CSM/SP: Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Demonstração do exercício de posse por período inferior ao de quinze anos previsto no art. 1.238 do Código Civil – Apelantes que não residem no imóvel usucapiendo – Construção de casa, piscina e churrasqueira que não são suficientes para demonstrar que foi dado ao imóvel uso produtivo, ou que nele são prestados serviços, especialmente diante da constatação de que se trata de chácara de lazer, o que impede a redução do prazo prescricional para dez anos com fundamento no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil – Aquisição do imóvel por usucapião ordinário que não decorre do requerimento inicial e da ata notarial em que indicado como fundamento da aquisição do domínio o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1001840-64.2020.8.26.0604

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001840-64.2020.8.26.0604
Comarca: SUMARÉ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001840-64.2020.8.26.0604

Registro: 2021.0000303811

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001840-64.2020.8.26.0604, da Comarca de Sumaré, em que são apelantes LINCOLN SANCHES MURARI e JOSEANE CARVALHO MURARI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SUMARÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 15 de abril de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001840-64.2020.8.26.0604

Apelantes: Lincoln Sanches Murari e Joseane Carvalho Murari

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sumaré

VOTO Nº 31.491

Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Demonstração do exercício de posse por período inferior ao de quinze anos previsto no art. 1.238 do Código Civil – Apelantes que não residem no imóvel usucapiendo – Construção de casa, piscina e churrasqueira que não são suficientes para demonstrar que foi dado ao imóvel uso produtivo, ou que nele são prestados serviços, especialmente diante da constatação de que se trata de chácara de lazer, o que impede a redução do prazo prescricional para dez anos com fundamento no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil – Aquisição do imóvel por usucapião ordinário que não decorre do requerimento inicial e da ata notarial em que indicado como fundamento da aquisição do domínio o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

1- Trata-se de apelação interposta por Lincoln Sanches Murari e Joseane Carvalho Murari contra r. sentença que manteve a recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Sumaré em promover o registro da aquisição da propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 53.324, por usucapião, porque o procedimento extrajudicial não foi instruído com prova do exercício de posse, pelos apelantes e sua antecessora, pelo período de quinze anos, porque não foram comprovadas as causas de redução do prazo prescricional previstas no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil e em razão da inexistência de justo título que permita a aquisição do domínio por usucapião ordinário.

Os apelantes alegaram, em suma, que a posse do imóvel foi originalmente exercida, no período de 1º de fevereiro de 1988 a 03 de agosto de 2006, por Iraildes Joana Noveleto e Igor Almir Silva, que a adquiriram com anuência dos proprietários que, para essa finalidade, outorgaram procuração por instrumento público, em 22 de janeiro de 1988, para empresa que recebeu poderes para representá-los na alienação de imóveis. Asseveraram que Iraildes e Igor cederam a posse para Alessandra Sanches Murari, em 03 de agosto de 2006, constando no contrato de cessão a data de início da posse cedida. Por sua vez, adquiriram a posse de Alessandra, por contrato celebrado em 30 de outubro de 2017. Aduziram que o exercício da posse, com início em 1988, foi demonstrado por documentos e que não há vedação para a soma das posses desde o seu início. Ademais, exercem a posse com justo título, uma vez que originada em procuração outorgada pelos proprietários do imóvel para empresa que transmitiu a posse em favor de Iraildes e Igor, sendo esse título complementado pelos contratos posteriormente celebrados entre os possuidores originais e os seus sucessores. Aduziram que o exercício da posse independe de contato físico com a coisa, bastando que os possuidores tenham comportamento similar ao de proprietários, o que ocorreu em relação a Iraildes e Igor. Requereram a improcedência da dúvida, com o afastamento das exigências formuladas (fl. 415/426).

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 447/450).

É o relatório.

2-Cuida-se de procedimento extrajudicial de usucapião do imóvel consistente no lote 02 da quadra 03 do Parque São Bento, objeto da matrícula nº 53.324 do Registro de Imóveis da Comarca de Sumaré, formulado com fundamento no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil, em que os apelantes afirmam que, por si e seus antecessores, exercem a posse do imóvel há treze anos, de forma mansa e pacífica, nele tendo construído uma casa (fl. 04/11).

Os titulares do domínio do imóvel foram notificados por edital, sendo dispensada a notificação dos confrontantes, na forma do § 10 do art. 10 do Provimento CNJ nº 65/2017, porque a planta e o memorial descritivo reproduzem as medidas perimetrais e as confrontações indicadas na matrícula (fl. 323).

O registro da aquisição do domínio pela usucapião foi recusado pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis porque a ata notarial e os demais documentos apresentados comprovam o exercício de posse, mantida pelos apelantes e seus antecessores, pelo período de treze anos, o que é insuficiente para a aquisição do domínio pela usucapião prevista no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil que demanda posse por dez anos se o possuidor estabelecer sua moradia no imóvel, ou nele realizar obras ou serviços de caráter produtivo, o que não ocorreu in casu.

No que tange à moradia, ainda conforme o Sr. Oficial de Registro de Imóveis, a ata notarial demonstra que os apelantes residem em local distinto do imóvel usucapiendo que, por sua vez, seria utilizado como chácara de lazer (fl. 323/326).

A negativa do registro foi mantida pela nota devolutiva emitida em razão de novos documentos apresentados pelos apelantes, em que foi esclarecido que a natureza de uso como chácara de lazer foi confirmada em diligência realizada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis, sendo as construções consistentes em piscina e churrasqueira destinadas ao lazer, não caracterizando obras de caráter produtivo a que se refere o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil (fl. 366/369).

Conforme os arts. 3º e 4º do Provimento CNJ nº 65/2017, o procedimento extrajudicial de usucapião deve ser instruído com requerimento em que indicadas a modalidade da usucapião pretendida e a origem da posse do requerente e dos seus antecessores, elementos que também devem constar da ata notarial que, obrigatoriamente, instruirá o pedido:

Art. 3º O requerimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião atenderá, no que couber, aos requisitos da petição inicial, estabelecidos pelo art. 319 do Código de Processo Civil – CPC, bem como indicará:

I – a modalidade de usucapião requerida e sua base legal ou constitucional;

II – a origem e as características da posse, a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo, com a referência às respectivas datas de ocorrência;

III – o nome e estado civil de todos os possuidores anteriores cujo tempo de posse foi somado ao do requerente para completar o período aquisitivo;

(…)

Art. 4º O requerimento será assinado por advogado ou por defensor público constituído pelo requerente e instruído com os seguintes documentos:

I – ata notarial com a qualificação, endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, e do titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião que ateste:

a) a descrição do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo;

b) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores;

c) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente;

d) a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional; (…)”.

Não há, em princípio, vedação para que os requisitos para o reconhecimento da usucapião sejam comprovados durante o procedimento extrajudicial, caso subsista dúvida ao Oficial de Registro de Imóveis em decorrência dos documentos apresentados com o requerimento inicial.

Contudo, a comprovação desses requisitos deve ser promovida em conformidade com o fundamento legal indicado pelo requerente da usucapião, uma vez que se cuida de procedimento bilateral em que os titulares do domínio do imóvel, seus confrontantes e terceiros interessados são notificados para oferecer impugnação sobre os fatos e fundamentos inicialmente deduzidos, importando a impugnação em remessa dos interessados às vias ordinárias, como previsto no § 10 do art. 21-A da Lei nº 6.015/1973:

§ 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum“.

Neste caso, reitero, os apelantes requereram o registro da usucapião com fundamento no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil (fl. 04), o que fizeram afirmando que, por si e seus antecessores, exercem a posse do imóvel há 13 anos (fl. 05), nele construindo um prédio (fl. 06).

A ata notarial apresentada para a comprovação desses fatos indica, de igual modo, que os apelantes declararam que, também por si e seus antecessores, exercem a posse do imóvel há treze anos, o que foi comprovado com a apresentação de contrato de cessão de posse celebrado em 03 de agosto de 2006 e de documentos que demonstram o pagamento de despesas relativas ao imóvel vencidas a partir de dezembro de 2007 (fl. 21).

Na forma do art. 1.238, parágrafo único, do Código Civil, a aquisição do domínio de imóvel por usucapião extraordinário depende do exercício de posse ininterrupta por quinze anos, sendo o prazo reduzido para dez anos se o possuidor residir no imóvel, ou nele realizar obras ou serviços de caráter produtivo:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo“.

Os apelantes, porém, não comprovaram residir no imóvel usucapiendo, assim como não demonstraram que nele prestam serviços ou introduziram acesses ou benfeitorias de caráter produtivo, com o que não se encontra presente o requisito do parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil para a redução do prazo, de quinze para dez anos.

Na ata notarial os requerentes declararam que residem na Rua Jarbas Eichembergue, Residencial Portal do Lago, local distinto do imóvel usucapiendo (fl. 19).

E a construção de casa, piscina e churrasqueira não basta para o reconhecimento de que foi dado uso produtivo ao imóvel, ao passo que o exercício de atividade produtiva decorrente da prestação de serviços, sendo o imóvel urbano, não decorre do requerimento inicial e das demais manifestações apresentadas pelos apelantes.

Por fim, além de não se cuidar do fundamento adotado no requerimento de registro da aquisição do domínio do imóvel pela usucapião, também não estão presentes os requisitos para o reconhecimento, neste procedimento, da existência de justo título.

Alessandra Sanches Murari, antecessora dos apelantes, recebeu a posse do imóvel por contrato particular de permuta celebrado, em 03 de agosto de 2006, com Iraídes Joana Noveletto e Igor Almir Silva, em que constou que os cedentes o adquiriram por contrato de compromisso de compra e venda celebrado com a empresa MAIC Imóveis S/C Ltda. (fl. 163/167).

Essa posse foi cedida aos apelantes por contrato celebrado em 30 de outubro de 2017 (fl. 167/171), em que foi indicada, de forma expressa, a inexistência de título apto, ainda que de forma aparente, para a transmissão do domínio, restando a usucapião como única forma para a obtenção da propriedade:

CLÁUSULA TERCEIRA

Fica ciente o comprador que para receber o título de propriedade e registro do referido imóvel, terá que ser somente em forma de USUCAPIÃO” (fl. 169).

Esse título não corresponde, sequer de forma aparente, a negócio jurídico apto para a transmissão do domínio, de forma a permitir aos adquirentes da posse a convicção de que passaram a exercê-la com justo título.

Assim também não decorre da procuração reproduzida a fl. 173, que foi outorgada pelos proprietários do imóvel para MAIC Imóveis S/C Ltda. no ano de 1988, pois não é apta para transmissão do domínio do lote 02 da quadra 03 do Parque São Bento e porque não basta para provar que os apelantes exerceram a posse com justo título, o que, reitero, não foi indicado no requerimento inicial e na ata notarial como fundamento para a aquisição do imóvel por modalidade que é distinta da prevista no art. 1.238 do Código Civil.

Por fim, o recibo de fl. 355, outorgado em 16 de janeiro de 2020, não substitui o contrato de compromisso de compra e venda celebrado por Iraídes e Igor com os proprietários do imóvel, ou seu representante, que não foi apresentado pelos apelantes.

3 – Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 07.07.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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