Juiz minora pensão alimentícia após redução de salário por conta da pandemia do coronavírus

A Justiça de Minas Gerais deferiu em parte o pedido de tutela provisória de urgência para a redução de valor de pensão alimentícia, mantendo os alimentos in natura. O pleito decorre da redução salarial do genitor por conta da crise ocasionada pela pandemia do coronavírus. A decisão é do juiz Antônio Leite de Pádua, da 6ª Vara de Família de Belo Horizonte.

O magistrado ressaltou que o comunicado feito pelo empregador ao requerente não deu certeza quanto ao valor mensal que será recebido. Com isso, não haveria como reduzir a pensão alimentícia ao importe pretendido de um salário mínimo mensal. Por outro lado, com base no artigo 300 do Código de Processo Civil, o pedido de tutela de urgência foi acolhido para que o requerente não amargue uma obrigação que não terá como cumprir.

O juiz entendeu, então, como razoável a redução para 2,4 salários mínimos  – metade do que era pago anteriormente –, mantidos os alimentos in natura e incluindo a parcela devida a título de 13º salário. Após eventual defesa da requerida, desde que amparada em novos elementos nos autos, a questão será objeto de reexame.

“Neste momento difícil vivido por nosso País, o que se espera é o sacrifício de todos; e não de apenas alguns. Em sendo assim, espera-se, e isso até nova deliberação deste Juízo, que a requerida se sacrifique, igualmente, se contentando com um pouco menos daquilo que até então vinha recebendo a título de pensão”, traz a decisão.

Fundamentação foi sensível à crise

Segundo o advogado Luiz Felipe Rangel Auliciano, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, a decisão do juiz Antônio Leite de Pádua foi sensível ao enorme problema vivenciado por toda a sociedade. Ele atenta, contudo, que os entendimentos dos magistrados sobre o tema têm sido díspares.

“Em que pese percepção dessemelhante em matéria (meramente) processual, a decisão, em especial, em sua fundamentação, foi, se não a mais sensível ao tempo vivenciado e ao quanto já era possível antever do enorme problema, está entre uma delas. Digo isso por não deslembrar de outros magistrados que, igualmente, trazem, em si, uma visão de mundo, de Brasil e da relevância do papel da autoridade de suas jurisdições, diante de uma conjuntura adversa”, opina.

De acordo com Luiz Felipe, o caso é didático do artigo 1.699 do Código Civil, que determina: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.”

“Do mesmo modo, o pleito pelo deferimento da tutela de urgência, dogmaticamente, preenchia os requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil. Saltava aos olhos, em que pese tudo o quanto eu disse sobre os documentos que instruíram nossa inicial, que a obrigação, tal como constava no título anterior, havia se tornado inexequível ao alimentante que, ademais, necessitava prover a si e sua prole”, acrescenta o jurista.

Tendência dos magistrados

Ainda que exista “uma linha majoritária tendente à compreensão do momento insólito”, os pedidos de redução de pensão alimentícia têm sido julgados de forma variada, segundo Luiz Felipe. “Os magistrados que têm a dimensão de suas investiduras, especialmente, quando diante desses complicadíssimos momentos, estabelecendo suas autonomias intelectuais, vêm, sim, julgando e deferindo minorações da verba alimentar, ainda que liminar e provisoriamente, sem qualquer temor e, tanto quanto possível, designando audiências para datas próximas, ainda que depois necessite redesignar. Isto se chama sabedoria.”

“Outros, parecem-me não conseguir observar o quanto acontece além das quatro paredes de seus gabinetes. Também não é por falta de conhecimento jurídico. Eles têm de sobra. Trata-se, ao meu sentir, de uma extrema dificuldade de suas almas saírem do quanto é corriqueiro. Ver o diferente”, pondera o advogado.

Neste momento de crise, a fundamentação de que o genitor poderia ter riquezas em aplicações financeiras confunde alimentos com adiantamento de legítima. “É muito importante dizermos às claras, com todas as letras: a norma vigente fala em binômio necessidade/possibilidade”, ressalta Luiz Felipe.

“Todos nós, atuantes na área, conhecemos, respeitamos e operamos o Direito das Famílias orientados ao superior interesse do menor, quando é o caso. Contudo, atribuir à norma aplicável um estado de fórmula matemática hígida, cujo resultado final, para ser aferido, basta encontrar o monômio possibilidade. Então, que se acabem as ações de alimentos, abrandando as atividades da varas e das serventias. Afinal, a tecnologia se incumbiria de realizar a tarefa. Assim não sendo, premente que se altere essa lógica embrenhada em grau de piso.”

Repercussões do coronavírus no Direito das Famílias

Segundo Luiz Felipe, a pandemia trouxe repercussões aos operários do Direito das Famílias, como os atos de presença obrigatória, que podem estar com os dias contados. “Não tenho dúvidas, estamos atravessando um marco de grandes mudanças. Nada novo. Tudo já existia. O coronavírus só acelerou a implementação”, defende.

Há também implicações nos casos que buscam a prestação jurisdicional. De acordo com o advogado, o coronavírus direcionou potente holofote às ações de alimentos, pelas ações revisionais e em decorrência da decisão do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que estendeu habeas corpus e determinou prisão domiciliar a todos os presos de dívidas alimentares no País.

Eclodem, ainda, divórcios litigiosos, guarda e regulamentação de visitas, bem como os cancelamentos de estudos psicossociais em atos de alienação parental elevaram, exponencialmente, os ânimos acirrados. “O Direito das Famílias vai muito além e é pouco falado. Basta observar o Tratado de Direito das Famílias, obra de leitura obrigatória aos engajados na rotina judicial na área, produzida pelo IBDFAM em sua grandeza, para que se tenha uma ideia.”

“Na mesma proporção da amplitude (do Direito das Famílias) estão seus conflitos. Destes, como consectárias, as lides. Nesse instante, estão todos, levemente, à mercê do poder discricionário dos Juízes. A estes cabendo decidir o que é (ou não) urgente”, afirma Luiz Felipe.

Pandemia, por si só, não garante readequação de pensão

Primeiro vice-presidente da Comissão de Relações Acadêmicas do IBDFAM, o advogado Conrado Paulino da Rosa lembra que as ações de alimentos devem sempre atender a realidade fática e as readequações dependem de análise do caso concreto pelo magistrado, com intervenção do Ministério Público nos casos previstos no artigo 698 do Código de Processo Civil.

“O bom senso e a habilidade dos profissionais que laboram em Direito de Família poderá, certamente, ser um eficiente instrumento de mudança. Antes mesmo do ajuizamento da demanda, visando o espírito de cooperação que deve nortear a prática familista, os procuradores devem buscar os mecanismos de autocomposição que, enquanto perdurar o confinamento, podem ser realizados a distância”, defende Conrado.

“Uma boa alternativa pode ser a construção de um panorama de redução temporária do valor, enquanto perdurar a paralisação e/ou diminuição de receitas de diversos setores. Ultrapassado o prazo estipulado, novamente com a intervenção ativa dos seus representantes, os interessados poderão rever a situação ou, de imediato, a retomada do pagamento do valor original”, acrescenta o jurista.

Aumento do inadimplemento alimentício

Conrado atenta que a pandemia do coronavírus não pode servir para atitudes desonestas e de má-fé. “Digo isso haja vista que, na grande maioria dos serviços, o estágio atual representou em drásticas reduções de receitas. Todavia, para os fornecedores de material da área da saúde, por exemplo, o presente é de ascensão material. Destarte, mediante a análise das provas produzidas em juízo quando ausente acordo, é que o magistrado familista deverá analisar qual a melhor saída para aquele que precisa do auxílio para sua mantença.”

Para ele, a recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que autorizou a substituição da prisão em regime fechado do devedor de alimentos pelo regime domiciliar como medida de contenção da pandemia causada pelo coronavírus, terminará por contribuir para um aumento significativo do inadimplemento alimentício.

“Em prisão domiciliar, sob o ponto de vista prático, já estão todas as pessoas, durante esse período de confinamento. Por conseguinte, para o devedor restou esvaziada qualquer pretensão coercitiva. Ele não sentirá qualquer coação, exortando-o ao adimplemento”, acredita o advogado.

Em parceria com o promotor de justiça Cristiano Chaves de Farias, presidente da Comissão de Promotores de Familia do IBDFAM, Conrado escreveu artigo sobre o tema. “Manifestamos nosso entendimento de que o melhor seria a suspensão do decreto prisional durante o período de confinamento. Tão logo o funcionamento do Poder Judiciário seja aberto ao atendimento público, de imediato, a prisão poderia voltar a ser realizada”, propõe.

Confira essa e outras decisões.

Fonte: IBDFAM

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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