Inventário – Partilha homologada que não contemplou o companheiro da autora da herança como herdeira dos bens particulares por esta deixados – Nulidade evidenciada – União estável reconhecida por sentença – Inexistência de contrato disciplinando o regime de bens da convivência – Aplicação do regime de comunhão parcial – Art. 1.725 do Código Civil – Companheiro supérstite que tem direito hereditário sobre os bens particulares, em concorrência com os descendentes – Art. 1829, inciso I, do Código Civil – Sentença homologatória anulada – Nova partilha que deve obedecer a regra do art. 1832 do Código Civil


  
 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0007104-49.2005.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que são apelantes OSWALDO NAVARINI (ESPÓLIO) e ELIZABETH DE GODOI (INVENTARIANTE), são apelados RITA PUGLIESE PEREZ e ANDREIA PEREZ.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CLAUDIO GODOY (Presidente) E FRANCISCO LOUREIRO.

São Paulo, 10 de junho de 2022.

RUI CASCALDI

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

VOTO N°: 50174

APEL.Nº: 0007104-49.2005.8.26.0590

COMARCA: SÃO VICENTE

APTE. : ESPÓLIO DE OSWALDO NAVARINI

APDAS. : RITA PUGLIESI PEREZ E OUTRA

JUIZ : THIAGO GONÇALVES ALVAREZ

INVENTÁRIO – Partilha homologada que não contemplou o companheiro da autora da herança como herdeira dos bens particulares por esta deixados – Nulidade evidenciada – União estável reconhecida por sentença – Inexistência de contrato disciplinando o regime de bens da convivência – Aplicação do regime de comunhão parcial – Art. 1.725 do Código Civil – Companheiro supérstite que tem direito hereditário sobre os bens particulares, em concorrência com os descendentes – Art. 1829, inciso I, do Código Civil – Sentença homologatória anulada – Nova partilha que deve obedecer a regra do art. 1832 do Código Civil – Recurso provido.

Trata-se de apelação de sentença que homologou partilha nos autos de inventário dos bens deixados por Amélia de Freitas Pugliesi.

Recorre o espólio do companheiro meeiro, sustentando, em síntese, a condição deste de herdeiro necessário da parte indisponível da herança.

Recurso processado com resposta.

É o relatório.

O recurso comporta provimento.

Reconhecida, por sentença, a união estável entre Oswaldo Navarini e a autora da herança, e diante da inexistência de contrato disciplinando o regime de bens da convivência, aplica-se o regime de comunhão parcial, nos termos do artigo 1.725 do Código Civil.

Destarte, o companheiro da autora da herança tem direito, não só à meação dos bens adquiridos durante a união estável, como à parte dos bens particulares, em concorrência com a única descendente herdeira, Rita Pugliesi Perez, observada a regra do art. 1.832 do Código Civil, o que foi desconsiderado pela sentença apelada.

Nesse sentido:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. CONCORRÊNCIA HÍBRIDA. FILHOS COMUNS E EXCLUSIVOS. ART. 1790, INCISOS I E II, DO CC/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. APLICAÇÃO AO CÔNJUGE OU CONVIVENTE SUPÉRSTITE DO ART. 1829, INCISO I, DO CC/2002. DOAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA DE RECONHECIMENTO DA VIOLAÇÃO DA METADE DISPONÍVEL. SÚMULAS 282/STF E 7/STJ.

1. Controvérsia em torno da fixação do quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança.

2. O Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do e. Min. Luís Roberto Barroso, quando do julgamento do RE 878.694/MG, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CCB tendo em vista a marcante e inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável.

3. Insubsistência da discussão do quanto disposto nos incisos I e II do art. 1.790, do CCB, acerca do quinhão da convivente – se o mesmo que o dos filhos (desimportando se comuns ou exclusivos do falecido) -, pois declarado inconstitucional, reconhecendo-se a incidência do art. 1.829 do CCB.

4. “Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus.” (REsp 1368123/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015, DJe 08/06/2015)

5. Necessária aplicação do direito à espécie, pois, reconhecida a incidência do art. 1.829, I, do CCB e em face da aplicação das normas sucessórias relativas ao casamento, aplicável o art. 1.832 do CCB, cuja análise deve ser, de pronto, realizada por esta Corte Superior, notadamente em face da quota mínima estabelecida ao final do referido dispositivo em favor do cônjuge (e agora companheiro), de 1/4 da herança, quando concorre com seus descendentes.

6. A interpretação mais razoável do enunciado normativo do art. 1.832 do Código Civil é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns. Enunciado 527 da Jornada de Direito Civil.

7. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CCB) e da própria Constituição Federal (art. 227, §6º, da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma.

8. Não haverá falar em reserva quando a concorrência se estabelece entre o cônjuge/companheiro e os descendentes apenas do autor da herança ou, ainda, na hipótese de concorrência híbrida, ou seja, quando concorrem descendentes comuns e exclusivos do falecido.

9. Especificamente na hipótese de concorrência híbrida o quinhão hereditário do consorte há de ser igual ao dos descendentes.

10. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(REsp 1617650/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 01/07/2019)

Em suma, a sentença apelada merece reforma para que se determine à inventariante a retificação do plano de partilha apresentado, com a inclusão dos direitos hereditários do espólio apelante em relação aos bens particulares da autora da herança, tidos por incontroversos, e determinar a sua partilha, observados os termos do artigo 1.832 do Código Civil.

Diante do exposto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso.

RUI CASCALDI

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 0007104-49.2005.8.26.0590 – São Vicente – 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Rui Cascaldi – DJ 20.06.2022

Fonte: INR Publicações 

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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