CSM/SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de doação com reserva de usufruto – Ausência de comprovação do recolhimento do ITCMD ou sua isenção – Dever do oficial de velar pelo recolhimento do tributo – Impossibilidade de reconhecimento da decadência do crédito tributário na via administrativa – Óbice mantido – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1000333-57.2021.8.26.0079

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000333-57.2021.8.26.0079

Comarca: BOTUCATU

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000333-57.2021.8.26.0079

Registro: 2022.0000564299

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000333-57.2021.8.26.0079, da Comarca de Botucatu, em que é apelante JANE MEGID, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BOTUCATU.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 14 de julho de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000333-57.2021.8.26.0079

APELANTE: Jane Megid

APELADO: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Botucatu

VOTO Nº 38.743

Registro de Imóveis – Escritura pública de doação com reserva de usufruto – Ausência de comprovação do recolhimento do ITCMD ou sua isenção – Dever do oficial de velar pelo recolhimento do tributo – Impossibilidade de reconhecimento da decadência do crédito tributário na via administrativa – Óbice mantido – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Jane Megid em face da r. Sentença, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Botucatu, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa do registro da escritura pública de doação com reserva de usufruto lavrada aos 19 de fevereiro de 1991, pelo Tabelião de Notas do Município de Ibiporã, Estado do Paraná, apresentada na forma de certidão expedida aos 11 de março de 2013, dos imóveis objetos da matrícula nº 10.450 e da transcrição nº 5.883 da referida serventia extrajudicial (fls. 83/89).

Afirma a apelante, em síntese, que a exigência de comprovação do pagamento do imposto de doação deve ser afastada, pois já consumada a decadência do crédito tributário. Ultrapassados mais de 05 anos desde a data da lavratura da escritura pública de doação com reserva de usufruto (19 de fevereiro de 1991), evidenciada está a decadência, matéria de ordem pública, que pode ser alegada a qualquer tempo e até mesmo reconhecida ex officio.

Além disso, a Lei Estadual nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, que instituiu o ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – não pode ser aplicada à hipótese em comento, porquanto posterior ao fato gerador que se deu com o ato da doação propriamente dita (19 de fevereiro de 1991). Por isso, o ingresso do título no fólio real deve ser autorizado (fls. 103/116).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 140/142).

É o relatório.

O registro da escritura pública de doação com reserva de usufruto foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução com o seguinte teor (fls. 29):

“Adiamos o registro da Escritura Pública de Doação com Reserva de Usufruto, lavrada ao s 19 de fevereiro de 1991, pelo Tabelião de Notas do Município e Comarca de Ibiporã-SP, às fls. 103/104 do Livro n 127-N, apresentada na forma de Certidão datada de 11 de março de 2013, na matrícula n 10.450 e na Transcrição n 5.883 do Livro n 3-F, pelos seguintes motivos:

Conforme solicitado anteriormente, apresentar a Guia de ITCMD devidamente recolhida, acompanhada de seu respectivo comprovante de pagamento, ambos nas vias originais ou na forma de cópias autenticadas, em atenção ao dever de fiscalização do pagamento dos impostos devidos pelos atos submetidos a registro, nos termos do artigo 289 da Lei n 6.015/73.”

A qualificação registral visa verificar se o registro de determinado título pode ser promovido em conformidade com os princípios e as normas aplicáveis na data em que admitido seu ingresso, pois como esclarece Afrânio de Carvalho: “A apresentação do título e a sua prenotação no protocolo marcam o início do processo do registro, que prossegue com o exame de sua legalidade, que incumbe ao registrador empreender para verificar se pode ou não ser inscrito. A inscrição não é, portanto, automática, mas seletiva, porque depende da verificação prévia de estar o título em ordem. Além de a qualificação do título constituir um dever de ofício, o registrador tem interesse em efetuá-la com cuidado, porquanto, se lançar uma inscrição ilegal, fica sujeito à responsabilidade civil” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 276).

Logo, não importa o momento da celebração do contrato, pois é na data da sua apresentação ao registro que será analisado, em atenção ao princípio “tempus regit actum”, sujeitando-se o título à lei vigente ao tempo da apresentação do título.

No exercício desse dever, incumbe ao Oficial de Registro a fiscalização do recolhimento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados.

É o que dispõe o artigo 289, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973:

“Art. 289 No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”

A omissão do delegatário pode levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo (artigo 134, VI, do Código Tributário Nacional).

E assim agiu o Oficial de Registro de Imóveis ao recusar a inscrição do título diante da falta de comprovação do pagamento do respectivo imposto, observado que não está, dentre suas atribuições, reconhecer qualquer causa de extinção do crédito tributário, ainda que seja a decadência.

À época da lavratura da escritura pública de doação com reserva de usufruto (1991), o tributo incidente era o ITBI estadual Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis e Direitos a

Eles relativos, regido pela Lei nº 9.591, de 30 de dezembro de 1966, o qual, contudo, não foi recolhido.

No próprio título apresentado a registro está consignado “protestando pelo recolhimento do “ITBI” por ocasião do registro da presente.” (fls. 13/14).

Então, a comprovação do pagamento é devida e com lastro na lei em vigor sobre o ITCMD Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos que é a Lei Estadual nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000.

O fato gerador do imposto de doação é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do bem imóvel, em conformidade com a lei civil (artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil).

Inclusive, o E. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião da apreciação do REsp nº 1.841.798/MG, processado e julgado sob o rito dos repetitivos, definiu que, em se tratando do imposto sobre a transmissão de bens ou direitos, mediante doação, o fato gerador ocorrerá, no tocante, aos bens imóveis, pela efetiva transcrição realizada no registro de imóveis.

E a alegada decadência do crédito tributário não pode ser reconhecida neste procedimento diante de sua natureza administrativa, bem como pelo fato de que dele não participa o credor tributário, que é o titular do direito que seria declarado extinto.

Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. TRIBUTOS. IMPOSSIBILIDADE DO EXAME DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO ÂMBITO DA QUALIFICAÇÃO REGISTRAL. DEVER DO OFICIAL EM EXIGIR A PROVA DO PAGAMENTO DO ITBI. ESPECIALIDADE OBJETIVA. DESCRIÇÃO DO IMÓVEL IMPRECISA SEM POSSIBILIDADE DE COMPREENDER SUA EXATA LOCALIZAÇÃO. NECESSIDADE DE APURAÇÃO DO REMANESCENTE QUE NÃO PODE SER SUPRIDA POR LAUDO DE AVALIAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1000908-70.2019.8.26.0100; Relator DES. PINHEIRO FRANCO (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Comarca de São Paulo; Data do Julgamento: 09/08/2019; Data de Registro: 28/08/2019).

Nesse cenário, não há como se concluir pela superação do óbice apontado pelo Registrador.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 21.09.2022 – SP)

FonteINR Publicações 

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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