CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de compra e venda – Alienação de fração ideal a pessoas sem vínculos entre si e com os demais condôminos – Vendas de partes ideais anteriormente registradas que não conduzem à imposição de registro de vendas outras que se afigurem irregulares – Matrícula bloqueada – Princípio “tempus regit actum” – Título que deve ser qualificado segundo as circunstâncias vigentes à época de seu ingresso na serventia imobiliária, não importando o momento da lavratura do ato notarial – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Registro obstado – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.


  
 

Apelação nº 1006447-18.2021.8.26.0271

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1006447-18.2021.8.26.0271

Comarca: ITAPEVI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1006447-18.2021.8.26.0271

Registro: 2023.0000177647

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006447-18.2021.8.26.0271, da Comarca de Itapevi, em que são apelantes MARIA MEERCEDES LEONOR OTERO GOMEZ e JULIO FERNANDES GOMEZ, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAPEVI.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento. v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 2 de março de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006447-18.2021.8.26.0271

APELANTES: Julio Fernandez Gomez e Maria Mercedes Otero Gomez

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itapevi

VOTO Nº 38.933

Registro de imóveis – Escritura pública de compra e venda – Alienação de fração ideal a pessoas sem vínculos entre si e com os demais condôminos – Vendas de partes ideais anteriormente registradas que não conduzem à imposição de registro de vendas outras que se afigurem irregulares – Matrícula bloqueada – Princípio “tempus regit actum” – Título que deve ser qualificado segundo as circunstâncias vigentes à época de seu ingresso na serventia imobiliária, não importando o momento da lavratura do ato notarial – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Registro obstado – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Júlio Fernandez Gomez Maria Mercedes Leonor Otero Gomez contra r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada em razão da recusa do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Registro Civil de Pessoas Jurídicas de Itapevi em promover o registro de escritura de compra e venda de parte ideal do imóvel objeto da matrícula no 7.493 da referida serventia extrajudicial, anteriormente matriculado sob nº 22.285 junto ao Registro de Imóveis de Cotia, por considerar demonstrada a implantação de parcelamento irregular do solo.

Alegam os apelantes, em síntese, que inexiste óbice ao registro pretendido, pois a Lei nº 6.766/1979 se aplica ao loteador e não, à alienação entre particulares. Aduzem ter vendido parte ideal de área do imóvel de que eram proprietários ainda no ano de 2008, razão pela qual o bloqueio da matrícula, determinado em 2014, não impediria o ingresso do título no fólio real, certo que outros registros, de igual teor, já foram feitos na mesma serventia imobiliária, o que afasta eventual ofensa à lei. Subsidiariamente, pugnam pela expedição de ofício à Prefeitura de Itapevi, determinando que seja alterada a titularidade da área junto aos cadastros municipais, para fins de cobrança de imposto (fls. 125/144).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 161/163).

É o relatório.

A escritura pública de venda e compra lavrada em 01 de abril 2009 (fls. 27/29) tem por objeto a alienação por venda de

“fração ideal de 5,475093% de um terreno situado no local denominado ‘Água Podre’, bairro de São João, no município de Itapevi (…), perfeitamente descrito e caracterizado na matrícula nº 22.285 do Oficial de Registro de Cotia-SP”.

Ocorre que, no instrumento particular de compromisso de compra e venda e cessão de direitos possessórios que antecedeu o ato formal, ficou constando a descrição e metragem da área correspondente à fração ideal negociada, com seus limites físicos, identificação cadastral junto à Municipalidade e inequívoca menção à intenção de seu futuro destaque (fls. 33/38). Além disso, da análise da matrícula nº 22.285 do Registro de Imóveis de Cotia (fls. 42/67), é possível constatar que o imóvel em comento foi fracionado em várias partes ideais, vendidas a pessoas diversas, sem qualquer notícia de que guardem vínculos entre si.

Trata-se, pois, de flagrante burla à Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979) e ao disposto no item 166, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ, que assim prevê:

“166. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis.

O simples fato de as anteriores vendas de partes ideais terem sido registradas não conduz à imposição de registro de vendas outras que se afigurem irregulares. Esta a sedimentada jurisprudência deste E. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra de fração ideal – Elementos indicativos de parcelamento ilegal do solo – Alienações sucessivas de frações ideais do imóvel originário, com abertura de novas matrículas e criação de vias públicas – Ausência de vínculo entre os coproprietários – Adquirentes cientes da orientação normativa do C. CSM e da E. CGJ – Desqualificação registral confirmada – Registro obstado – Recurso desprovido.” (APELAÇÃO CÍVEL: 1004264-05.2015.8.26.0362, Rel. DES. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, DJ 16/6/16).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra de fração ideal – Elementos indicativos de parcelamento ilegal do solo – Vendas sucessivas de frações ideais do mesmo bem imóvel – Ausência de vínculo entre os coproprietários – Erros pretéritos não justificam outros – Adquirentes cientes da orientação normativa do C. CSM e da E. CGJ – Desqualificação registral confirmada – Registro obstado – Recurso provido.” (APELAÇÃO CÍVEL: 0009405-61.2012.8.26.0189, Rel. DES. JOSÉ RENATO NALINI, DJ 6/11/13).

E mais recentemente:

“Procedimento de dúvida Requerimento de suspensão do processo, para que seja apreciado pedido de avocação de procedimento de dúvida decorrente da negativa de registro a ser promovido em imóvel distinto, mas em que formuladas exigências com igual conteúdo Impossibilidade Procedimento de dúvida imobiliária que, por sua natureza, não comporta a avocação prevista no art. 28, inciso XXVII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Registro de Imóveis Dúvida julgada procedente Registro de regularização fundiária Condomínio de frações ideais a que foram atribuídas áreas certas Regularização que tem por objeto lotes intercalados, situados dentro das quadras em que dividida a gleba Ausência da anuência de todos os co-proprietários das frações ideais Requisitos técnicos para a elaboração da planta e dos memorais descritivos Dispensa da apresentação das licenças para o registro, com fundamento na implantação do parcelamento do solo antes da vigência da Lei nº 6.766/79 Registros das vendas das frações ideais iniciados no ano de 1984 Declaração municipal que não permite verificar que toda a gleba foi objeto de parcelamento irregular, ou clandestino, implantado e consolidado antes da vigência da Lei de Parcelamento do Solo Urbano Recurso a que se nega provimento.” (TJSP; Apelação Cível 1001229-85.2018.8.26.0506; Rel. DES. PINHEIRO FRANCO (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 15/08/2019; Data de Registro: 20/08/2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS Escritura pública de compra e venda – Alienação de fração ideal de imóvel a pessoas sem vínculos Vedação – Desdobro de lote – Registro obstado Item. 171 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça- Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1000352-08.2018.8.26.0584; Rel. DES. PINHEIRO FRANCO (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 24/01/2019; Data de Registro: 29/01/2019).

No caso concreto, ficou demonstrado que as vendas estão sendo feitas a pessoas que não possuem qualquer vínculo com os outorgantes e demais condôminos.

Destarte, o ingresso do título significaria tentativa de desfiguração das regras de parcelamento de solo, na medida em que tornaria possível a divisão da área entre os adquirentes em partes certas e determinadas, suscetíveis de utilização individual por cada um deles. Ora, ainda que não se trate de venda feita por loteador, com viés comercial, há evidências de que pessoas que não possuem vínculo entre si, ao adquirirem um terreno em frações ideais, tinham clara intenção de instituir sobre a área imóveis distintos, com futuro desdobro, o que não se concebe.

E não é só. A matrícula nº 7.493 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Registro Civil de Pessoas Jurídicas de Itapevi (aberta a partir da matrícula nº 22.285 do Registro de Imóveis de Cotia, já encerrada), está bloqueada por ordem judicial e, ademais, não atende ao princípio da especialidade objetiva (fls. 39/41).

O fato de ter sido o bloqueio da matrícula determinado em data posterior à lavratura da escritura de compra e venda em nada favorece os apelantes. Assim se afirma, pois a qualificação registral visa verificar se o registro de determinado título pode ser promovido em conformidade com os princípios e as normas aplicáveis na data em que admitido seu ingresso. Nesse sentido, esclarece Afrânio de Carvalho:

“A apresentação do título e a sua prenotação no protocolo marcam o início do processo do registro, que prossegue com o exame de sua legalidade, que incumbe ao registrador empreender para verificar se pode ou não ser inscrito. A inscrição não é, portanto, automática, mas seletiva, porque depende da verificação prévia de estar o título em ordem. Além de a qualificação do título constituir um dever de ofício, o registrador tem interesse em efetuá-la com cuidado, porquanto, se lançar uma inscrição ilegal, fica sujeito à responsabilidade civil.” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 276).

Logo, não importa o momento da lavratura do ato notarial, pois é na data da sua apresentação ao registro que será analisado, em atenção ao princípio “tempus regit actum”, sujeitando-se o título às circunstâncias existentes ao tempo de seu protocolo na serventia imobiliária.

Ademais, a descrição da área transacionada no contrato celebrado entre as partes ou mesmo o lançamento fiscal individualizado da área não enseja a possibilidade de registro, certo que o desdobro fiscal não corresponde à autorização de desdobro de imóvel para fins de cumprimento da legislação referente ao parcelamento do solo, nem afasta a irregularidade da matrícula aberta em desconformidade com o princípio da especialidade objetiva registral.

Nesse cenário, a negativa de ingresso do título apresentado deve ser mantida em seus exatos termos.

Por fim, inviável a expedição de ofício à Municipalidade, como requerido pelos apelantes. Com efeito, a regularização da situação cadastral da área alienada, para fins de cobrança de impostos, é matéria que não pode ser resolvida no âmbito do presente procedimento, pois a controvérsia extrapola os estreitos limites da dúvida, que está adstrita à registrabilidade do título.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 10.05.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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