bem, de maneira que a exclusão de cada um deles deve ser feita de acordo com a natureza do ônus.

Para o cancelamento das penhoras e das ordens de indisponibilidade emanadas de Juízos diversos daquele em que arrematado o imóvel, de rigor que a postulação seja feita pelo interessado perante os respectivos Juízos.

A origem judicial das penhoras e ordens de indisponibilidade impõe a análise de sua prevalência pelos respectivos juízos das ações de que emanaram.

Não se permite a revisão na esfera administrativa, para efeito de cancelamento de tais ônus, com sobreposição do juízo administrativo em relação ao jurisdicional.

Nesse sentido, o parecer aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Gilberto Passos de Freitas, publicado em 8 de novembro de 2007:

“No mérito, sem razão o recorrente, uma vez que não se admite o cancelamento automático ou por decisão administrativa do Juízo Corregedor, Permanente ou Geral, de penhoras, a partir de registro da arrematação ou adjudicação do bem constrito, havendo necessidade de ordem judicial expressa dos juízos que determinaram as constrições em respeito ao princípio do paralelismo das formas: desfazimento de ato constritivo oriundo da via jurisdicional exige determinação igualmente jurisdicional, que não se pode suprir na via administrativa” (CGJSP Processo n.º 116/2007).

Isso não impede que o título seja registrado, como, aliás, já ocorreu.

Tocante ao cancelamento da hipoteca, regula a matéria o art. 1.501 do Código Civil, que assim dispõe:

“Art. 1.501. Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução”.

Desse modo, para o cancelamento da hipoteca, após a alienação judicial, não se exige necessariamente autorização expressa ou quitação outorgada pelo credor hipotecário ou seu sucessor, em instrumento público ou particular (art. 251, I, da Lei nº 6.015/73). A prova de que houve a notificação do credor hipotecário para a extinção do direito real de garantia é suficiente (art. 251, II, da Lei nº 6.015/73).

Ensina Francisco Eduardo Loureiro:

“O oficial do registro imobiliário, ao fazer o registro da arrematação/adjudicação, deve exigir prova da prévia intimação do credor hipotecário, para fazer a averbação do cancelamento da hipoteca. Sem tal prova, a arrematação/adjudicação ingressa no registro, mas o imóvel continua gravado” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 14ª ed., São Paulo: Manole, 2020, p. 1.581).

No entanto, in casu, não há informações sobre a notificação dos credores hipotecários.

Sobre a necessidade de notificação do credor hipotecário para o cancelamento da hipoteca após a arrematação, esta Corregedoria Geral também já se posicionou:

“Registro de Imóveis – pretensão de cancelamento de hipoteca, à vista de arrematação ocorrida em ação trabalhista – Ausência de comprovação da notificação do credor hipotecário – Impossibilidade do cancelamento, por força do art. 1.501 do Código Civil” (CGJSP Processo n.º 19760/2014).

E, por fim, quanto ao cancelamento da penhora decorrente da arrematação sequer foi possível identificar na matrícula imobiliária se ainda subsiste a respectiva averbação, pois das constrições judiciais inscritas não se conseguiu relacionar qualquer uma delas com a carta de arrematação levada a registro.

Logo, bem agiu o Oficial Registrador.

Diante do exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência é no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

Caren Cristina Fernandes de Oliveira

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso. São Paulo, 12 de agosto de 2021. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – ADV: RODRIGO DEL VECCHIO BORGES, OAB/SP 173.926.

Diário da Justiça Eletrônico de 18.08.2021

Decisão reproduzida na página 079 do Classificador II – 2021

Fonte: INR- Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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