CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Arrolamento – Suposta ofensa ao princípio da especialidade subjetiva não configurada – Exigência de documentação pessoal atualizada afastada – ITCMD – Necessidade de comprovação de recolhimento do imposto, ou de demonstração de sua isenção – Óbice mantido – Apelação não provida.


  
 

Apelação Cível nº 1015474-45.2020.8.26.0114

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1015474-45.2020.8.26.0114

Comarca: CAMPINAS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1015474-45.2020.8.26.0114

Registro: 2022.0000433977

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1015474-45.2020.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante MARIA JOSÉ MAURÍCIO DA SILVA, é apelado 3º OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS-SP.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 31 de maio de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1015474-45.2020.8.26.0114

APELANTE: Maria José Maurício da Silva

APELADO: 3º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas-sp

VOTO Nº 38.695

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Arrolamento – Suposta ofensa ao princípio da especialidade subjetiva não configurada – Exigência de documentação pessoal atualizada afastada – ITCMD – Necessidade de comprovação de recolhimento do imposto, ou de demonstração de sua isenção – Óbice mantido – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Maria José Maurício da Silva contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada, em razão da recusa do registro, na matrícula nº 39.065 do 3º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas, de formal de partilha dos bens deixados pelo falecimento de Benedicta Sebastiana da Silva e Nércio Maurício da Silva porque impositivo o recolhimento do Imposto de Transmissão Causa Mortis (ITCMD) ou a apresentação de declaração de isenção, bem como por entender que as certidões acostadas aos autos do inventário se encontram desatualizais devido ao tempo transcorrido desde a partilha, configurando ofensa ao princípio da especialidade subjetiva (fls. 127/130).

Alega a apelante, em síntese, que o dever legal de fiscalização imposto ao Oficial não justifica a exigência de recolhimento do ITCMD para fins de registro, certo que a Lei de Registros Públicos não impõe a quitação de tributos como condição para a prática do ato registral. Aduz que o Oficial não pode exigir o pagamento do ITCMD porque não representa a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, certo que o dever de fiscalização que lhe cabe deve ser dar nos limites de sua competência. Assim, entende que o Oficial não pode obstar o registro caso entenda haver divergência no valor recolhido, devendo somente comunicar o ocorrido à autoridade competente para que sejam tomadas eventuais providências cabíveis. No mais, sustenta que as informações requeridas pelo Oficial, relativas à qualificação das partes, já se encontram nos autos do inventário, em que juntados diversos documentos que atendem à exigência formulada. Ressalta que referidos documentos foram apresentados pelas próprias partes e não sofreram alteração, o que afasta o óbice apresentado ao registro pretendido (fls. 137/148).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 165/170).

É o relatório.

O registro do formal de partilha foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução com as seguintes exigências (fls. 08/09):

“1-Fazer prova do recolhimento do imposto ou da isenção do “imposto causa mortis” – ITCMD devido nos inventários de Benedita Sebastiana da Silva e de Nércio Mauricio da Silva, bem como acompanhado expressa manifestação da Procuradoria Secretaria da Fazenda do Estado, como determina o Decreto n° 46.655/2002 e art. 289 a Lei 6015/73.

2- Aditar o presente Formal, para:

a – da partilha de Benedita Sebastiana da Silva, arrolar a totalidade (100%) do imóvel, bem como, a pagamento da meação que cabe ao viúvo meeiro Nércio Mauricio da Silva, haja vista reiteradas decisões da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

(…)

b – para atender as exigências do art.176 da Lei 6.015/76 – Lei de Registro Públicos, constar:

• O estado civil de Maria José Mauricio da Silva e Ernestino Moreira da Costa;

• O estado civil de Ana Cláudia Maurício da Silva e Adilson de Oliveira Bevilacqua, bem com, o RG, CPF, nacionalidade e profissão do mesmo;

• Nome, RG, CPF, nacionalidade e profissão do cônjuge de João Donizete Maurício da Silva;

• Nome, RG, CPF, nacionalidade e profissão do cônjuge de José Aparecida Mauricio da Silva.” Superada a exigência trazida no item “2”, alínea “a”, da nota de devolução antes expedida, a apelante reapresentou o título para protocolo e requereu a suscitação de dúvida quanto aos óbices remanescentes.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, que segue as regras vigentes ao tempo em que a inscrição (lato sensu) foi rogada (princípio tempus regit actum).

Quanto ao óbice apresentado pelo registrador, decorrente da suposta ofensa ao princípio da especialidade subjetiva, mister anotar que o item 61, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça prevê que:

61. A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977.

Ainda sobre as exigências de documentação pessoal, vale também anotar o que foi comentado por Walter Ceneviva sobre o art. 176, § 1º, inciso II, 4, “a” da Lei nº 6.015/73:

“Para a pessoa física, considerando a realidade nacional, em que muitas pessoas não dispõem do documento identidade, pode ser utilizada a certidão do registro civil, comprovando filiação, indicados o cartório, livro e folha e data em que ocorreu o registro”.

In casu, o título apresentado à serventia imobiliária não ingressou no fólio real porque a interessada deixou de apresentar documentação referente à qualificação dos herdeiros. A propósito do tema, merece transcrição ilustrativo trecho do v. acordão proferido nos autos da Apelação nº 0013913-10.2013.8.26.0482, em que figurou como Relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador PEREIRA CALÇAS:

“Sabe-se que a atividade registral é pautada pelo princípio da legalidade, o qual se sobressai em importância no momento da qualificação do título, impondo ao registrador a análise dos requisitos do documento que conduz ao registro. Com isso, não há espaço para discricionariedade, sendo ilícita qualquer providência que, na esfera extrajudicial, possa liberar os interessados do descumprimento da legislação.

A especialidade subjetiva3 é princípio registral e, como tal, deverá ser efetivado para combater a imprecisão que tanto compromete a segurança do sistema. No entanto, o excessivo rigor com a documentação será considerado abusivo e aí, sim, caberá intervenção judicial para levantar o obstáculo ao registro quando não houver dúvida sobre a identificação dos usuários do serviço.

É preciso respeitar o dispositivo que atribui fé pública aos documentos judiciais (art. 19, II, da CF) para decidir sobre a aptidão do Formal de Partilha. A qualificação completa das partes consta dos autos do inventário, sendo o suficiente para comprovar o estado de filiação, nos art. 176, §1º, II, 4, “a” da Lei nº 6.015/73.

Na verdade, o excesso de formalismo e a preocupação com as mudanças das decisões imbuídas de caráter normativo4 são assuntos recorrentes no âmbito registral, exatamente porque a observância do princípio da legalidade busca a almejada estabilidade jurídica que concede segurança para o usuário. O cenário, embora compreensível sob a ótica dos delegados, não pode burocratizar a função judicial, retirando do juiz o necessário tirocínio voltado à adequada interpretação de uma situação concreta (…).

Portanto, os documentos existentes no expediente permitem, de forma razoável, a identificação da viúva e dos herdeiros, o que é suficiente para afastar os riscos de “homonímia”, até porque serão escriturados o nome completo e a filiação. O episódio justifica o ingresso do Formal da Partilha sem comprometer a confiança dos dados cadastrais, não havendo motivo para obstar a formalização do registro e a abertura de matrícula.

(…)

3 – De acordo com VENICIO SALLES: “A especialidade subjetiva envolve a identificação e qualificação dos sujeitos da relação jurídico, que deve ser absolutamente individuada, ou melhor, deve a descrição subjetiva caracterizar o indivíduo, pessoa única e apartada nos demais” (Direito Registral Imobiliário, Ed. Saraiva, 3ª Edição, 2012, pg.27).

4 – JOÃO RABELLO DE AGUIAR VALLIM alertou que “Nesse particular, têm elas grande relevância, pois uma decisão imprudente ou desacertada poderia revolucionar a sistemática do Registro de Imóveis. Entendo que tais decisões rebarbativas, que subvertem a ordem do processo imobiliário, ou melhor, o sistema adotado pelo Código Civil e seu Regulamento, não devem adquirir o caráter normativo, e assim não devem os Oficiais de Registro seguir tal orientação em casos idênticos, mas obedecer a lei” (Direito Imobiliário Brasileiro, Doutrina e Prática, Editora Revista dos Tribunais, 1980, pgs. 220/221)”.

Na hipótese em análise, a documentação apresentada foi submetida à apreciação judicial e nada há nos autos a indicar que o Juiz do arrolamento não tenha dado adequada interpretação à situação fática que lhe foi apresentada e consequente partilha. Ressalte-se que os documentos referidos a fls. 12, item “5”, permitem, de maneira bastante razoável, a identificação dos herdeiros referidos na nota de devolução, o que é suficiente para o ingresso do formal de partilha sem comprometimento da confiança dos dados cadastrais junto à serventia imobiliária.

Ademais, o tempo transcorrido desde a juntada dos documentos das partes aos autos do arrolamento não justifica a exigência formulada, certo que eventual alteração posterior no estado civil dos interessados em nada interferirá na partilha homologada judicialmente.

Por outro lado, a indicação da nacionalidade, o número dos documentos e a profissão das partes, ao que consta, também já se encontram nos autos e, ainda que assim não fosse, não haveria motivos para negativa do registro do formal de partilha ante a inexistência de dúvida a respeito da identificação dos herdeiros.

Esse óbice, portanto, merece ser afastado.

A solução é diversa em relação ao outro óbice apresentado pelo registrador, que deve ser mantido.

Assim se afirma, pois a prova do recolhimento do ITCMD ou de sua isenção tem amparo na Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000 (art. 2º, inciso I, e art. 8º, inciso I), no Decreto nº 46.655, de 01 de abril de 2002 (arts. 21 e seguintes), bem como na

Portaria CAT 89/90, de 26 de setembro de 2020 (art. 12).

A Portaria CAT 89/90, que disciplina procedimentos a serem observados pelos cartórios e pelas demais pessoas jurídicas que menciona, em relação a atos praticados sob sua responsabilidade passíveis de tributação pelo Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos ITCMD, em seu Capítulo IV, art. 12, assim prescreve:

Art. 12 – Quando do registro de alterações na propriedade de imóvel, ocorridas em virtude de transmissão “causa mortis”, os Cartórios de Registro de Imóveis deverão exigir os seguintes documentos:

I – na hipótese de transmissão realizada por meio de     inventário judicial:

a) cópia da Declaração de ITCMD em que constem os imóveis objetos da transmissão, avaliados conforme o capítulo IV da Lei 10.705/2000;

b) certidão de homologação, expedida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento, referente ao número da Declaração de ITCMD apresentada e, tratando-se de “Certidão de Homologação – Sem Pagamento”, comprovante de pagamento dos débitos declarados na referida declaração de ITCMD;

II – na hipótese de transmissão realizada por arrolamento:

a) cópia da Declaração de ITCMD em que constem os imóveis objetos da transmissão, avaliados conforme o capítulo IV da Lei 10.705/2000;

b) certidão de homologação, expedida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento, referente ao número da Declaração de ITCMD apresentada;”

Como se vê, embora seja desnecessária, no procedimento de arrolamento que tramitou na esfera judicial, a comprovação da quitação do imposto de transmissão – ITCMD como requisito para homologação da partilha (arts. 659 e 662 do Código de Processo Civil), é certo que, ao ser apresentado a registro o formal de partilha o Oficial, tem o dever de fiscalizar o recolhimento dos tributos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados, sob pena de responsabilização pessoal (artigo 289, da Lei nº 6.015/73).

A omissão do delegatário pode levar, inclusive, à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo (art. 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional).

Ademais, no caso concreto, não se trata de apuração do valor recolhido, mas sim, de efetivo não recolhimento e não comprovação de isenção.

Por tais razões, sem o atendimento da providência questionada, inviável o pretendido registro. Nesse sentido:

Registro de Imóveis. Formal de partilha. Comprovação de pagamento do ITCMD. Necessidade de apresentação de certidão de homologação pela Fazenda. Óbice mantido. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 0000534-79.2020.8.26.0474; Rel. DES. RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Potirendaba – Vara Única; Data do Julgamento: 25/02/2021; Data de Registro: 05/03/2021).

REGISTRO DE IMÓVEIS. Formal de Partilha. Ausência de comprovação de recolhimento de Imposto de Transmissão causa mortis-ITCMD. Dever do Oficial de velar pelo seu recolhimento, exigindo a apresentação das respectivas guias, o que não ocorreu em relação a todos os herdeiros. Ausência de discussão quanto ao acerto do cálculo, mas sim ao não recolhimento do tributo, mesmo em valor supostamente inferior ao devido. Cindibilidade do título. Impossibilidade. Indeterminação do que tenha sido partilhado e a quem. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1000506-36.2018.8.26.0128; Rel. DES. PINHEIRO FRANCO (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Cardoso – Vara Única; Data do Julgamento: 23/11/2018; Data de Registro: 06/12/2018).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator ( DJe de 11.08.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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