CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa julgada procedente – Instrumento particular de compra e venda – Pretensão de ingresso no fólio real como compromisso de compra e venda – Termos do contrato que deixam clara a existência de contrato de compra e venda – Consenso válido sobre a coisa, o preço e as condições do negócio – Imóvel negociado de valor superior a trinta salários mínimos – Escritura pública obrigatória, nos termos do art. 108 do Código Civil – Inobservância do princípio da especialidade objetiva por ausência da descrição do imóvel rural a contento – Inteligência do disposto no art. 2º, “caput”, da Lei 7.433/1985 c.c. art. 225, §§1º e 2º, da Lei 6.015/1973 – Inobservância do princípio da especialidade subjetiva pela ausência de outorga da esposa do vendedor, com quem é casado pelo regime da comunhão universal de bens – Observância do art. 1.647, I, do CC – Rasura no número do CPF que, no caso, não justificava o óbice – Vontade das partes que não estaria por isso comprometida – Número que poderia ser aferido de outro modo – Mantidas todas as demais exigências – Recurso desprovido.


  
 

Apelação Cível n.º 1001138-63.2021.8.26.0417

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001138-63.2021.8.26.0417
Comarca: PARAGUAÇU PAULISTA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível n.º 1001138-63.2021.8.26.0417

Registro: 2022.0000433975

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1001138-63.2021.8.26.0417, da Comarca de Paraguaçu Paulista, em que é apelante LAUDELINO DO NASCIMENTO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PARAGUAÇU PAULISTA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 31 de maio de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001138-63.2021.8.26.0417

Apelante: Laudelino do Nascimento

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Paraguaçu Paulista

VOTO N.º 38.690– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Registro de Imóveis – Dúvida inversa julgada procedente – Instrumento particular de compra e venda – Pretensão de ingresso no fólio real como compromisso de compra e venda – Termos do contrato que deixam clara a existência de contrato de compra e venda – Consenso válido sobre a coisa, o preço e as condições do negócio – Imóvel negociado de valor superior a trinta salários mínimos – Escritura pública obrigatória, nos termos do art. 108 do Código Civil – Inobservância do princípio da especialidade objetiva por ausência da descrição do imóvel rural a contento – Inteligência do disposto no art. 2º, “caput”, da Lei 7.433/1985 c.c. art. 225, §§1º e 2º, da Lei 6.015/1973 – Inobservância do princípio da especialidade subjetiva pela ausência de outorga da esposa do vendedor, com quem é casado pelo regime da comunhão universal de bens – Observância do art. 1.647, I, do CC – Rasura no número do CPF que, no caso, não justificava o óbice – Vontade das partes que não estaria por isso comprometida – Número que poderia ser aferido de outro modo – Mantidas todas as demais exigências – Recurso desprovido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Laudelino do Nascimento, fls. 46/51, visando à reforma da sentença de fls. 40/43, que julgou “improcedente” (sic) a dúvida inversa suscitada, na forma do art. 201 da Lei Federal n. 6.015/1973”, mantendo a recusa do Oficial do Registro de Imóveis e Anexos de Paraguaçu Paulista de ingresso no registro de compra e venda do imóvel de matrícula nº 13.792.

A Nota de Devolução nº 125.827, fls. 11/12, indicou, como motivos de recusa do ingresso do título, (i) a ausência de formalização por escritura pública, tendo em vista o valor do bem imóvel negociado ser superior a trinta salários mínimos, nos termos do art. 108 do Código Civil; (ii) a inobservância do princípio da especialidade objetiva, que exige a descrição minuciosa do objeto da transação; (iii) a inobservância do princípio da especialidade subjetiva, que exige a qualificação completa dos vendedores e compradores, bem como suas assinaturas; e (iv) a existência de rasura no título.

O recorrente alega, em síntese, (i) que o instrumento particular é registrável por se tratar, na verdade, de compromisso de compra e venda, fazendo incidir a regra disposta no art. 167, I, Item 9, da Lei 6.015/1973; (ii) que o princípio da especialidade objetiva está atendido pela descrição do número da matrícula do imóvel, do cadastro no INCRA e de sua localização, o que basta para a identificação do imóvel; (iii) que o princípio da especialidade subjetiva foi atendido porque há qualificação completa do vendedor, e a omissão da assinatura de sua cônjuge será suprida com a outorga da escritura; (iv) e que a rasura no número do CPF é decorrente da correção na anotação do mesmo número.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 85/87).

É o relatório.

Laudelino do Nascimento apresentou a registro contrato particular de compra e venda de imóvel, com a seguinte descrição: “Sítio Nossa Senhora Aparecida, localizado na Rodovia SP 284 Km 490, no Município de Paraguaçu Paulista SP, com área total (ha) 15.6700, módulo rural (ha) 41,0689, de acordo com o CNS ou OFÍCIO nº 123588, Matrícula 13792, registrado em 09/02/2015, Código do Imóvel Rural nº 950.084.747.114-5” (fls. 06/08).

O Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Paraguaçu Paulista recusou o registro do título por se tratar de instrumento particular, quando o caso exigia a lavratura de escritura pública, porque o valor de venda superou o equivalente a trinta salários mínimos, segundo a regra de regência inserida no art. 108 do Código Civil. Outros óbices quanto à especialidade objetiva e subjetiva, além de existência de rasura no instrumento, foram levantados.

Todos os impedimentos levantados ao registro são pertinentes, ressalvada a questão atinente à rasura inserida no instrumento quanto ao número do CPF do vendedor, consideradas as peculiaridades do caso. Isso porque, ainda que não se admitam, em princípio, instrumentos rasurados, com espaços em branco ou entrelinhas, a rasura existente em um dos números do CPF não comprometeu a vontade das partes e era possível constatar que se tratou de mero erro de digitação e obter o número correto do CPF pela apresentação do correspondente documento.

Relativamente à exigência para a formalização da compra e venda mediante escritura pública, em atendimento ao disposto no art. 108 do Código Civil, o Oficial agiu com acerto.

O título apresentado a registro é um contrato de compra e venda de imóvel, firmado mediante instrumento particular, cujo valor de venda foi de R$600.000,00, muito superior ao equivalente a 30 salários mínimos, sendo mesmo imperiosa a formalização do negócio por escritura pública.

De outra parte, não se tratou, ao contrário do que passou a sustentar o recorrente após receber a nota de devolução do Oficial, de compromisso de compra e venda.

Além do instrumento estar denominado como “Contrato de Compra e Venda de Imóvel”, da análise de seu conteúdo, isto é, de suas disposições contratuais, conclui-se que não é o caso de promessa de compra e venda.

Consta da cláusula “1” que Laudelino do Nascimento, vendedor, na qualidade de legítimo proprietário do imóvel objeto da lide, “resolve vendê-lo ao COMPRADOR […]”, e da cláusula 1.1 que o contrato é feito em caráter irrevogável e irretratável, o que demonstra que as partes tiveram por intenção realizar um contrato de compra e venda, sem direito ao arrependimento (grifei).

O acordo quanto ao pagamento parcelado do preço e à transferência definitiva do imóvel após o recebimento, pelo vendedor, do total avençado, não é suficiente para configurar o contrato como de promessa de realização de negócio futuro de compra e venda.

Nos termos do art. 481 do Código Civil, “pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”, de sorte que o contrato celebrado entre as partes foi exatamente nesse sentido, qualificando-se, então, como contrato de compra e venda, e não como mera promessa.

Vê-se, então, que os elementos necessários à configuração do contrato de compra e venda, coisa, preço e consentimento, se fazem presentes, na espécie (art. 482 do Código Civil).

Assim, a realização do negócio pela forma da escritura pública era de rigor diante do comando do art. 108 do Código Civil.

Não bastasse, a exigência suscitada quanto à especialidade objetiva do imóvel por sua descrição precária também era pertinente.

A Lei 7.433/1985, que dispõe sobre os requisitos para a lavratura de escrituras públicas, somente se contenta com a descrição do imóvel pela menção à matrícula em se tratando de imóveis urbanos e desde que sua descrição e caracterização estejam presentes na certidão do Cartório de Registro de Imóveis.

Confira-se o caput do art. 2°:

“Art. 2º – Ficam dispensados, na escritura pública de imóveis urbanos, sua descrição e caracterização, desde que constem, estes elementos, da certidão do Cartório do Registro de Imóveis”.

E o artigo 225, §§1º e 2º, da Lei 6.015/1973 assim estabelece:

“Art. 225 – Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário. (Renumerado do art. 228 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).

§ 1º – As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro.

§ 2º – Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”.

No caso, o imóvel é rural, daí porque a mera descrição do número da matrícula, ou mesmo de sua localização e do número de cadastro no INCRA, não eram suficientes para cumprir o requisito da especialidade objetiva.

Pelo simples confronto entre a descrição do imóvel constante da certidão de matrícula a fls. 31/34 e a inserida no contrato de compra e venda a fls. 06/08, vê-se que não são equivalentes, daí porque não se observou o princípio da especialidade objetiva na hipótese em análise

Por fim, o óbice quanto à inobservância da especialidade subjetiva igualmente deve ser mantido.

O vendedor declara-se casado no contrato de compra e venda, e isso é confirmado pelo Registro de nº 9 da certidão de matrícula a fls. 31/34, onde se verifica que sua esposa é Tereza Aparecida Belcaro Nascimento, com quem se casou pelo regime da comunhão universal de bens antes da Lei 6.515/77.

A venda de bem imóvel por pessoa casada pelo regime de bens que não seja o da separação absoluta depende da autorização do outro cônjuge, nos termos do art. 1.647, I, do Código Civil.

Aliás, mesmo que se estivesse diante de um contrato preliminar, a existência da outorga não seria dispensável, porque o art. 462 do Código Civil estabelece que “o contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.

A conclusão inafastável é, portanto, no sentido de que a exigência quanto à outorga do cônjuge do vendedor não pode          ser dispensada.

Outras questões atinentes à eventual recusa do comprador em receber a escritura e referente à suposta existência de fracionamento irregular da área pelo mesmo comprador e todos os transtornos que daí podem acarretar ao vendedor, ora recorrente, seja perante o Ministério Público, seja perante a autoridade ambiental, com possibilidade de figurar como réu em ações judiciais, inclusive indenizatórias, como suscitou, não têm relevância no caso que se limita à análise do título levado a registro e aos óbices a tanto levantados pelo Oficial.

Assim, ressalvada a exigência quanto à rasura no número do CPF, que, no caso, pela sua importância diminuta e ante a possibilidade de verificação do número correto por mera apresentação de documento do vendedor, não justificava o óbice, quanto ao mais as exigências levantadas pelo Oficial eram pertinentes e, portanto, ficam mantidas.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 11.08.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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