1VRP/SP: Registro de Imóveis. ITCMD. Cancelamento, renúncia ou morte do usufrutuário: não é possível exigir o pagamento de tributo sem lei que o institua.


  
 

Processo 1006295-27.2023.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Elizabeth Cotait Maluf – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido para afastar a exigência de comprovação de complementação do ITCMD para averbação da extinção do usufruto. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: ALEXANDRE FONSECA DE MELLO (OAB 222219/SP), LEANDRO MENDONÇA DE OLIVEIRA (OAB 275498/SP), ELLEN GARCIA DOS SANTOS (OAB 336257/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1006295-27.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: 13º Registro de Imóveis

Requerido: Elizabeth Cotait Maluf e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 13º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Elizabeth Cotait Maluf e Heleno Haddad Maluf diante da negativa de averbação de cancelamento do usufruto gravado no Registro n.10 da matrícula n.40.925 daquela serventia pelo falecimento do usufrutuário (prenotação n.371.551).

A recusa se funda na exigência de recolhimento do ITCMD relativo à parcela do usufruto, uma vez que somente dois terços do imposto, relativos à nua-propriedade, foram recolhidos na época da doação.

Documentos vieram às fls. 07/34.

A parte interessada apresentou impugnação às fls.35/39, alegando que o tributo devido foi recolhido na época da doação, sem exigência complementar pela Fazenda Pública desde então; que o artigo 6º, I, “f”, da Lei n.10.705/2000, prevê expressa isenção do ITCMD no caso de extinção do usufruto com reversão do direito ao próprio instituidor; que o cancelamento do usufruto não caracteriza hipótese de incidência do ITCMD.

O Ministério Público opinou pelo afastamento do óbice (fls. 43/47).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n.6.015/73; art.134, VI, do CTN e art.30, XI, da Lei 8.935/1994).

No mérito, porém, e em que pese a cautela, o pedido é improcedente.

Vejamos os motivos.

O caso concreto envolve pedido de averbação de extinção de usufruto em virtude do falecimento do usufrutuário, José Roberto Cotait (fls. 07/08).

Sobre a transmissão por doação incide o ITCMD, cuja base de cálculo é equivalente a um terço do valor do bem na instituição do usufruto por ato não oneroso e dois terços do valor do bem na transmissão não onerosa da nua-propriedade (artigo 9º, §2º, itens 3 e 4, da Lei Estadual n.10.705/00).

Entretanto, somente houve pagamento do tributo relativo à doação da nua-propriedade, optando a parte pelo recolhimento diferido da parcela correspondente ao futuro cancelamento do usufruto (1/3), como autoriza o artigo 31, §3º, item 2, do Decreto Estadual n.46.655/02.

Referido dispositivo regulamentou o recolhimento do ITCMD, permitindo que, na hipótese de doação com reserva de usufruto em favor do doador, como ocorre na espécie, o imposto sobre o valor do usufruto seja recolhido por ocasião da consolidação da propriedade plena em favor do nu-proprietário.

Note-se que, no caso concreto, não se aplica a isenção prevista no artigo 6º, I, “f”, da Lei n.10.705/2000, pois não se trata de instituição de usufruto em favor de terceiro, mas de doação da nua-propriedade com reserva de usufruto pelo doador.

A isenção apontada pela parte interessada somente ocorre quando o proprietário do bem institui usufruto em favor de terceiro, mantendo consigo a nua-propriedade, que se consolida novamente após o instituidor retomar seu direito ao usufruto pelo cancelamento.

No caso dos autos, o proprietário do bem não instituiu usufruto, mas o reservou para si, doando apenas a nua-propriedade (fls.18/22).

Nesse contexto, o recolhimento sobre o valor integral da propriedade antes da lavratura da escritura de doação é facultativo, sendo permitido o adiamento do recolhimento da parcela correspondente ao futuro cancelamento do usufruto (artigo 31, §3º, itens 2 e 3, do Decreto Estadual n.46.655/02).

Corretas, portanto, as razões apontadas pelo Oficial.

Entretanto, a orientação da E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo para casos análogos é no sentido de que a legislação paulista não prevê a incidência do ITCMD quando da consolidação da propriedade plena ou quando da extinção do usufruto.

Assim, a complementação do ITCMD prevista no artigo 31 do Decreto n.46.655/2002 caracteriza hipótese de incidência que não poderia ter sido criada por decreto regulamentar.

Nesse sentido:

“Registro de Imóveis – Averbação de cancelamento de usufruto pela morte da usufrutuária – Consolidação da propriedade em nome do nuproprietário – Exigência do Sr. Oficial de complementação do ITCMD, por 1/3 do valor do bem, uma vez já ter havido recolhimento do tributo, por 2/3 do valor do bem, quando da instituição do usufruto – Exigência afastada pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Consolidação da propriedade que não caracteriza hipótese de incidência do tributo – Precedente desta Corregedoria Geral – Decreto regulamentar nº 46.655/2002, que, na espécie, extrapola seus limites – Parecer pelo desprovimento do recurso” (Processos 1057883-83.2017.8.26.0100, 1057875-09.2017.8.26.0100 e 1058147-03.2017.8.26.0100, Pareceres nºs 415/2017-E, 416/2017-E e 399/2017-E. Cor. Des. Pereira Calças, ap. em 06 e 07 de dezembro de 2017).

No parecer n.399/2017-E, da lavra do MM. Juiz Assessor, Dr. Carlos Henrique André Lisboa, aprovado no processo de autos n.1058147-03.2017.8.26.0100, tal posicionamento vem aclarado:

“A consolidação da propriedade não pode ser tida como transmissão decorrente de sucessão legítima ou testamentária e muito menos de doação.

Por fim, o artigo 9o, § 2o, IV, da mesma Lei Estadual estabelece que, na transmissão não onerosa da nua propriedade, a base de cálculo do ITCMD é equivalente a 2/3 do valor do bem. Por outro lado, não há na Lei menção alguma à complementação desse valor por ocasião da consolidação da propriedade.

Não há dúvida de que o artigo 31 do Decreto n° 46.655/2002, que regulamenta a Lei Estadual n° 10.705/2000, expressamente prevê a necessidade de complementação do ITCMD. por ocasião da consolidação da propriedade plena na pessoa do nu-proprietário. Essa hipótese de incidência, todavia, diante dos limites estabelecidos pela Constituição Federal (artigo 155, I, da CF) e do silêncio absoluto da Lei Estadual que o instituiu, não poderia ser criada por decreto regulamentar”.

No mesmo sentido, seguiram julgamentos mais recentes:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Averbação de cancelamento de usufruto, pela morte da usufrutuária – Consolidação da propriedade em nome do nu-proprietário – Exigência do Sr. Oficial de complementação do ITCMD sobre o valor de 1/3 dos bens – Reiterados precedentes desta Eg. Corregedoria Geral da Justiça no sentido de que a hipótese não caracteriza incidência do tributo – Necessidade de prestígio aos precedentes em prol da previsibilidade e segurança jurídica – Recurso desprovido” (Processo 1120534-20.2018.8.26.0100, Parecer nº 357/2019-

E, Corregedor Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, ap. em 22 de julho de 2019).

“Registro de Imóveis – Cancelamento de usufruto – Comprovação do recolhimento do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e de Doação – ITCMD – Incidente na diferença entre o valor total do imóvel e o valor que serviu como base de cálculo para a aquisição da nuapropriedade pela donatária Hipótese de incidência não prevista na Lei Estadual nº 10.705/2000 – Ausência de transmissão da propriedade no cancelamento do usufruto – Precedentes da Corregedoria Geral da Justiça – Recurso provido” (Processo 1005326-72.2020.8.26.0114, Parecer nº 410/2020-E, Corregedor Des. Ricardo Anafe, ap. em 25 de setembro de 2020).

Note-se que a causa de cancelamento, renúncia ou morte do usufrutuário, como indicado nas ementas citadas, não altera a conclusão.

Nesse contexto, de alinhamento à posição superior no sentido de que não é possível exigir o pagamento de tributo sem lei que o institua, o óbice formulado deve ser afastado.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido para afastar a exigência de comprovação de complementação do ITCMD para averbação da extinção do usufruto.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 06 de fevereiro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 08.02.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.