Processo 1036826-67.2021.8.26.0100
Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Archalouys Zadikian – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Archaloys Zadikian, Kevork Zadikian e Denise Kherlakian Zadikian e, em consequência, mantenho o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: FLAVIO LUTAIF (OAB 75333/SP), EVERTON SIMON ZADIKIAN (OAB 309409/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1036826-67.2021.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS
Suscitante: 8º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Archalouys Zadikian
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Archaloys Zadikian, Kevork Zadikian e Denise Kherlakian Zadikian, tendo em vista negativa em se proceder ao registro de compra e venda, que tem como objeto a vaga de garagem da matrícula n. 12.156 daquela serventia. Informa o Oficial que a negativa foi motivada pelos seguintes óbices: 1) não há registro demonstrando que os compradores são condôminos no edifício em que localizada a garagem objeto da alienação nem convenção condominial autorizando a venda de garagens a pessoas estranhas ao condomínio; 2) divergência do número do Registro Geral da vendedora Livia Toshie Suguita Cha; 3) ausência do documento do ITB e do respectivo pagamento.
Houve esclarecimento de que as duas últimas exigências foram atendidas, remanescendo apenas o primeiro óbice. Documentos vieram às fls. 05/90.
A parte interessada manifestou-se às fls. 101/104, alegando que as normas do art. 1331, § 1º, do Código Civil, e da Lei n. 4591/64 não vedam a transferência de propriedade de vaga de garagem a não-condôminos; que o imóvel objeto da ação já foi transferido a terceiro estranho ao condomínio por força de arrematação em leilão judicial (R.10 e Av.11); que o imóvel jamais serviu como garagem ou guarda de veículos, mas é utilizado como loja, já que não possui acesso físico aos bens de uso e de propriedade comum.
Houve regularização da representação processual (fls. 105/108).
O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 150/152).
É o relatório.
Fundamento e decido.
De início, verifica-se que persiste apenas o inconformismo relativo à primeira exigência, já que houve atendimento às demais pela parte interessada conforme informado pelo Oficial.
No mérito, a dúvida é procedente.
Com efeito, acerca das vagas de garagem, existe norma específica que regula a alienação a não-condômino.
O legislador, em 2012, alterou o §1º, do art. 1.331, do Código Civil para estabelecer o seguinte (destaques nossos):
“§1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio”.
Portanto, a regra é clara no sentido da impossibilidade de terceiro estranho ao condomínio adquirir vaga de garagem.
A finalidade da lei é clara: preservar a segurança da vida condominial, uma vez que permitir que pessoa estranha ao condomínio utilizasse o espaço da garagem implicaria riscos.
Vale destacar que, mesmo que a alienação tenha ocorrido anteriormente à alteração legal, é o momento da entrada do título no protocolo de registro que define quais serão as regras aplicáveis (processos de dúvida de n. 0018245-70.2011 e 1112268-83.2014), o que torna imperiosa a observância da única exceção legal prevista para o caso: autorização expressa na convenção condominial para alienação a pessoas estranhas ao condomínio, o que não localizamos na hipótese (fls. 129/137).
Quanto à alegação da parte suscitada de que o imóvel já foi objeto de alienação para não-condômino por meio de arrematação em leilão judicial (R.10 – fls. 25/26), tratase de exceção admitida justamente porque a arrematação caracteriza-se como alienação forçada, proveniente de ordem judicial: coercitivamente, é transferida a propriedade do devedor ao credor em virtude da inadimplência de uma obrigação.
Nesse sentido, a Apelação Cível n. 9000002-19.2013.8.26.0531, julgada pelo Conselho Superior da Magistratura, com relatoria do Desembargador Elliot Akel:
” (…) A arrematação constitui forma de alienação forçada, e que, segundo ARAKEN DE ASSIS, revela negócio jurídico entre o Estado, que detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade do adquirente (Manual da Execução. 14ª edição. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 819). É ato expropriatório por meio do qual “o órgão judiciário transfere coativamente os bens penhorados do patrimônio do executado para o credor ou para outra pessoa.
O fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário (executado) e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não afasta, contudo, o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade”.
Por tal razão (alienação forçada), a arrematação também é alcançada pela vedação prevista no art. 1.331, § 1º, do Código Civil, que se refere a alienações voluntárias.
Assim, mesmo nessa hipótese, o arrematante não poderia utilizar o bem, restando a ele a alienação da vaga a algum condômino, conforme decidido por este juízo no feito de autos n. 1003300-17.2018.26.0100.
Por fim, em que pesem os elementos trazidos pela parte suscitada para comprovar que a vaga de garagem é utilizada de forma distinta àquela descrita em sua matrícula (ponto comercial), incluindo manifestação do condomínio de que o imóvel não possui acesso à área comum e conta com instalações de água e energia elétrica individualizadas (fls. 125/128 e 138/139), não há indicação expressa de que houve assembleia condominial para mudança de destinação, à vista do que se exige aprovação pela unanimidade dos condôminos, nos termos do
disposto no art. 1.351 do Código Civil:
“Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos”.
Como se vê, sob qualquer aspecto, mostra-se acertada a qualificação negativa do título apresentado para registro.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Archaloys Zadikian, Kevork Zadikian e Denise Kherlakian Zadikian e, em consequência, mantenho o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.
P.R.I.C.
São Paulo, 25 de junho de 2021. (DJe de 30.06.2021 – SP)
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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