Filiações plurais

* Jones Figueirêdo Alves

Cada família tem seu direito de família, diria Carbonnier (“a chaque famille son droit”), indicando que o direito de família não pode ser feito por normas fechadas, exigindo-se que doutrina e jurisprudência se adicionem em visão aberta que enxergue a família em seu “locus” de realizações pessoais e digna, portanto, de compreensões metajurídicas.

Assim, parentalidades são diversas, consolidadas pelo sangue (bio), pela consanguinidade com afeto (bioafetiva) e pelo trato, fama e nome, como a posse de estado de filho (socioafetiva); todas elas importando seus vínculos, o reconhecimento jurídico das situações fáticas e legais e, sobremodo, atendidas as relações entre pais e filhos como fenômenos parentais que transcendem os normativos atuais por existirem, antes de mais, como verdades concretas de realidade vividas e fundadas no valor afeto como bem jurídico.

Bem é certo diferentes a “verdade do sangue” e a “verdade do coração”, que são verdades que funcionalizam a filiação, conforme Marie-Thèrese Meldeurs em seu pioneiro artigo sobre os novos fundamentos do conceito de filiação (1972).

Impende, daí, considerar distintas (i) as filiações apenas biológicas, (ii) as filiações bioafetivas concomitantes (vínculo biológico + afetividade) e (iii) as filiações socioafetivas ocorrentes, estas últimas predominantes ou não. As primeiras estão na mera genitura, sem a função paterna exercida. Genitor é apenas quem procria. Pai é algo que acrescenta nas relações de vida.

Sucede, então, cogitar sobre a multiparentalidade quando é de admitir-se, em situações pontuais, coexistentes a parentalidade socioafetiva e a biológica (filiações plurais). Cuida-se da teoria tridimensional da filiação, em seus critérios bio-afeto-ontológicos, reconhecidos presentes a um só tempo.

A lei não oferece conceitos jurídicos de paternidade/maternidade, sequer constrói os seus estatutos próprios. Mas ao tratar da parentalidade, cuida defini-la em seu amplo espectro, dispondo o artigo 1.593 do Código Civil que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”.

Pois bem. A parentalidade socioafetiva como modalidade de parentesco civil, sob a cláusula “outra origem”, adicionada pelo novo Código (para além dos casos de adoção) não é apenas criação jurídica da lei. Antes, recepciona a lei as situações fáticas e variadas que plasmam espécies de parentalidades, como representações suficientes de pais e filhos, que assumem-se, recíproca e conscientemente, por afeição, como se pais e filhos fossem, inexistente o “jus sanguinis”. Nessa toada, tais parentalidades consolidadas são reconhecidas e merecem amparo jurídico.

De fato, uma nova ordem jurídica coloca-se ao encontro das situações parentais mais diversas, onde a família apresenta-se como “a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.” Esse conceito de família, o primeiro que se conhece ofertado pelo ordenamento jurídico nacional é o contido na lei 11.340/06 (artigo 5º, II) e no ponto, faz acrescentar o elemento da “vontade expressa” como novo liame familiar-parental, no plano civil. Esse significante tem sua precisão cirúrgica, definindo outros vínculos que não os meramente biológicos.

Sobrevém situações de fato que, inexoravelmente, estão a reclamar a multiparentalidade, em seus devidos efeitos jurídicos, à luz dos dispositivos legais existentes (artigo 1.593, CC; lei 11.340, artigo 5º, II), conforme as variantes de cada situação concreta. Vejamos hipóteses:

(i) A indução a erro daquele que registra suposto filho, sob a crença de ser o pai biológico por si só não pode macular o vinculo socioafetivo do pai registral, consolidado ao longo do tempo; a tanto permiti-lo defende-lo frente ao pai biológico quando este ciente da condição que lhe tenha sido até então sonegada;

(ii) Mesmo na ausência de ascendência genética, o registro realizado de forma consciente, consolida a filiação socioafetiva. Essa circunstância opera-se quando o companheiro da mãe solteira registra o filho trazido por ela. Essa relação de fato deve ser reconhecida e amparada juridicamente. “Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, deve ter guarida no Direito de Família” (STJ – 3ª turma, RESp. 1.259.460-SP. Rel.Min. Nancy Andrighi, j. em 19/6/12);

(iii) Filiações ectogenéticas, na espécie dos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, onde por ficção legal é genitor o marido da mulher (artigo 1.597, inciso V; do Código Civil), configuram este também como pai socioafetivo. Ao pai biológico (dador do esperma), a multiparentalidade pode ocorrer quando em face do reconhecimento da identidade genética por direito personalíssimo do filho, ocorram relações parentais também afetivas.

(iv) Posse errada de filho (troca de recém-nascidos), apurada ao depois, onde a filiação socioafetiva consolidada não cede e não haverá de prejudicar a biológica.

A família multiparental, formada por filiações plurais, já existe na jurisdição prestada. São significativos os julgados:

(i) 11/2011: a juíza Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz, da 1ª Vara Cível da Comarca de Ariquemes, em Rondônia, declarou a dupla paternidade admitindo em registro o pai biológico que passou a se relacionar com a filha adolescente, mantendo o do pai registral e socioafetivo (Proc. nº 0012530-95.2010.8.22.0002),

(ii) 10/2012: Acórdão da 1ªCâmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, onde Relator o des. Alcides Leopoldo e Silva Jr., determinou o registro de um jovem com os nomes de seu pai biológico, de sua mãe biológica e de sua madrasta, como mãe socioafetiva (AC 0006422-26.2011.8.26.0286; DJESP 11/10/2012).

(iii) 08/2013: decisão da juíza Carine Labres, da Comarca de São Francisco de Assis (RS) admitiu pedido da madrasta e das crianças enteadas, em ação declaratória de maternidade, sem excluir o nome da mãe biológica do registro.

Bem de ver dos julgados que a multiparentalidade tem sido admitida, para todos os fins legais, podendo ser concomitante ou sucessiva, mas em todos os casos voluntária e não imposta.

Lado outro, a 4ª turma do STJ definiu no voto do ministro relator Luís Felipe Salomão que a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos do filho resultantes da filiação biológica: certo que “a paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente”.

Parentalidade múltipla, em todos os ditames, é espiritual, antes de jurídica, no melhor sentido canônico, como a de José, marido de Maria, que teve como filho socioafetivo o próprio filho de Deus. Por isso mesmo, Pai é aquele que se a(pai)xona.

Disso é feita a multiparentalidade, pela fortuna de espirito de quem possui, por dádiva de vida, mais de um pai ou uma mãe. Direitos sucessórios de ambos? Sim, porque essa fortuna será sempre menor que aquela. Afinal, quem herda do procriador (herança de sangue, sem afeto), por lógica jurídica pode cumular heranças dos pais, cujos vínculos maiores da bioafeição e socioafeição o tornaram mais afortunado.

_____________________

* Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do TJ/PE, diretor nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família ecoordena a Comissão de Magistratura de Família.

Fonte: Migalhas I 01/10/2013.

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Questão esclarece acerca da legitimidade para requerer retificação de área

Retificação de área – Requerimento. Legitimidade.

Questão esclarece acerca da legitimidade para requerer retificação de área.

Para esta edição do Boletim Eletrônico a Consultoria do IRIB selecionou questão acerca da legitimidade para requerer retificação de área. Veja como a Consultoria do IRIB se posicionou acerca do assunto, valendo-se dos preciosos ensinamentos de nosso Colega, Dr. Eduardo Augusto, bem como do Dr. Narciso Orlandi Neto:

Pergunta
Quem possui legitimidade para requerer retificação de área?

Resposta
Aproveitando dos ensinamentos do Dr. Narciso Orlandi Neto, na obra "Retificação do Registro de Imóveis", Editor Oliveira Mendes, bem como nos de nosso Colega, Dr. Eduardo Augusto, lançados na obra "Manual Básico – Retificação de Registro e Georreferenciamento – Comentários, Modelos e Legislação", Versão 2011, p. 7, podemos afirmar que o requerimento visando a retificação de registros deve ser firmado por aquele que tenha legitimação para pedir a retificação, que, em regra, é apresentado como titular do direito real garantido pelo registro a ser retificado.

Atendo-nos ao que rezam os artigos 212 e 213, inciso II, da Lei dos Registros Públicos, temos nos mesmos a figura do "interessado" com legitimação para requerer as retificações em trato nas citadas bases legais.

Buscando ensinamentos para determinar quem pode se aproveitar da expressão "interessados", em retificações de registros, destacamos na citada obra do Dr. Narciso Orlandi Neto, mostras de que tal retificação pode ser requerida tanto pelo proprietário do imóvel, como por terceiros, desde que fique demonstrado o legítimo interesse destes quanto à retificação, sem necessidade de exigência que indique o requerente (terceiro) com algum direito real. Pode este se apresentar como adquirente, ou promitente comprador, ou como cessionário de direitos sobre um determinado bem, ainda sem ter seu título ingressado no sistema registral, mostrando-nos, aí, a necessidade da retificação desejada para que possa ter como regular o registro de seu título.

Com tal doutrina, quando tivermos como requerente pessoa que não faz parte dos registros como proprietário do imóvel em retificação, deve o Registrador analisar com as devidas cautelas a real existência de interesse do requerente na retificação pretendida, indeferindo o pedido, caso isso não ocorra, por absoluta falta de capacidade postulatória.

Lembra, Eduardo Augusto, em seu trabalho jurídico, acima noticiado, que a retificação da descrição tabular de imóvel em condomínio (não edilício), deve ter manifestação favorável de todos os condôminos.

Acrescentamos aqui estar a posição reportada no parágrafo anterior, a ser também estendida aos cônjuges dos que se mostram como proprietários nos assentos da Serventia, ou com capacidade para peticionar, o que só poderá ser desprezado se o outro cônjuge houve direitos sobre o bem em consorte, de forma isolada, e venha a se mostrar como casado no regime da separação convencional de bens, que envolve tal regime também para o imóvel em retificação.

Todas as assinaturas apostas no requerimento deverão ser reconhecidas por Tabelião, como previsto no § 1º., do art. 246, da Lei dos Registros Públicos

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br).

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“Os Imóveis Rurais na Prática Notarial e Registral” é tema do volume nº7 da Coleção Cadernos IRIB

Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza é o autor da obra. Versão eletrônica disponível no site.

Os Imóveis Rurais na Prática Notarial e Registral – Noções Elementares” é o tema do volume nº 7 da Coleção Cadernos IRIB, que acaba de ser publicado. A obra é assinada pelo registrador de imóveis e tabelião em Teresópolis/RJ e membro do Conselho Editorial do Instituto, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. A versão eletrônica já está disponível na área restrita do site www.irib.org.br aos associados, que também recebem exemplares via correios.

O autor divide a edição em três partes: Doutrina, Planilha de Qualificação e Legislação. Na primeira, Eduardo Pacheco traz os conceitos básicos de imóveis rurais, além de abordar sobre os seguintes temas: cadastro do imóvel rural e georreferenciamento, os imóveis rurais e os estrangeiros, parcelamento de imóveis rurais, cursos d’água e estradas seccionando imóveis rurais, usucapião de imóveis rurais, a lavratura de atos notariais e o registro imobiliário.

A coordenação editorial da Coleção Cadernos IRIB fica a cargo de Francisco José Rezende dos Santos, Maria do Carmo de Rezende Campos Couto e Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br) I 03/09/2013.

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