CSM/SP: Usucapião extrajudicial – Ausência de comprovação do lapso temporal legalmente exigido – Pretensão de soma com a posse exercida pelos herdeiros dos titulares de domínio, que não configura posse ad usucapionem – Inadmissibilidade – Posses de naturezas diversas – Ausência de homogeneidade – Inaplicabilidade do art. 1.243 do código civil – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1021335-72.2021.8.26.0309

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1021335-72.2021.8.26.0309

Comarca: JUNDIAÍ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1021335-72.2021.8.26.0309

Registro: 2022.0000909930

ACÓRDÃO-– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1021335-72.2021.8.26.0309, da Comarca de Jundiaí, em que é apelante NICAA EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA, é apelado 2° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JUNDIAÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de outubro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1021335-72.2021.8.26.0309

APELANTE: Nicaa Empreendimentos e Administração de Bens Ltda

APELADO: 2° Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jundiaí

VOTO Nº 38.827

Usucapião extrajudicial – Ausência de comprovação do lapso temporal legalmente exigido – Pretensão de soma com a posse exercida pelos herdeiros dos titulares de domínio, que não configura posse ad usucapionem – Inadmissibilidade – Posses de naturezas diversas – Ausência de homogeneidade – Inaplicabilidade do art. 1.243 do código civil – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por NICAA EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA., em procedimento de dúvida, suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Jundiaí, visando a reforma da r. Sentença (fls. 353/354) que manteve a recusa de registro de usucapião extrajudicial da área de 6.511,08m², destacada da área maior remanescente das Transcrições nº 21.182; 21.538 e 21.539, do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jundiaí.

A nota devolutiva (fls. 305/323) contém, em suma, a seguinte motivação para a recusa ao procedimento:

“(…) mesmo que seja admitida a soma de posse no presente caso, a requerente não cumpriu o requisito temporal de 15 (quinze) anos de posse para usucapião extraordinária. O início da posse da antecessora Nanci se deu com a abertura da sucessão, ocorrida em virtude do óbito de sua genitora, datado de 18/07/2009.

Considerando a data do protocolo dia 17/03/2021 como marco final do cumprimento do tempo de posse (…) a requerente estaria efetivamente na posse há 11 anos, 7 meses e 27 dias.

(…) não há homogeneidade das posses da requerente e da sua antecessora. A antecessora obteve a posse por meio de sucessão de sua genitora, que é proprietária tabular (…)

(…) O contrato de compromisso de venda e compra, rerratificado para contrato de cessão dos direitos hereditários, a priori, é justo título de acordo com o conceito exposto.

Não obstante, de acordo com a cláusula 2.1, “c”, “c1” do contrato de compromisso (fls. 43/51) e cláusula 3.2.2. do instrumento de rerratificação (fls. 52/57), o preço acordado pelas partes não foi totalmente quitado, impedindo dessa forma o reconhecimento como justo título para usucapião ordinária.”

A apelante aduz, em suma, que exerce posse mansa, pacífica, com animus domini e ininterrupta pelo tempo legalmente exigido, sendo viável a soma com a posse de sua antecessora, que ostenta a mesma natureza. Além disso, há justo título a supedanear o pedido de usucapião ordinária.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 434/438).

É o relatório.

Trata-se de pedido alternativo, formulado pela apelante extrajudicialmente – Usucapião Extraordinária ou Ordinária-, fundado em alegação de posse mansa e pacífica, há mais de vinte anos, sobre a área de 6.511,08m², destacada da área maior remanescente das Transcrições nº 21.182; 21.538 e 21.539 do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jundiaí.

Sustenta a recorrente que adquiriu o imóvel em 10 de junho de 2015, por meio de instrumento particular de compromisso de venda e compra e sua respectiva rerratificação datada de 05 de novembro de 2019, cuja transmitente é Nanci Vieira, com a anuência expressa de Sidney Vieira e sua mulher, tendo sido transmitidos os direitos hereditários que a mesma possuía em decorrência dos falecimentos de Macário Vieira e Martha Defida Ricardo Vieira, ocorridos em 25 de janeiro de 1991 e 18 de julho de 2009, respectivamente.

Macário Vieira e Martha Defida Ricardo Vieira são os titulares de domínio da área maior remanescente dos imóveis objetos das Transcrições nº 21.182; 21.538 e 21.539 do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jundiaí.

O pedido foi indeferido nos moldes da nota devolutiva de fls. 305/323. A dúvida suscitada foi julgada procedente, mantendo-se os óbices ao registro da usucapião (fls. 353/354).

Pois bem.

A dúvida foi suscitada em procedimento de usucapião extrajudicial, com fundamento no art. 17, § 5º do Provimento CNJ nº 65/2017:

“Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.

§ 1º No caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso IV do caput do art. 216-A da LRP, a posse e os demais dados necessários poderão comprovados em procedimento de justificação administrativa perante o oficial de registro do imóvel, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383, todos do CPC.

§ 2º Se, ao final das diligências, ainda persistirem dúvidas, imprecisões ou incertezas, bem como a ausência ou insuficiência de documentos, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido mediante nota de devolução fundamentada.

§ 3º A rejeição do pedido extrajudicial não impedirá o ajuizamento de ação de usucapião no foro competente.

§ 4º Com a rejeição do pedido extrajudicial e a devolução de nota fundamentada, cessarão os efeitos da prenotação e da preferência dos direitos reais determinada pela prioridade, salvo suscitação de dúvida.

§ 5º A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP.”

Incontroverso que somente a partir de 10 de junho de 2015, quando do instrumento particular de compromisso de venda e compra rerratificado em 05 de novembro de 2019, firmado entre Nanci Vieira e a recorrente, é que esta passou a exercer, por si, a posse do imóvel telado.

Considerando que o requerimento extrajudicial foi protocolado na Serventia Imobiliária em 17 de março de 2021, a apelante, por si, ostenta apenas cinco anos de posse, diversamente do que impõem os arts. 1.238 e 1.242 do Código Civil.

A posse da cedente Nanci Vieira, por seu turno, iniciou-se em julho de 2009, quando do óbito de sua genitora Martha Defida Ricardo Vieira.

Assim, ainda que admitida a utilização do instituto da accessio possessionis, previsto no artigo 1.243, do Código Civil (O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”), não se verificaria o preenchimento do requisito temporal porquanto computados aproximados doze anos do início da posse até o protocolo do requerimento no Registro de Imóveis.

Como se não bastasse, certo é que com o óbito de Macário Vieira e Martha Defida Ricardo Vieira, titulares de domínio e genitores da cedente Nanci e seu irmão Sidney, operou-se a sucessão hereditária, transmitindo-se o direito imediata e automaticamente aos herdeiros.

Na lição de Benedito Silvério Ribeiro:

“O herdeiro prossegue na posse do defunto (sucessio possessionis), conforme determina a lei, à qual se obriga, com vícios e qualidades que lhe são inerentes, mesmo que os ignore” (RIBEIRO, B.S., Tratado de Usucapião, volume I, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 817/820).

Assim é que a posse da falecida, in casu, titular de domínio, foi transmitida aos herdeiros com a mesma natureza, não se admitindo, pois, a soma com a posse “ad usucapionem” exercida pela apelante em face da inexistência de homogeneidade.

É como nos ensina Francisco Eduardo Loureiro:

“A acessão da posse exige três requisitos: continuidade, homogeneidade e vínculo jurídico. As posses a ser somadas devem ser contínuas, sem interrupção de solução. Devem ser homogêneas, vale dizer ter as mesmas qualidades, para gerar os efeitos positivos almejados. Deve haver, finalmente, um vínculo jurídico entre o possuidor atual e o anterior. Esse vínculo pode revestir-se de várias modalidades, por exemplo, um negócio jurídico, ou, então, uma arrematação em hasta pública” (Código Civil Comentado, Coord. Min. Cezar Peluso, Manole, 14ª edição, p. 1.332).

Nesse sentido já se decidiu:

“USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. Autor que pretende somar sua posse àquela exercida pelos proprietários, além da posse dos seus antecessores. Inadmissibilidade. “Animus domini” de natureza distinta. Inaplicabilidade do art. 1.243 do Código Civil. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça e do STJ. Lapso temporal não comprovado na data de propositura da ação. Ademais, antecessores que sequer foram citados do trâmite da demanda. Improcedência. RECURSO NÃO PROVIDO” (Apelação Cível nº 1006233-74.2013.8.26.0152, Relator(a): Ana Maria Baldy, 6ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 24/07/2017).

Assim, independentemente da espécie de usucapião, quer extraordinária ou ordinária, como requerido alternativamente pela apelante, certo é que entre a data do exercício da posse mansa, pacífica e ad usucapionem e o protocolo do requerimento extrajudicial, não houve o preenchimento do requisito temporal necessário à aquisição da propriedade, via usucapião.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantendo a recusa do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Jundiaí.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 31.01.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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